Diversas formas de sedução já haviam sido tentadas – bergères entre as estantes (as primeiras em que me acomodei ficavam numa Barnes & Noble em Manhattan), cafés, música ambiente, televisores, cartões para descontos – mas nem assim as livrarias superaram o tranco que levaram da Amazon e da imantação do olhar por outras atrações & distrações eletrônicas. Como manter a velha freguesia e, melhor ainda, atrair novos clientes? Como enfrentar a concorrência dos e-books?
Da Bélgica veio a luz. A salvação das livrarias físicas pode ser o chocolate. Não em barras ou formato bombom, oferecido de bonificação na compra de um livro, mas asperso discretamente no ar, como aquelas lavandas para ambiente utilizadas pelas butiques. A Neuhaus pode até entrar na jogada, mas, por enquanto, a iniciativa é apenas uma experiência científica da Universidade de Hasselt e foi divulgada na mais recente edição do Journal of Environmental Psychology.
Testado durante dez dias numa livraria, o potencial inebriante do chocolate correspondeu amplamente às expectativas da persuasão subliminar. Os fregueses ficaram, em média, o dobro do tempo espiando e folheando as mercadorias e conversando com os atendentes.
Tudo vale a pena se a venda é pequena. Se dará certo, é outra história. Se só estimular a compra de best-sellers, melhor substituir o chocolate por outra substância. O importante é ajudar a indústria e o comércio de livros de qualidade. E segurar um pouco a voracidade da Amazon. Sou usuário do Kindle, mas isso não me impede de torcer pela preservação do livro tal qual o conhecemos há quase 600 anos. Passei a maior parte da vida com a cara enfiada num livro, e não sei até quando resistirei à tentação de contar (em livro) as histórias que vivi em livrarias mundo afora.
As primeiras que frequentei foram as do centro do Rio: Zahar, Civilização Brasileira, Crashley (na Ouvidor, meca das publicações de língua inglesa, por onde recebia as revistas Sight & Sound e Films and Filming), a Francesa (entre a Maison de France e a Faculdade Nacional de Filosofia) e a indefectível Leonardo Da Vinci. O mais ecumênico ponto de encontro de escritores e intelectuais nos anos 1960, a Da Vinci até versos de Drummond e Antonio Cicero já motivou. Abri lá minha primeira conta no ramo e lá comprei meus primeiros exemplares do Cahiers du Cinéma e de Positif. Ainda peguei o romeno Andrei dividindo a faina com a dinâmica e enciclopédica Dona Vana.
Gigantes varejistas
Casal de livreiros do mesmo nível só encontrei em Los Angeles: Milton e Git Luboviski, à frente da Larry Edmunds Bookshop, a maior livraria de cinema do mundo, então no 6658 do Hollywood Boulevard. Git, a quem sempre mimoseava com uma caixa de sabonetes Phebo, também ficou viúva, e, como Dona Vana, revelou-se mais empreendedora que o marido.
A Larry Edmunds mudou de número, mas, a exemplo de outra preferida na Costa Oeste, a City Lights, em São Francisco, cria do poeta beat Lawrence Ferlinghetti, resiste firme aos abalos sísmicos no mercado. Em Berkeley, a Cody's, baluarte das livrarias independentes, fechou as portas cinco anos atrás. Superou até um atentado a bomba (por dispor na vitrine um exemplar de Versos Satânicos), mas não a concorrência dos balcões virtuais. Outra glória da Telegraph Avenue, Shakespeare & Co. (sim, parece mesmo franquia), recusa-se a entregar os pontos e passar o ponto para uma pizzaria. Era, na primeira metade dos 1970, uma mina de livros usados de alto nível: lá arrematei dois palmos de Edmund Wilson por menos de cinco dólares.
A Shakespeare & Co. da Broadway, ao lado do Zabar's, nem esperou o avanço do comércio eletrônico para abandonar sua refinada clientela; bastou-lhe a chegada da então ciclópica Barnes & Noble às suas vizinhanças. Duas ou três homônimas sobraram, em Manhattan, mas aquela era a tal.
Nova York sempre foi um paraíso livresco. Para todos os gostos há um nicho específico, apanágio por enquanto relativamente incólume à crise geral. As grandes redes encurralaram as pequenas concorrentes e, enfunadas pela gentrificação, destruíram-nas. Adorava a Books Etc. e a Gotham (com seus três gatos de nomes literários, o mais velho chamado Eliot), há tempos desativadas. Soube que a esplêndida St. Marks, no East Village, enfrenta sérias dificuldades para pagar o inflacionado aluguel e tem sido ajudada por um mutirão de clientes abonados. A mitológica Strand, porém, continua, espero que firme como o Gibraltar, e isso é um consolo.
Em Londres, outro Xangri-Lá para quem gosta de vasculhar livrarias, já saía direto do hotel, a pé, até a Charing Cross Road, iniciando a peregrinação pela Zwemmers, imbatível em livros de artes, muitas vezes esnobando a hiperbólica Foyle's para ciscar nas subversivas prateleiras da Bookmarks, repletas de literatura esquerdista, uma espécie de filial londrina da velha Joie de Lire, enclave da Maspero no Boule'Mich, em cujo porão os exilados políticos do mundo inteiro se punham em dia com os alternativos de casa. Até Pasquim e Opinião eram vendidos na Joie de Lire.
E já que estamos em Paris, tiremos o chapéu para sua prodigalidade editorial e sua preferência por livrarias pequenas. Duas de minhas favoritas, Le Divan e Village Voice, em St.-Germain, fecharam para, como La Hune, dar lugar a uma daquelas grifes que transformaram o bairro mais tradicionalmente intelectual de Paris num sub-Faubourg Saint-Honoré. De modo geral, a situação do comércio de livros na França é menos instável que a de outros países, graças ao protecionismo estatal assegurado pelo Ministério da Cultura, mecenas das editoras e livrarias independentes e guardiã dos interesses culturais ameaçados pela Amazon e outras megacorporações globalizadas.
Passei anos amaldiçoando as gigantes varejistas (Barnes &Noble, Waldenbooks, Borders, B. Dalton) pelos estragos causados às suas primas pobres. Ao vê-las aniquiladas uma a uma, também por seu próprio gigantismo, confesso que delas sinto pena e saudade.
******
Sérgio Augusto é colunista do Estado de S.Paulo