Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Obras devem levar no mínimo dez anos”

Fundada em 1810 e aberta ao público quatro anos depois, a Biblioteca Nacional é a maior de sua espécie na América Latina e está entre as dez maiores do mundo. Acumulou, ao longo de sua história, 9 milhões de itens entre livros, periódicos, cartas, documentos, mapas, discos, partituras e moedas. E o número cresce a cada dia. Pela Lei do Depósito Legal, tudo o que é impresso no País deve ser enviado à sua sede, no centro do Rio de Janeiro. Só em 2012 foram 135.091 itens, mais de 11 mil volumes por mês.

O mercado editorial tem parte nisso. Segundo pesquisa da Fipe, foram lançados no Brasil 17.183 títulos em primeira edição em 2009, 18.712 em 2010 e 20.405 em 2011. Isso, sem contar as reedições. Com editoras produzindo cada vez mais, a necessidade de espaço para armazenamento só aumenta, e isso remete a problemas estruturais do centenário prédio – que envelhece mal. Em maio passado, uma pane no ar-condicionado provocou inundação, molhando parte do acervo. O sistema segue desligado – algo particularmente desconfortável num verão em que a sensação térmica chega aos 50°C.

Mas esses não são os únicos desafios da Fundação Biblioteca Nacional, cujo orçamento de 2012 foi de R$ 116.596.978,00. De alguns meses para cá, editoras vêm lançando obras exclusivamente no formato digital. Como isso será recebido e guardado? Sobre o presente e o futuro da instituição que preside, Galeno Amorim respondeu às seguintes perguntas por e-mail.

A obra de recuperação

Em abril de 2012, o MinC anunciou a concentração da política do livro na FBN, que passaria a investir em áreas tão diversas quanto a de implantação de 359 bibliotecas (R$ 109 milhões), apoio à realização de 67 feiras do livro (R$ 7 milhões) e concessão de 150 bolsas de tradução (R$ 1,4 milhão). Foi possível realizar o que havia sido planejado?

Galeno Amorim – Todas as ações aconteceram e, como se previa, algumas superaram as metas e outras não. Como envolve várias áreas do ministério, está sendo preparado um balanço para ser divulgado em abril. Foi um avanço extraordinário estabelecer de forma pioneira para o Plano Nacional do Livro e Leitura metas numéricas e orçamentárias dentro das metas gerais do Plano Nacional de Cultura.

Levar a política do livro para a FBN foi uma decisão acertada? Com tantas ações e metas, a própria Biblioteca Nacional não teria ficado esquecida?

G.A. – Como há uma direção própria para essas políticas, a direção da FBN pode, inclusive, dar prioridade total à Biblioteca Nacional. Entre 80% e 90% das 12 horas diárias que passo na BN são dedicadas às ações emergenciais e às de longo prazo para o projeto da nova Biblioteca Nacional, para preparar a instituição para os próximos 200 anos. Desde 2011, foi dedicado um período intenso e necessário à elaboração de estudos, diagnósticos, projetos executivos e mobilização dos recursos para dar início à grande obra de recuperação, em curso. Infelizmente, houve o incidente de maio. Felizmente, sem nenhum prejuízo para o acervo, já que as peças foram recuperadas e reintegradas à coleção.

As restrições de direito autoral

Assim que tomou posse, a ministra Marta Suplicy anunciou repasse de R$ 70 milhões para reformas estruturais. Como esse valor está sendo aplicado? Quais são as prioridades e que risco o acervo corre neste momento?

G.A. – A primeira parcela, no valor de R$ 11 milhões, já foi repassada pelo BNDES para o restauro do telhado e das claraboias do prédio-sede no centro e o início das obras do novo prédio da zona portuária. Será anunciado em breve um concurso para escritórios de arquitetura para a apresentação de projetos do novo edifício. No total, são R$ 26 milhões. Já os R$ 30 milhões do PAC serão aplicados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na troca do ar condicionado e de toda a rede elétrica, mais a troca de elevadores e ações de recuperação das esquadrias e estruturas da fachada, entre outros. Instituições como Iphan, Unesco, Caixa Econômica Federal, Fundação Getúlio Vargas e BNDES vão integrar o conselho consultivo que está sendo criado pela FBN para ajudar no estabelecimento das diretrizes para o projeto de recuperação e construção da nova Biblioteca Nacional.

O que é a Biblioteca Nacional hoje e o que ela será em 10 anos?

G.A. – A guardiã do conhecimento e da cultura letrada do Brasil é a definição clássica da vocação principal da Biblioteca Nacional. Com mais de 9 milhões de peças e obras raras, ela atrai a atenção de pesquisadores de várias partes do mundo. Essa essência tem que ser preservada e ampliada. Um dos meios mais importantes para preservar e dar mais acesso a esse rico acervo é a digitalização. Com o aumento significativo das publicações nos últimos anos, o espaço disponível para o acervo ficou pequeno demais. A tendência é seguir um caminho parecido com o que foi feito por outras bibliotecas nacionais do mundo e ter mais um prédio da BN. Também estamos trazendo para a BN a responsabilidade de ajudar a protagonizar um debate mundial sobre como as bibliotecas podem dispor ao público esse conhecimento acumulado pela humanidade, por causa de restrições ultrapassadas de direito autoral. Atualmente, por exemplo, embora tenhamos aumentado em dez vezes as páginas digitalizadas na BN digital, só um porcentual irrisório do nosso acervo, por estar em domínio público, pode ser consultado na internet.

“Em três anos teremos as intervenções principais prontas”

O que precisa ser feito para ela chegar a esse futuro tendo um papel relevante para a sociedade e a memória brasileira?

G.A. – Modernizar completamente suas estruturas internas de gestão e funcionamento e qualificar o atendimento aos usuários e aos pesquisadores para oferecer um serviço mais ágil e eficiente. A Fundação Getúlio Vargas está nos ajudando com isso.

E quais são os desafios?

G.A. – Há três grandes desafios e, para tanto, será necessário mobilizar recursos técnicos e financeiros e ter o apoio da sociedade para o conjunto de obras que deverão levar, no mínimo, dez anos. Será necessário restaurar a sede, na Cinelândia, e substituir toda a infraestrutura: ar condicionado, rede elétrica e hidráulica, a própria divisão atual do prédio e até as paredes das fachadas, de onde há anos despencam blocos de cimento e surgem pequenas rachaduras. Vamos iniciar as obras para implantação do segundo prédio da BN, onde atualmente funciona o depósito, na região do Porto Maravilha. Outros desafios estão ligados à recuperação e preservação dos acervos e à questão de pessoal. O quadro de funcionários caiu de 500, em 1990, para pouco mais de 350 atualmente – e 100 desses devem se aposentar até o fim do ano.

No que consiste o contrato firmado com a FGV? Quanto está sendo investido e qual é a expectativa?

G.A. – A FGV está nos ajudando a fazer o Plano Diretor até 2022. O aprimoramento dos processos administrativos, o apoio para a formação de quadros, a reorganização estatutária e, ainda, a implantação de um rigoroso sistema de gestão de projetos estão no escopo da parceria. Este contrato, de 18 meses, prevê investimentos de até R$ 6,9 milhões. A ação principal é o apoio na realização das licitações para modernização e retrofit do prédio-sede e do novo prédio. As primeiras obras começarão já nos próximos meses com base em projetos existentes, mas as intervenções principais exigirão meses de estudo. Neste momento a equipe da FGV, com apoio nosso, está ouvindo os especialistas internos, além de especialistas brasileiros e instituições do exterior. Também será realizado nos próximos 120 dias um grande reparo do sistema ventral de ar condicionado, que ficará como solução provisória até a entrada em funcionamento de um sistema novo, definitivo, que deve levar entre 24 e 30 meses. Acreditamos que em três anos teremos as intervenções principais prontas.

Sistema de empréstimo

Para quando está prevista a inauguração do prédio que vai abrigar os periódicos? De quanto é o investimento? Como será?

G.A. – Estão previstos 30 meses para a conclusão das obras e um investimento de R$ 17,8 milhões (recursos do BNDES). Os estudos iniciais da FGV, ainda em fase de confirmação, apontam que o potencial de guarda de acervo pode superar significativamente as estimativas iniciais e abre a possibilidade de transferimos outros acervos além do previsto inicialmente. Nesse prédio, a prioridade é a preparação da infraestrutura: elétrica, hidráulica, incêndio, segurança e a construção dos armazéns para guarda do acervo. A indicação inicial aponta que ao menos a área de consulta do acervo físico e a área de periódicos poderão ser transferidas para lá. Na sede continuará havendo consulta desse acervo digitalizado.

Algumas editoras já estão lançando livros exclusivamente no formato digital e autores recorrem cada vez mais à autopublicação, também mais frequente em e-book. Como fica a questão do depósito legal?

G.A. – O e-book, mesmo sendo de uma obra já existente no impresso, necessita de um novo ISBN. Esse novo formato se enquadra na Lei do Depósito Legal e é preciso que sejam enviados, em alguma mídia, para o setor responsável na BN.

A FBN anunciou a digitalização de 100 obras clássicas em e-books. Para tal, investiria R$ 140 mil. Quantos e-books já estão disponíveis? Como está o andamento deste projeto? A ideia é emprestar esses livros ou permitir apenas consulta pelo site da FBN?

G.A. – A BN digital está trabalhando na preparação de uma boa quantidade de livros da literatura brasileira em domínio público para colocar à disposição dos seus usuários. Num primeiro momento, os livros já ficarão disponíveis para consulta e leitura na internet, mas o objetivo é criar um sistema de empréstimo, para o qual estão sendo analisadas as diferentes experiências praticadas no mundo.

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[Maria Fernanda Rodrigues, do Estado de S.Paulo]