Anélio Barreto foi repórter na época áurea do Jornal da Tarde, diretor da Rádio Eldorado e editor-chefe de O Estado de S. Paulo. Aposentado, lançou recentemente um livro, Histórias que os Jornais não Contam Mais. O título não podia ser mais apropriado. O livro é uma coletânea de artigos e reportagens escritos num período que vai dos anos 1960 até o fim da década passada. Contém 20 reportagens e um epílogo sobre “O Crime da Rua Cuba” e 12 textos em que trata de temas tão variados como o bandido adolescente Marquinho, a vida em Luanda, capital de Angola, Frank Sinatra, Michelangelo, O. J. Simpson, o jogador de futebol americano que matou a mulher, Carrapateira, a cidade mais pobre do país, a Daslu, a Cracolândia, o delegado Espinosa (na verdade, uma reportagem sobre esse personagem e seu autor, Luiz Alfredo Garcia-Roza) ou a mãe de Dilma Rousseff antes de a filha chegar à Presidência.
São textos longos, vários deles muito longos, de um tamanho que os jornais de hoje dificilmente publicariam. Neles, o autor recorre à mais antiga das técnicas para agarrar e manter o leitor, a narrativa. Antigo repórter de polícia do Jornal da Tarde, ele escreveu em outra ocasião: “É preciso dizer aqui que as histórias (matérias) policiais que o JT publicava na época não tinham nada a ver, mas nada mesmo, com os textos que os jornais de hoje publicam. Elas contavam a história, e não apenas o cru resultado, como se mostra hoje.”
Algumas décadas atrás, a imprensa brasileira sentiu-se atraída pelo new journalism, importado dos Estados Unidos, que incorporava à reportagem a técnica do romance. Sandro Vaia escreve, no prefácio desta obra, que era moda na redação do Jornal da Tarde andar com um exemplar embaixo do braço do livro Aos Olhos da Multidão, uma antologia de reportagens de Gay Talese, o mais famoso praticante do new journalism. Outros seguidores desse gênero eram Tom Wolfe, Norman Mailer, Hunter S. Thompson e Truman Capote. Sua influência é perceptível na obra resenhada.
Personagens da vida real
Assim como a pólvora, a narrativa não é uma invenção recente. Desde os tempos de Homero, ninguém resiste a uma história bem contada. E Barreto sabe como contar bem uma história. Seus textos, de uma enganadora aparência simples, são fáceis de ler e, apesar do tamanho, o leitor não tem pressa de chegar ao fim. Há a atenção ao detalhe e é precisamente o acúmulo dos detalhes selecionados e bem organizados, colocados um depois do outro, que torna suas histórias atraentes.
Há ocasiões, porém, em que o autor se deixa levar em excesso pelos artifícios da ficção que o new journalism utiliza para manter a atenção do leitor. No texto sobre o escultor renascentista Michelangelo Buonarroti, por exemplo, Barreto recorre repetidas vezes ao diálogo ou ao monólogo. Há dezenas deles. Esse recurso, realmente, facilita a leitura e torna mais leve um texto que poderia ser pesado, mas levanta a dúvida: como o autor conseguiu transcrever com tanta precisão o que foi dito literalmente há cinco séculos? E, se uma leve dúvida sobre a autenticidade dos diálogos invade a leitura, logo provoca outra: alguns detalhes da narrativa teriam sido adaptados e outros incorporados para torná-la mais agradável?
Com a experiência de repórter policial e a habilidade para contar histórias, não surpreende que Barreto tenha se arriscado a escrever ficção com O Roubo da Taça, uma novela de detetives que parte de um fato real, o roubo da Taça Jules Rimet em 1983, na qual recorre a vários personagens da vida real, vivos e mortos. Ele também publicou Rua Cuba: O Crime Perfeito?, em 1990, com praticamente as mesmas reportagens incluídas no livro atual. Esse material e quase todos os textos do livro estão disponíveis na internet.
Atualmente, não há muito espaço na mídia para a narrativa. Uma história bem contada não cabe nos 140 caracteres do Twitter e a grande maioria dos jornais publica matérias cada vez mais curtas. Como os jornais partem do princípio de que o leitor não gosta de ler, lhe oferecem informação em pílulas, além de títulos e letras cada vez maiores e mais ilustrações.
A leitura deste livro reaviva o interesse pelo desdobramento de alguns assuntos nele abordados. Qual foi o futuro de Marquinho, o adolescente bandido? O que é feito de Carrapateira, que em 1969 era a cidade mais pobre do Brasil? Como o autor veria hoje a Angola que conheceu em 1999? Dificilmente o leitor ficará sabendo: são histórias que os jornais não contam mais.
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Matías M. Molina é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo