Todo o trabalho biográfico está sujeito a erros. É preciso reconhecê-los e repará-los imediatamente, com seriedade e energia, na exata mesma medida em que se deve repelir –chamando pelo que é, lembrando o momento em que se dá– a ação coordenada dos que tentam minar a credibilidade de uma notável e já consagrada reportagem.
Como editor de Otávio Cabral em “Dirceu”, posso afirmar e reafirmar o que norteou a produção e a publicação do livro –marcos, aliás, que fundamentam os 70 anos do Grupo Editorial Record: a busca da verdade; o compromisso com a correção; a inegociável cultura da independência; o valor da liberdade; o desejo incontornável de contar histórias importantes e de difundir informações decisivas, da melhor forma, por meio do melhor texto.
Não é à toa, portanto, que já tratamos da próxima biografia a ser escrita por Otávio Cabral: porque, para muito além de seu talento e da promissora carreira de autor, é um jornalista honesto, competente, que está, antes e acima de tudo, a serviço da própria consciência –isto, algo cada vez mais raro.
Ainda que todos os erros apontados por Mario Sergio Conti em “piauí”, e repercutidos por Morris Kachani nesta Folha, procedessem, e ainda que aquilo que de fato estava errado não tivesse merecido reparo imediato (e anterior ao texto de Conti), não seria um inventário ressentido de miudezas –levantamento espantoso, que talvez só o biografado pudesse fazer igual– a derrubar o primoroso trabalho jornalístico de Otávio Cabral em “Dirceu”.
Obscurantismo e atraso
Agora que o mensalão volta à pauta do Supremo e, pois, às manchetes dos jornais, momento em que parece haver, em diversas frentes, uma ofensiva por desqualificar tudo quanto possa ser inconveniente aos condenados, urge ressaltar que picuinha nenhuma, por habilidosa que seja, logrou apontar um só erro estrutural –uma só falha grave, de peso– capaz de comprometer sequer minimamente o conjunto do memorável trabalho de apuração jornalística e de reconstituição histórica de Otávio Cabral em “Dirceu”.
Ninguém precisa reconhecer a relevância de se produzir e publicar uma biografia não autorizada como essa num país acovardado como o Brasil, em que os espaços para o exercício do contraditório mínguam progressivamente e em que bárbaros muito bem remunerados pelo Estado partilham a coragem de ser sempre a favor.
Pode-se bancar uma bem-sucedida carreira de repórter de gabinete com mentiras e rabo preso, mas não se alcança um sucesso como o de “Dirceu” –exatos 37 mil livros vendidos em menos de três meses– senão com verdade e clareza.
Nesta hora em que o destino de graúdos está em xeque e em que se investe pesadamente na mistificação, convém atentar para o risco de que a dita imprensa livre –mais ou menos sem perceber– sirva de cavalo aos que se valem do jornalismo para pervertê-lo em obscurantismo e atraso.
É muito bom ser independente, mas sem jamais nos esquecermos de que há quem não o seja.
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Carlos Andreazza, 33, é editor-executivo da Editora Record