Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Erros em artigos são mais conceituais do que de expressão

A redação científica ainda representa o “calcanhar de Aquiles” de muitos pesquisadores brasileiros. E os erros cometidos ao escrever uma tese ou artigo científico estão muito mais relacionados a problemas de metodologia de pesquisa do que à falta de habilidade com as palavras para apresentar os resultados de forma clara, concisa e interessante.

A análise de Gilson Volpato, professor do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, está na sexta edição revisada e ampliada do livro Ciência: da filosofia à publicação.

Lançada no início de dezembro, a edição acrescenta quatro novos capítulos aos nove da primeira edição, publicada em 1998. Um deles apresenta um breve resumo da história da filosofia para explicar por que a ciência é feita tal como é hoje – aceitando conclusões apenas se forem baseadas em evidências empíricas (comprovadas experimentalmente).

A ideia desse capítulo, segundo Volpato, é demonstrar ao leitor o caráter indissociável entre a prática da ciência e questões teóricas e filosóficas, e que só é possível fazer boa ciência e escrever artigos para publicação em revistas de elevado fator de impacto quando se tem uma boa formação filosófica e um entendimento muito preciso dos conceitos científicos.

“É necessário ter uma compreensão muito clara sobre o que é fazer ciência para realizar boas pesquisas, que resultem em artigos sólidos para serem publicados em revistas de alto nível. Não dá só para corrigir a ponta desse processo – a redação científica – sem ter uma base bem fundamentada por trás disso”, disse Volpato à Agência Fapesp.

Especialista em redação e publicação científica, o autor – que dá cursos na área e já auxiliou pesquisadores brasileiros a reescreverem mais de 250 artigos científicos nas áreas de humanas, exatas e biológicas – avalia que alguns dos artigos publicados por cientistas do país apresentam muitos problemas estruturais.

Entre eles estão introduções que não cumprem essa função, tabelas, gráficos e figuras incompreensíveis, métodos duvidosos e dados que não corroboram as conclusões dos autores mas que, na maioria dos casos, segundo Volpato, apresentam erros inerentes à própria pesquisa.

“Se a pesquisa começou errada e é ruim não tem como fazer mágica no artigo. Se o pesquisador estudou uma questão irrelevante, por melhor que sejam os resultados, eles jamais resultarão em artigos científicos que extrapolarão as fronteiras sequer de seu laboratório e que dirá do Brasil”, disse.

Um dos principais erros conceituais nos trabalhos publicados por alguns cientistas brasileiros, de acordo com Volpato, é querer fazer ciência para solucionar problemas pontuais e localizados, sem tratar o fenômeno geral, que justamente tem a capacidade de resolver problemas pontuais.

Prova disso, de acordo com o especialista, é que no próprio título de alguns trabalhos publicados ainda aparecem o nome da instituição ou da cidade onde a pesquisa foi realizada e os dados foram coletados, reforçando a ideia de que o estudo está circunscrito àquele local.

“Para fazer ciência, realmente é preciso de dados que são coletados de algum lugar. Mas o problema é que alguns pesquisadores brasileiros coletam dados de um determinado lugar e só se preocupam com aquele lugar especificamente”, afirmou Volpato.

“É muito diferente de pegar os dados de um determinado lugar e construir uma ciência geral, que resolve questões particulares, como pode ser visto em artigos publicados por cientistas estrangeiros em grandes revistas científicas internacionais. Ainda falta esse aprendizado e ousadia científica ao pesquisador brasileiro”, compara.

Questões pontuais

Segundo Volpato, alguns dos fatores responsáveis pela ausência da ciência geral são a falta de formação filosófica sobre o que é necessário para construir conhecimento e o fato de que o Brasil ficou por muito tempo fechado para o mundo. Algumas áreas ficaram dissociadas da ciência produzida no exterior.

Por outro lado, de acordo com Volpato, outras áreas relacionadas à ciência básica, como imunologia, biologia celular e física, sempre tiveram uma inserção internacional natural que continuou e ganhou maior projeção na década de 1990 com os adventos da globalização e da internet.

De acordo com o pesquisador, é preciso rever esse conceito de se fazer ciência sob uma perspectiva estritamente local para que se possa melhorar a qualidade dos artigos científicos publicados por brasileiros e, consequentemente, aumentar a publicação em revistas de alto fator de impacto e citação internacional.

“A redação científica é um forte indicador sobre os conceitos científicos dos autores de forma que para melhorá-la é preciso, primeiramente, corrigir os conceitos dos pesquisadores sobre o que é fazer ciência”, disse.

Volpato também é autor dos livros Método lógico para a redação científica, Bases teóricas da redação científica, Publicação científica, Bases teóricas para redação científica, Administração da vida científica, Pérolas da redação científica, Dicas para redação científica, Lógica da redação científica e Estatística sem dor!.

O professor também divulga seu trabalho no site www.gilsonvolpato.com.br, que oferece artigos, dicas e reflexões sobre redação científica, educação e ética na ciência. O site dá acesso a aulas on-line do curso “Bases Teóricas para Redação Científica”, apresentado por Volpato na Unesp.

***

[Elton Alisson é repórter da Agência Fapesp]