Os meios de comunicação divulgaram uma decisão judicial que determinou a busca e apreensão de livros da série Cinquenta Tons, da escritora britânica E. L. James, por violação ao artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que as publicações que contenham “material impróprio ou inadequado” para crianças devem circular em embalagens lacradas. A medida, ainda que amparada na lei e bem intencionada, não parece ser a melhor solução.
A leitura do primeiro livro da série, Cinquenta Tons de Cinza, revela, sim, que se trata de obra que tem conteúdo impróprio ou inadequado para crianças. Por outro lado, a Constituição brasileira assegura e protege a liberdade de expressão em todas as suas formas. A regra, portanto, é a ampla liberdade de expressão e, a exceção, a sua restrição em casos excepcionais.
A cultura de um povo se forma, também, com o que não é estético, não é agradável, não é apropriado para todos. Muitos clássicos da literatura contêm passagens pouco apropriadas para crianças e nem assim se impôs o lacre. Dentre os autores brasileiros, Jorge Amado contêm passagens que podem ser considerar inadequadas, mas primorosamente narradas, e ninguém nunca cogitou de apor lacres em seus livros.
Autonomia familiar
Não se pode esquecer um outro aspecto do problema: antes de o Poder Público se preocupar com a educação de crianças, essa função é da família, tanto que a Constituição proclama que a família é a base da sociedade e é merecedora da proteção do Estado.
Não se trata somente de uma disputa entre o Estado, de um lado, e a editora e sua autora, de outro. Nesse meio, há uma instituição que é presumidamente autossuficiente para decidir: a família. Embora o Poder Público tenha a espada para decidir muitas coisas, em assuntos que envolvam autonomia familiar, como este, deve passar a balança para os pais.
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[Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho é desembargador aposentado do TJRJ e professor universitário]