A estreia da inglesa J.K. Rowling, autora de Harry Potter, no romance adulto já é um fenômeno. Tragicomédia ambientada em uma pequena cidade inglesa, Morte Súbita (512 págs.; R$ 49,90) chega às livrarias brasileiras nesta semana após ter sido disputado por ao menos cinco editoras – Rocco (casa da série infanto-juvenil da escritora, que vendeu 450 milhões de cópias mundialmente), Record, Intrínseca, Novo Conceito e a vencedora Nova Fronteira, parte do grupo Ediouro. Fontes ligadas ao mercado estimam que o adiantamento pela publicação tenha ficado entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões, números que a ganhadora não confirma.
Alguns meses antes da disputa, a série erótica Cinquenta Tons de Cinza, da britânica E.L. James, também foi motivo de um leilão com participação de diversas editoras, incluindo a Record e a Intrínseca (sócia da Sextante, mas pertencente a grupo editorial distinto), que levou o direito de publicação por US$ 780 mil.
Cerca de um ano atrás, o americano Nicholas Sparks deixou a Novo Conceito para ser editado pelo selo Arqueiro, da Sextante, em disputa que contou com pelo menos cinco concorrentes e teria passado do US$ 1 milhão, segundo fontes da área – foram oito livros inéditos. Em 2012, a Novo Conceito deu o troco e adquiriu quatro obras da série Witch & Wizard e oito da saga Maximum Ride, ambas infanto-juvenis e escritas por James Patterson, autor publicado até então exclusivamente pela Arqueiro – que, no entanto, vai lançar quatro romances adultos do escritor até o fim de 2013.
Preços altos
Os leilões são antigos. A novidade é sua frequência quase semanal e a disputa mais acirrada das editoras. “Atualmente, todos os títulos com grande vocação comercial recebem a atenção de ao menos cinco editoras importantes, provocando leilões, tanto na área adulta como na infanto-juvenil”, afirma Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco. Jorge Oakim, fundador da Intrínseca, diz que, hoje, o país deixou a posição de mercado periférico para ocupar o centro. “Cinco, seis anos atrás, um livro era vendido na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Itália, na Alemanha, na França, na Espanha, na Suécia. Bem depois era vendido no Brasil. Hoje, há livros que são comercializados para Inglaterra, EUA e Brasil. É prova de maturidade e rapidez do mercado”, diz Oakim.
Para Fernando Baracchini, presidente da Novo Conceito, o negócio está saindo da fase amadora “e ficando mais profissionalizado a cada dia, com empresas, editoras novas, que estão ganhando destaque importante no mercado com um trabalho diferente das editoras antigas, que também estão se movimentando”. A entrada de grandes grupos editoriais – como a compra da Objetiva pela Prisa-Santillana e de 45% da Companhia das Letras pela Penguin – deve mexer ainda mais nesse mercado em ebulição.
Além da atenção que o Brasil tem despertado em todas as áreas, as vendas aquecidas contribuem para o aumento da competição, com crescimento de 25% na venda de exemplares entre 2004 e 2010. “O fato de o país ser considerado um mercado fervilhante, se comparado aos mercados atualmente mais recessivos da Espanha e da Itália, por exemplo, influencia na expectativa dos agentes e nos patamares estabelecidos para a compra de determinados títulos”, diz Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco. Ou seja, os preços foram lá para cima. Para Marcos Pereira, sócio da Sextante, é difícil quantificar quão mais caros ficaram os direitos por conta de tanta disputa. “Meu chute seria que um livro em leilão normalmente pode chegar ao dobro da negociação esperada pelo agente.”
Gestão de marcas
As modalidades de leilões são diversas. No caso de J.K. Rowling, as editoras convidadas entregaram envelopes com valor, plano de marketing e lançamento, sem saber quanto era oferecido pelas concorrentes. “O plano teve um peso enorme e inédito na decisão. Os agentes da autora deixaram essas regras claras desde o início”, diz Antônio Araújo, executivo de livros da Nova Fronteira. O aspecto financeiro seria apenas uma das partes do acordo. “J. K. Rowling não quis que a editora que vai cuidar do primeiro livro adulto dela, num dos maiores e crescentes mercados mundiais, fosse selecionada simplesmente porque deu um adiantamento maior. Por isso apresentamos um plano de trabalho que nos orgulhou fazer e que a encantou. Quando nos escolheu, ela imediatamente nos escreveu dizendo isso.” Segundo Araújo, a proposta financeira era apenas uma das 33 páginas do plano enviado.
O investimento em presença nas livrarias e na divulgação é grande. “Vamos imprimir 50 vezes mais do que um lançamento padrão, investir 20 vezes mais em marketing e esperamos vender cem vezes mais do que o normal”, diz o executivo de livros, sem divulgar números precisos. Sua campanha de mídia engloba TV por assinatura, rádio, jornais, revistas e portais, além de mídias sociais. Lançado originalmente no exterior no final de setembro, Morte Súbita teve 1 milhão de cópias vendidas em inglês, em todos os formatos, durante suas primeiras três semanas.
Todo o lançamento foi acompanhado pela agência da autora, The Blair Partnership, e os originais só foram liberados para tradução na maior parte dos países (Brasil inclusive) bem perto do início das vendas nos EUA e Reino Unido. “Isso não nos atrapalha em nada, pelo contrário. Todas as editoras precisarão, cada vez mais, trabalhar com gestão de marcas mundiais”, diz Araújo.
Sem prestar atenção
Já a disputa por Cinquenta Tons de Cinza começou como um leilão normal, em que as editoras participantes foram fazendo suas ofertas, via e-mail, divulgadas pelos agentes para os outros integrantes, até chegar a um ponto de pedir uma best offer – a melhor oferta possível de cada editora restante. “Não tem nada diferente de uma jogatina. Você faz uma aposta e ganha ou perde”, diz Sergio Machado, presidente da Record.
As editoras tentam driblar os leilões sendo mais rápidas que as concorrentes e fazendo ofertas preemptive, tão boas que acabam evitando o leilão. Foi assim que a Record levou The Rosie Project, de Graeme Simson, pouco antes da Feira de Frankfurt – que, hoje, perdeu espaço em termos de compras. O romance, que conta a história de um homem que sofre de síndrome de Asperger, vem sendo comparado ao best-seller Um Dia, de David Nicholls. “As negociações e os leilões acontecem a qualquer momento”, diz Pascoal Soto, diretor editorial da Leya. Jorge Oakim diz que as feiras são ótimas para ver as pessoas cara a cara. “Em vez de falar por e-mail ou por telefone, você encontra 50, 60 pessoas com quem fala o ano inteiro. Hoje ainda tem leilão na feira, mas aquela coisa de ir para a salinha para ler o livro acabou um pouco.”
Ainda assim, foi em Frankfurt que ele fechou a compra do livro de Lena Dunham, criadora, produtora e atriz da série Girls, que nem foi publicado nos EUA ainda. Às vezes, uma editora dá sorte, como foi o caso da série As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, adquirida pela Leya quando “ninguém estava prestando atenção”, segundo Soto, por “muito menos do que US$ 100 mil”. Pouco depois, foi anunciada a série de TV da HBO. Os quatro volumes chegaram à marca de 1,2 milhão de cópias vendidas no Brasil.
Menos por mais
Mas são exceções. “O negócio está feio. É briga de faca”, diz Sergio Machado, da Record. “Está valendo tudo.” Por exemplo, ofertas não solicitadas, que jogam os valores para cima, principalmente para autores que já são de outra editora, obrigando-a a concorrer por seu próprio escritor.
Por mais que as editoras afirmem tentar procurar novos autores, hoje é imprescindível contar com best-sellers no catálogo. E, aí, a disputa torna-se inevitável. “O que se vê é uma corrida frenética pelos best-sellers. Na verdade, é um mercado orientado para os best-sellers. As livrarias todas estão voltadas para eles”, diz Pascoal Soto, da Leya. “Se uma editora quer um best-seller, em algum momento vai ter de entrar num leilão.”
É como no cinema, em que os blockbusters contam muito no faturamento de uma empresa. “As editoras vão comprar menos livros gastando mais”, diz Sergio Machado. Com os altos custos dos adiantamentos, o risco aumentou. “Vamos ter muitas editoras arcando com prejuízos, que antes não existia. É a nova realidade”, diz o presidente da Record.
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[Mariane Morisawa, para o Valor Econômico]