Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A biblioteca de Alexandria

Fundada por Alexandre Magno no ano 331 a.C., a cidade de Alexandria, aqui no Egito, viveu, desde então, uma história de altos e baixos. Transformada em capital por Ptolomeu I, manteve o posto durante quase mil anos, até a conquista árabe no ano 640 da Era Cristã, e foi, durante séculos, a capital cultural e intelectual do Ocidente, uma espécie de Nova York da antiguidade. Lá ficavam duas das sete maravilhas do mundo antigo, o famoso Farol de Alexandria e a Grande Biblioteca, que merece um capítulo especial na História.

Ptolomeu I e seus sucessores, até Cleópatra, última rainha do Egito, sabiam que conhecimento é poder; cuidaram, então, de transformar a biblioteca no maior repositório de saber da época. Seus representantes percorriam o mundo comprando rolos de papiro em todas as línguas; quando um navio atracava no porto, os passageiros eram obrigados a declarar os manuscritos que traziam consigo. Se algum ainda não constasse do acervo da cidade, ele era confiscado até que uma cópia fosse feita (reza a lenda que volta e meia os legítimos donos recebiam de volta não o seu original, mas uma cópia).

Os reis ptolomaicos eram tão ciosos das suas fontes que, quando a cidade de Pergamon quis criar a sua própria biblioteca, a exportação de papiro foi proibida. Não adiantou, porque logo Pergamon desenvolveu a sua própria tecnologia para armazenagem de texto, conhecida até hoje como pergaminho.

Uma nova encarnação da biblioteca

Ao lado da biblioteca de Alexandria funcionava o Mouseion, academia que reunia os principais pensadores gregos e egípcios, convidados pelo Estado para longas temporadas. Várias descobertas e invenções importantes saíram desses encontros, nos quais foram também catalogadas todas as espécies de animais e de plantas então conhecidas.

Essa biblioteca extraordinária foi destruída durante um incêndio. A data precisa do desastre é ignorada, assim como os verdadeiros culpados. Durante muito tempo, Júlio César foi responsabilizado pelo crime porque descreveu, em suas memórias, o incêndio que seus soldados haviam provocado num depósito de papiros em Alexandria; mas a localização desse depósito não condiz com a da biblioteca. Além disso, há evidências de que ela ainda estava de pé quando César morreu, no ano 44 a.C.

Hoje com mais de quatro milhões de habitantes, Alexandria é uma cidade fervilhante, mas suja e confusa. A maioria dos seus prédios não vê mão de tinta há décadas; tudo parece estar a um passo da ruína. Mas, em meio ao caos, brilha uma nova encarnação da antiga biblioteca, agora conhecida como Bibliotheca Alexandrina.

Livros digitalizados

O edifício é impressionante. Construído na forma de um relógio solar em frente ao Mediterrâneo, num local próximo ao da sua predecessora, ele foi projetado para abrigar até oito milhões de livros. O acervo atual conta com cerca de um milhão de exemplares, sobretudo em árabe, inglês e francês, que podem ser consultados num magnífico salão de leitura de 70 mil metros quadrados. Tudo é superlativo nessa linda casa de livros, e tudo é muito bonito, dos móveis aos detalhes do projeto arquitetônico, vencedor de um concurso que teve cerca de 1.400 participantes. Além da coleção principal, há bibliotecas especializadas em mapas e em multimídia, e bibliotecas para cegos, crianças e jovens; há quatro museus, quatro galerias de arte, um planetário e um centro de restauração de manuscritos.

O acervo digital é digno de nota. A BA mantém a única cópia do Internet Archive, a fenomenal biblioteca digital sediada em São Francisco, na Califórnia, que, pela última contagem, estava com mais de três milhões de livros em domínio público digitalizados. Na Bibliotheca Alexandrina, qualquer um deles pode ser baixado e impresso sob demanda.

Não sei se eu moraria em Alexandria, mas se me permitissem montar uma barraquinha dentro dessa biblioteca gloriosa acho que eu seria feliz para sempre.

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[Cora Rónai é colunista de O Globo]