A Biblioteca Nacional começa seu caminho de volta às origens. Um mês após o convite da ministra da Cultura Marta Suplicy, o cientista político Renato Lessa assume, esta semana, a presidência da Fundação Biblioteca Nacional com a incumbência de recolocar a instituição no centro do sistema cultural brasileiro, fortalecendo sua missão, que é a de guarda de acervo e sua abertura para o público.
No último ano, desde que a então ministra Ana de Hollanda levou a política do livro para a fundação, a gestão perdeu o foco, concentrando-se mais em iniciativas midiáticas, como a participação em feiras internacionais. Problemas estruturais que vinham, ano após ano, deteriorando o histórico prédio da Cinelândia se agravaram – um vazamento inundou todo um andar e danificou o sistema de ar condicionado, que não funcionou durante o verão e segue desligado.
“Havia uma excessiva concentração de atribuições de tarefas – nem todas típicas de uma biblioteca. Livre dessa asfixia, ela pode agora cuidar de assuntos específicos, como sua recuperação física, dar atenção à modernização da guarda e do acesso ao acervo”, diz Renato Lessa.
A primeira tarefa tem sido destacar a Biblioteca Nacional da política do livro. Mesmo antes de ser nomeado, Lessa já se reunia com José Castilho Marques Neto (leia entrevista ao lado), escolhido por Marta para a secretaria executiva do Plano Nacional do Livro e Leitura. Ela ainda é responsável por ações que migrarão com Castilho para Brasília, mas só para garantir a continuidade neste período de transição. Uma das ações intensificadas na gestão anterior, de Galeno Amorim, foi o programa de apoio à tradução de autores e isso continuará na Fundação Biblioteca Nacional. Além disso, Lessa pensa em criar um programa de residência de pesquisadores.
Também antes de assumir, o novo presidente, durante uma viagem particular a Portugal, se encontrou com Maria Inês Cordeiro, diretora da Biblioteca Nacional de lá, e acertou o primeiro convênio de sua gestão: um acordo de cooperação entre as duas bibliotecas que prevê colaboração técnica e compartilhamento de bases digitalizadas para a criação de uma grande biblioteca lusófona. Ele será assinado em junho, no encerramento do Ano do Brasil em Portugal. “A ideia é fazer outras parcerias desse tipo com a Biblioteca Mindlin, com a John Carter Brown, a Brasiliana Oliveira Lima. Vamos vincular a Biblioteca Nacional a uma rede de conhecimento”, comenta.
Recursos públicos
A novidade da semana é que haverá internet Wi-Fi nas salas de consulta, e que a nova diretoria já negocia com o MinC a reforma total do site da biblioteca. “Hoje, ele tem muita coisa importante, mas é um site muito confuso e que não faz justiça ao seu conteúdo.” No horizonte, a ideia de criar uma biblioteca Nacional Digital, como a que os Estados Unidos inauguraram em abril, o que atrairia novos usuários. “Temos que tirar a biblioteca de dentro de si mesma por meio da digitalização agressiva e progressiva, mas essa digitalização para acesso universal é limitada pelas leis de direitos autorais.” Um novo desafio para a Biblioteca Nacional.
Outros dois: o empréstimo de e-books e o recebimento de materiais em formato digital, como os próprios e-books – há editoras e autores que já publicam exclusivamente neste formato – e correspondências – pesquisadores que antes trabalhavam com cartas já se veem tendo de consultar e-mails. “Armazenar o digital é fácil e temos espaço para isso; o desafio é ter uma política de acesso a esse conteúdo”, diz ainda.
Mas isso é futuro. Uma questão mais urgente é a reforma da sede, na Cinelândia, e do anexo, no Cais do Porto. Licitações para a realização de obras já estão em andamento e a restauração do sistema de ar condicionado deve ser finalizada antes do próximo verão. “O arranjo financeiro para bancar isso já está garantido via BNDES, PAC das Cidades Históricas e o orçamento da própria FBN. Já temos cerca de R$ 70 milhões garantidos para enfrentar o momento”, afirma Lessa, que se reúne pela primeira vez com a Fundação Getúlio Vargas, que está prestando consultoria à instituição, na segunda.
No atual desenho da Fundação Biblioteca Nacional, não caberia iniciativas como organizar a participação brasileira na Feira de Frankfurt em outubro, quando o País será homenageado, mas ela herdou parte da função. O custo dessa ação será de R$ 18 milhões, dos quais R$ 15 milhões provêm de recursos públicos. O retorno é incerto. “Pode haver impacto, mas é difícil antecipar qual será. Mas nossa futura política com relação a essas feiras deve ser reconfigurada. Para mim, os editores têm que ter uma participação maior nos custos da internacionalização de seus autores. A Feira de Frankfurt é importantíssima, mas é de negócios”, finaliza o presidente.
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“Plano nacional deve ir a estados e municípios”
Entrevista com José Castilho Marques Neto
Presidente da editora Unesp e da Associação Brasileira de Editoras Universitárias, José Castilho Marques Neto foi secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) entre 2006 e 2011. Pediu demissão quando a política do livro foi levada à Fundação Biblioteca Nacional e volta agora ao cargo – sem deixar de lado suas funções anteriores.
Existe uma política pública para o livro e para a formação de leitores? No que ela é, ou deve ser, baseada?
José Castilho Marques Neto – Existe claramente uma indicação de política que precisa ser totalmente absorvida pelo Estado, que é o PNLL. Seu texto é resultado de um pacto social e de entendimento sobre o que precisa ser feito em longo prazo e a base é objetiva e consequente: Estado e sociedade devem pensar e agir juntos para que o Brasil seja um país de leitores. O plano tem quatro eixos: democratização do acesso, fomento à leitura e formação de mediadores de leitura, valorização institucional da leitura e de seu valor simbólico e desenvolvimento da economia do livro.
O que o MinC espera do PNLL?
J.C.M.N. – A retomada da coerência com os avanços que o plano já alcançou na sua fase de implantação, determinação férrea na inclusão de mais brasileiros no acesso à leitura, ênfase no fortalecimento do sistema nacional de bibliotecas públicas, diálogo e cooperação com a educação e com a sociedade em prol de um país de leitores. Tudo isso integrado com vigor e cooperação ao sistema nacional de cultura dando unidade aos grandes projetos do MinC nessa gestão.
Quais serão as prioridades?
J.C.M.N. – Temos apenas 20 meses para recompor a condução da política do setor no âmbito do MinC, estreitar relações de trabalho com o MEC e seguir com ações de fomento e formação de leitores. Fomentar os Planos Municipais e Estaduais do Livro e Leitura, concretizando nos Estados e municípios os objetivos nacionais também é uma prioridade.
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Maria Fernanda Rodrigues, do Estado de S.Paulo