No final dos anos 1950, telefone era artigo de luxo no Brasil. As linhas eram muito caras e pouquíssimos privilegiados tinham acesso a elas. Por isso, quando a maior agência brasileira de publicidade dos anos 1970 e 80 foi inaugurada, em junho de 1957, suas instalações não contavam com aquele que é hoje um equipamento elementar de comunicação – só obtido, então, depois de meses de negociações com a companhia telefônica da época.
A protagonista da insólita situação foi a MPM, como narra em No Centro do Poder a jornalista Regina Augusto, diretora editorial do jornal Meio & Mensagem. Sua narrativa rememora a atividade de Petrônio Corrêa, o “P”, da sigla, que dá conteúdo não só à história da agência, que ele fundou juntamente com os sócios Antonio Mafuz e Luiz Macedo, mas também à história dos primórdios da publicidade no Brasil.
Nos anos 1950, relembra a autora, o mercado da propaganda no país era basicamente ocupado por quatro agências estrangeiras – Thompson, McCann Erickson, Lintas e Grant Advertising. Fora do eixo Rio-São Paulo, onde algumas agências nacionais despontavam, a cidade de Porto Alegre surgia como novo polo da propaganda, favorecida pela expansão do rádio, do jornal e pelo advento da televisão, todos ávidos por anunciantes. É nesse cenário que nasce a MPM, que chegou a ter, em seu auge, 13 escritórios espalhados pelo Brasil, que atendiam oito bancos e cinco redes de varejo.
Foi reclamar com o tio
O primeiro cliente da agência foi a A. J. Renner, que depois se tornaria Lojas Renner, até hoje no mercado. O livro reproduz diálogo travado na reunião dos três sócios da recém-criada agência com o patriarca Herbert Renner, com 75 anos na época: “No dia em que vocês brigarem, quem vai permanecer com a minha conta?” Os três prontamente responderam que não iriam brigar. “Vocês têm 90% de chance de brigar, por isso quero definir agora quem ficará com a minha conta”, retrucou com firmeza Renner, antes de afinal aceitar a informação de que Petrônio Corrêa seria responsável pela continuidade do atendimento, caso sua previsão viesse a se concretizar. Mas a separação nunca aconteceu. Os três sócios continuaram juntos até a agência ser vendida para uma outra, a Lintas, em 1991.
De acordo com o livro, os três sócios, embora com perfis diferentes, souberam construir e manter relacionamentos duradouros com seus clientes, principalmente no setor público. “Carisma, influência política e boa dose de sedução foram os ingredientes utilizados para essa receita dar certo”, observa Regina. Entre os anos 1960 e 70, contas do governo chegaram a representar perto de 60% da receita da agência.
Um episódio exemplar é o da conquista da primeira conta do governo. Quando o sócio Luiz Macedo, sobrinho do presidente João Goulart, soube que a conta da Caixa Econômica Federal acabara de ser entregue à McCann Erickson, não hesitou em levar sua reclamação ao tio que, imediatamente, ordenou à direção do banco que trocasse a McCann pela MPM. Ordem dada, ordem cumprida. A conta da Caixa Econômica abriria caminho para várias outras, como as do Banco do Brasil e da Eletrobras.
A fusão das agências
Com a queda de João Goulart, deposto pelo golpe de 1964, a MPM tratou de se adaptar aos novos tempos. A contribuição de Mafuz para que se fizesse essa acomodação foi fundamental. Vários de seus colegas de serviço militar, no Centro Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR), tornaram-se coronéis e generais, e Mafuz valeu-se desses contatos para eliminar as desconfianças dos militares com relação ao trio de publicitários.
Polpudas contas vieram sob a presidência do general João Baptista Figueiredo. As relações da MPM com o ex-presidente eram tão próximas que Figueiredo chegou a ter uma sala só para ele na agência, com telefone exclusivo. Nos dias de visita, informa a autora, a rua era fechada para dar lugar aos batedores e os funcionários da agência eram dispensados.
Até a década de 1970, o mercado automobilístico brasileiro era dominado por três grandes montadoras: General Motors, Volkswagen e Ford. Quando a Fiat se instalou no país, em março de 1973, sua conta de publicidade foi para a agência Casabranca, que tinha entre seus sócios o publicitário Júlio Ribeiro. Dois anos depois, a MPM comprou a Casabranca. Em 1979, por discordância com os antigos sócios, que também trabalhavam na MPM, Ribeiro deixou a agência. Segundo Corrêa, a fusão das agências foi um excelente negócio, pois, além da Fiat, a MPM passou a administrar as contas de Pepsi-Cola, Olivetti, Kodak e Souza Cruz.
História do mercado
Um dos destaques do livro é a venda da MPM para a Lintas, do grupo americano Interpublic (também proprietário da McCann Erickson e da Lowe& Partners), em 1991. Com a compra, surge a MPM Lintas. O momento era crítico para a MPM, pois acabara de perder todas as contas do governo federal, por decisão do então presidente Fernando Collor. Além disso, os sócios, já sexagenários, não tinham organizado um plano de sucessão. Por isso, Macedo e Mafuz, diferentemente de Corrêa, optaram pela venda da agência.
A transação foi fechada por U$ 30 milhões, divididos igualmente entre os sócios. “Esses números seriam bem diferentes hoje”, avalia Corrêa, se feita a atualização conforme os valores agora movimentados pelo mercado, bastante superiores aos da época. Segundo a autora do livro, Corrêa nunca escondeu seu descontentamento com a venda, mas respeitou a vontade de seus sócios. O negócio resultaria no desaparecimento da marca MPM, tempos depois. Passados três anos, o grupo Interpublic compraria a Ammirati & Puris, passando a chamar-se Ammirati Puris Lintas, eliminando a menção ao nome da agência brasileira. “Nenhum de meus sócios imaginava que uma história construída por mais de três décadas, com tanto sucesso, fosse ruir tão rapidamente”, diz Corrêa.
Regina destaca o perfil negociador de Petrônio Corrêa que, além da forte atuação política, teve papel relevante em entidades representativas do setor. Participou da criação do Conar-Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, da Abap-Associação Brasileira das Agências de Publicidade, e do IAP-Instituto para Acompanhamento da Publicidade. Também organizou o Cenp-Conselho Executivo de Normas-Padrão, órgão fiscalizador das relações comerciais do mercado publicitário brasileiro, onde hoje atua como presidente do conselho consultivo.
Pela extensão da pesquisa realizada, quantidade de informações e riqueza de detalhes, No Centro do Poder pode ser considerada obra de referência para estudantes e profissionais da área, bem como para todos os interessados na história e na atualidade do mercado de publicidade brasileiro.
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[Marinete Veloso, do Valor Econômico]