Nos últimos anos, o tradicional cafezinho brasileiro deu saltos tecnológicos e ganhou ares de produto de luxo. Evoluiu do antigo coador de pano para as modernas máquinas de café. Até a própria matéria-prima, os grãos, sofisticaram-se, entrando no rol dos produtos premium ou gourmet. Duas empresas, Melitta e Illy, contribuíram especialmente para essas transformações, como informa Antonio De Salvo no recém-lançado Respeitável Público – As Relações Públicas e a Força Invisível dos Negócios, publicado pela Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Mas, embora narre histórias de ambas as companhias, entre outras, elas entram no livro como cases da atividade de relações públicas que, no Brasil, segundo ele, já conta com profissionais comparáveis aos melhores do mundo e agências em igualdade de competência à dos países mais avançados.
Na introdução, De Salvo escreve que não pretende somente dissertar didaticamente sobre a profissão. Seu objetivo é, mais que isso, refletir sobre o dia a dia do profissional de relações públicas, bem como mostrar o que as empresas precisam saber sobre esse tipo de profissional. E para ele, empresas têm um papel fundamental a desempenhar no progresso do país, porque são geradoras de tudo, o tempo todo: da pesquisa à produção e do capital à mão de obra. “Pessoas nascem, crescem e morrem. As empresas nascem, devem crescer e perpetuar-se”, diz. Por isso, a imagem de uma empresa é um de seus mais preciosos patrimônios e é aí que atua o profissional de relações públicas, que deve trabalhar de forma preventiva e orientadora, para que as companhias tenham um bom conceito público. O “respeitável público” do título refere-se, pois, à opinião pública.
Antes de desenvolver suas ideias no livro, De Salvo faz um breve histórico sobre o desenvolvimento dessa atividade no Brasil. No início da década de 60, diz, a área de relações públicas existia em algumas multinacionais ou nas agências de publicidade. Na década de 80, bons jornalistas deixaram as redações de jornais para criar as primeiras assessorias, sendo que 80% delas voltavam-se exclusivamente para o relacionamento com a imprensa, ainda sem a visão de uma comunicação mais ampla, abrangendo todos os stakeholders (partes interessadas na empresa e seus resultados).
Comemorações, brindes e catálogos
Mas, segundo De Salvo, ainda é difícil o caminho das relações públicas no Brasil. “A atividade tem ainda muito a avançar”, diz ele no livro, observando que o que conta mesmo para o mercado é a prática do profissional e muitos não a têm, pois estão limitados a conhecimentos teóricos. Ele credita esta falha, entre outras razões, à proliferação de faculdades de comunicação, que formam mais profissionais do que o mercado consegue absorver.
Além disso, critica a exigência de diploma em comunicação para o exercício da profissão. “Para mim, o bom RP precisa ser um administrador de empresas.” E provoca: “Como discutir política empresarial sem embasamento das técnicas de administração de empresas?” Para De Salvo, a complexidade dos assuntos com que lidam os profissionais de relações públicas exige conhecimentos de administração, economia, marketing, recursos humanos etc., não privilegiados nas faculdades de comunicação.
Finalmente, faz uma ácida crítica ao mercado, em que se misturam diferentes tipos de empresa. Segundo ele, existem aquelas que se autointitulam agências de relações públicas, sem terem qualificação para desenvolver um trabalho de qualidade. “São predatórias, colocam em descrédito essa profissão de substancial importância para a sustentação da imagem das empresas em um momento de mercado tão competitivo como o vivido nesses tempos de globalização.” Muitas dessas empresas, indigna-se De Salvo, “ou assediam jornalistas com notícias de nenhuma relevância, ou vendem, como trabalho de relações públicas, comemorações, brindes e catálogos, desvirtuando a atividade em si”.
Trabalho em parceria
Por natureza de espírito desafiador, De Salvo vai sempre direto ao ponto nevrálgico das questões. Em suas linhas e entrelinhas percebe-se seu apurado senso crítico, mas também um aguçado senso de humor. Italiano da Sicília, nasceu em 1937, desembarcando no Brasil em 1953. Ao chegar, foi para Jundiaí trabalhar com o pai, engenheiro, que fundara uma indústria química três anos antes. Iniciou aí sua trajetória profissional, onde chegou a ser responsável pela produção. Em 1958, iniciou uma carreira de sucesso em grandes companhias como a Colgate-Palmolive e a J. Walter Thompson. Ao fundar em 1971 sua premiada agência, a ADS – Assessoria de Comunicações, já era colunista dos principais jornais do país. Escreveu os livros Guerra à Siciliana, Guerra Siciliana no Brasil e Saga Siciliana de Traições. O Respeitável Público, que a Aberje publica agora, foi escrito em 2008, ano de seu falecimento.
Nesta sua última obra, Respeitável Público, De Salvo critica também as empresas que acreditam que apenas anúncios na mídia garantam sua imagem no mercado. Não é assim, diz ele. A publicidade é “uma arma fortíssima e indispensável”, mas, para a promoção da imagem, ela sozinha não sustenta os resultados previstos no plano estratégico da empresa.
Além disso, empenha-se em desmistificar a interpretação de que a função do RP é de dar apoio ao marketing. Para ele, o trabalho do Marketing e do Relações Públicas deve ser em parceria, de forma a prepararem o posicionamento mercadológico e a imagem da empresa. “Não adianta chamar o Relações Públicas depois que o plano estiver pronto”, avalia.
Imagem institucional
Para cumprir bem suas funções, De Salvo recomenda que o profissional de Relações Públicas reporte-se diretamente à presidência da empresa. Não por razões de status, mas porque, dessa forma, terá uma ampla visão do negócio. Próximo do círculo de decisões, ele pode “desenvolver uma força estratégica para consolidar a imagem de excelência da companhia no mercado”. Ele sempre repete que o Relações Públicas é o responsável por estreitar o relacionamento da companhia com diversos públicos, tais como imprensa, comunidade, acionistas, fornecedores e setores de governo.
Embora defenda com unhas e dentes a iniciativa privada, De Salvo é incisivo ao cobrar mais ações no balanço social das empresas. Elas “precisam devolver ao mercado aquilo que obtiveram durante sua participação nesse mesmo mercado”. Uma das formas de as empresas contribuírem é através de campanhas de utilidade pública que visem beneficiar a população. Está aí, segundo o autor, uma das atividades a serem preenchidas pelo responsável das Relações Públicas, pois ele saberá aliar criatividade ao conhecimento profundo de como construir e manter uma boa imagem pública da empresa.
Portanto, para De Salvo, do alto dos 48 anos nos quais atuou como Relações Públicas, há um leque abrangente de possibilidades para este profissional, que deve ter um feeling aguçado para orientar e até mesmo mudar o rumo da comunicação de uma companhia, se achar necessário. O importante é manter sempre elevados os indicadores da imagem institucional da empresa. O bom profissional, ensina, “deve manter olhos, ouvidos e todos os sentidos abertos às mais diversas manifestações”.
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[Marinete Veloso, do Valor Econômico]