Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Preço de e-books decepciona consumidores

Depois do alvoroço, a decepção. Na semana passada, o mercado nacional de e-books ficou em evidência com a entrada de dois grandes players internacionais, Google e Amazon – a Apple, outra gigante no setor, já vende livros digitais no país desde outubro. Mas o consumidor, que esperava promoções arrebatadoras com o acirramento da concorrência, ficou decepcionado. Os preços cobrados pelas novas lojas virtuais são quase os mesmos que já eram praticados por outras livrarias na rede, como Cultura e Saraiva. O best-seller 50 tons de cinza, por exemplo, custa os mesmos R$ 22,41 na Amazon, Google Play e nas livrarias Cultura e Saraiva. Só na loja da Apple o preço é diferente: só que mais caro. Em média, segundo as editoras, os livros digitais são 30% mais baratos que as versões impressas.

Para o professor da UFRJ e coordenador do laboratório da Economia do Livro, Fabio Sá Earp, o modelo é cartel. Segundo ele, os e-books poderiam custar entre um terço e metade do preço dos livros de papel. “O livro digital não paga impressão, papel, armazenamento, não se desgasta. Esse acordo de preços é um exemplo clássico de cartel. Os preços deveriam ser determinados pela livre concorrência.”

A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, rebate as críticas. Segundo ela, o tratamento isonômico dado aos revendedores é um ganho do mercado editorial brasileiro, pois impede que as lojas virtuais fixem os preços, diminuindo o lucro das editoras. “Essa foi a grande briga das editoras brasileiras. Lá fora, a política de preços da Amazon acabou com o mercado editorial”, afirma Karine.

O diretor da Globo Livros, Mauro Palermo, diz que a redução de custos está sendo repassada integralmente ao consumidor. E explica que, além dos citados pelo pesquisador, o livro tem outros custos, como edição, direitos autorais e gastos da editora. E cada livro tem características próprias: “O Ágape, eu imprimo tiragens de 200 mil. É diferente de um título com 5 mil.” Discussões à parte, o consenso é que a política de preços está sendo testada. Pode ser que, ao longo do tempo, os e-books fiquem mais baratos. “O negócio está engatinhando no país. Vendemos e-books há apenas dois anos”, diz Marcílio Pousada, diretor-executivo da Saraiva.

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Diferença entre livro digital e de papel é pequena

A chegada da Amazon ao país causa um furor explicável no consumidor brasileiro: a maior varejista online do mundo é conhecida pelas promoções e pelos preços baixos. Porém, por aqui os descontos não são tão agressivos. A diferença entre os preços cobrados pelo e-book em relação ao livro de papel é bem menor da encontrada lá fora. O livro A Casa de Seda, por exemplo, custa R$ 38,23 em papel e o equivalente a R$ 18,40 na versão digital na Amazon americana, uma diferença de 52%. Na Livraria Cultura, a versão impressa custa R$ 39, e a digital, R$ 27,50, uma diferença menor, de 31%. O diretor-executivo da Cultura, Sergio Herz, explica que as livrarias possuem limitações na definição dos preços, mas considera a diferença nos valores cobrados entre as versões impressas e digitais razoável e atrativa. “Quem faz o preço do livro é a editora. Nós temos limitações”, diz.

Por sua vez, editoras dizem que o desconto dado é o possível. Em média, a diferença é de 30%. Fabio Uehara, coordenador de Negócios Digitais da Companhia das Letras, explica que os custos envolvidos na produção de um livro não são apenas de impressão. “O trabalho até chegar na gráfica permanece, não tem como sair disso. A política da empresa é trabalhar com a diferença de 30% entre o impresso e o digital.” Porém, numa busca aleatória, é possível encontrar até e-books mais caros que a versão impressa. É o caso de Serena, de Ian McEwan. Na Livraria Saraiva, o livro de papel custa R$ 31,20, e o digital, R$ 31,50.

Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ Fabio Sá Earp, o que acontece no Brasil é um problema de filosofia de negócio. Segundo ele, o mercado editorial nacional está acostumado a vender caro com a alegação de que o consumo de livros no país é baixo. Nos EUA, diz o pesquisador, a lógica é vender barato para ganhar no volume. “É um ciclo vicioso. É caro porque vende pouco e vende pouco porque é caro. É difícil mudar isso”, diz.

A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, defende a política de preços adotada pelo mercado editorial. Ela critica a comparação entre os preços de livros impressos e digitais, pois são produtos complementares. Essa também é a posição de Sergio Herz, da Cultura. Segundo ele, a comparação que se faz com o livro é injusta. “Cada produto é um produto. A música digital, por exemplo, ficou mais cara, mas ninguém fala nada. Se a pessoa comprar um single, vai pagar pouco, mas se comprar um disco inteiro, sai mais caro que um CD na loja.”

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Uma biblioteca de 200 gramas e compras a apenas um clique

Apesar da polêmica dos preços, o e-book tem uma série de vantagens em relação ao livro de papel. Leitor inveterado, o empresário Charles Duek é dono de um Kindle há pouco mais de um ano. Ele conta que a experiência de leitura digital é muito próxima do impresso. “E eu posso ler na cama, sem incomodar a minha esposa com a luz acesa. Também aproveito bem os livros de graça, principalmente os infantis, que gosto de ler para a minha filha”, relata Duek.

Com os tablets e leitores digitais, é possível comprar um livro, a qualquer hora e lugar, com apenas um clique. Basta uma conexão com a internet, e o consumidor tem nas mãos uma livraria. Melhor, mais que uma livraria. A Amazon tem disponíveis 1,4 milhão de e-books, sendo cerca de 13 mil em português. Em média, uma livraria física de grande porte tem cerca de 30 mil títulos. Para Francisco Paladino, diretor-executivo da Xeriph, maior distribuidora de e-books do país, a consolidação do mercado digital abre novas oportunidades para o mercado editorial brasileiro, principalmente para as pequenas editoras. “É a verdadeira cauda longa da internet chegando ao mercado editorial. Editoras pequenas, com um ou dois livros, conseguem colocar os seus títulos ao lado das grandes”, diz Paladino.

No papel, texturas e cheiros

Os e-books também podem trazer de volta os livros esgotados, obras que, por serem economicamente inviáveis, estão fora do catálogo.

O coordenador de Negócios Digitais da Companhia das Letras, Fabio Uehara, aponta outras vantagens da leitura digital. Os leitores, como o Kobo e o Kindle, permitem aumentar ou diminuir o tamanho das letras, consulta imediata ao dicionário, busca por palavras. Além disso, pode carregar uma biblioteca dentro de um aparelho que pesa menos de 200 gramas. Para quem não encontra mais espaço livre na estante e convive com livros espalhados pelo chão, o e-book pode ser bastante útil. “Mas o livro de papel também tem vantagens. Eu adoro pegar um livro bem feito, com uma capa legal, folhear as páginas. Ir à livraria e ver todos os livros juntos, passear entre as estantes. E o melhor, nunca acaba a bateria”, diz Uehara.

Custo ainda é alto

Mesmo com toda a tecnologia, os leitores digitais não conseguem simular algumas características do papel. A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, destaca os títulos infantis, que, no impresso, trazem texturas, cheiros e outras interações. Existem ainda os livros pop-up, que, ao serem abertos, montam estruturas tridimensionais impossíveis de serem reproduzidas na tela.

Para Mauro Palermo, diretor da Globo Livros, o gosto pelo livro de papel é pessoal. Ele destaca o ato de virar uma página, escrever uma anotação e fazer uma orelha no canto da folha para marcar as páginas. “Livro bom é livro lido. Com marcas. Provavelmente, muita gente vai sentir saudade do livro quando migrar para os e-books”, opina. “Mas essa geração que está nascendo agora talvez prefira o digital.”

Antes de se aventurar nas livrarias virtuais, o usuário deve fazer as contas. O leitor mais barato é o Kindle, da Amazon, por R$ 299, o equivalente a dez livros de preço médio. “Um bom leitor consome em média um livro por mês. Botando no papel, talvez não valha a pena investir num aparelho que fica obsoleto em um ano”, opina Fabio Sá Earp, professor da UFRJ.

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[Sérgio Matsuura, de O Globo]