Após 20 livros sobre economia e política, o jornalista, escritor e professor de Economia Internacional da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) José Carlos de Assis se propõe a construir “uma ponte entre materialismo e espiritualidade”. E o faz com o pedagógico livro-reportagem A razão de Deus.
O tema é dos mais ousados e desafiadores, bem diferente de ensaios jornalísticos anteriores que deram ao autor ampla exposição na mídia e na academia ao analisar desvios e desacertos econômicos na administração pública. Em A crise da globalização (Ed. Mecs, 2008), J.C. Assis chegou a antecipar a atual erosão capitalista. Seu novo livro, A razão de Deus (Civilização Brasileira, 351 pps., R$ 40), destina-se igualmente ao debate e a polêmica principalmente porque expressa claramente a sublimação de uma tragédia que o autor não exibe em detalhes, mas também não a esconde. Mesmo quando disserta sobre a atual realidade político-financeira de um mundo pretensamente em marcha para o que chama de uma nova “Idade da Cooperação”.
Desde o início o leitor é convidado a tomar uma fascinante posição:
– Ponha-se no lugar de Deus! E satisfaça, por exemplo, necessidades básicas de seres criados “à sua imagem e semelhança”.
“Uma exigência da razão”
O leitor é maciçamente submetido a uma sucessão de desafios históricos direcionados à compreensão do cosmos e da vida. O convite a tão complexa compreensão acaba, porém se resumindo à escolha de três caminhos clássicos:
1. O caminho do conhecimento;
2. O caminho da devoção;
3. E o caminho da ação.
O terceiro seria o mais fácil dos caminhos. Porque ao longo dele, apenas agindo, “você evitaria as perguntas mais complexas e simplesmente procuraria fazer o que lhe parecer bom para si mesmo e para os outros”. Embora concluindo que qualquer que seja seu caminho, “‘ele o libertará se perseguido com afinco”, J.C. Assis entra pelo mais complexo caminho do conhecimento. Mas não consegue enquadrar-se em nenhuma especialidade científica ou religiosa e é levado a referir-se a uma predominância situando seu livro dentro da física quântica. Que é aquela que trata da intimidade – ou seria alma? – da matéria. Cuidando a mecânica energética exatamente dos fenômenos que ocorrem entre o universo infinitesimal dos átomos e subátomos. É aí, nessa intimidade, vamos dizer espiritual, que a metafísica e a metapsíquica buscariam a tão procurada “partícula divina”. Com a qual a ciência explicaria a existência de Deus. Na penúltima página, o autor reforça o rótulo mágico que apõe ao seu livro com uma conclusão poética:
…na física quântica, há inúmeros fenômenos descritos, mas não explicados, inclusive a luz. Inclusive Deus.
É então que a mais conhecida das afirmações de Einstein – “Deus não joga dados” – parece obsoleta ante pesquisas recentes que mostram o oposto: “Deus joga dados, sim!” Sem fugir às suas origens como repórter e sempre no caminho do conhecimento, ele certamente não usa o método do frade inglês Okhan – a citada Navalha de Occan – como regra de produção literária. Segundo este método secular, a mais simples é sempre a melhor entre duas (ou várias) hipóteses. Por acreditar, porém nesta simplicidade ou simplificação, J. C. Assis revela como fundamento de suas pesquisas que “a existência de Deus não pode ser provada cientificamente, mas é uma exigência da razão”.
Hipótese convida à reflexão
A exigência da razão se manifestaria, assim, em três momentos supremos da realidade do universo conhecido cientificamente:
1. A criação do universo ou o (pretenso?) Big Bang;
2. A criação da vida e posterior diversificação (evolução?) das espécies;
3. A aquisição de inteligência criativa no homem ou da (subjetivo-objetiva?) linguagem.
Já na dedicatória do livro – para Aniucha e Lucinha in memoriam – o autor deixa claro que A razão de Deus lhe adveio em consequência de inenarráveis emoções. Pesquisa que qualquer um pode fazer no Google indica, aliás, a existência de algo como uma onda de desestimulo à vida veiculando métodos e práticas de auto-extermínio. Os anjos desse “desencanto quântico” exploram um sinistro glamour de atrativa filosofia para predispostos à depressão, envolvendo mentes oprimidas por fatores vários que sempre preocuparam a psiquiatria, a psicologia e a metapsicologia. As vítimas são descritas como jovens brilhantes com desenvolvimento intelectual bem acima da média. Mas permanentemente insatisfeitos com o que a vida lhes oferece como justificativa existencial. Embora não apareçam no livro referências ao fenômeno que se aguçou com as facilidades da internet, jornais europeus veem se ocupando em desmantelar plataformas da web usadas para a disseminação no mínimo sinistra.
Ana Assis, a Aniucha da dedicatória, morreu em abril de 2011 presa de inesperado evento psicológico/psiquiátrico/quântico. E Lucinha era a prima iogue-rosa-cruz Lúcia Maria Silva, inspiradora do autor e vítima de um câncer que não lhe respeitou o vigor intelectual.
Após advertir com humildade que não é “muito sábio, nem muito virtuoso, nem muito bom”, esclarece J. C. Assis nas linhas finais de A razão de Deus:
“O desaparecimento de uma filha, Ana, em circunstâncias trágicas e inesperadas, me ensinou a compreender do fundo da alma a necessidade do conceito budista de desapego como caminho para nos consolarmos da perda trágica de um relacionamento com uma pessoa amada.”
Mais que uma curiosidade, é sintomático que o prefaciador Francisco Antonio Doria – físico-matemático e membro da Academia Brasileira de Filosofia – se autoproclame um ateu. Diz ele que “só algo como o ateísmo faria sentido” neste mundo. Mas garante que a hipótese que J.C. Assis “expõe do Criador natural, simultaneamente determinístico e probabilístico, portanto quântico, se não convence, certamente convida à reflexão!”
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[Pinheiro Junior é jornalista e escritor]