No prefácio de “Histórias que os Jornais Não Contam Mais” (Belaletra), de Anélio Barreto, o jornalista Sandro Vaia afirma que o título “pode servir como epitáfio dos jornais que agonizam e ao mesmo tempo como diagnóstico das razões dessa agonia”.
Ou seja: “Morrerá mais rapidamente quem esquecer que a essência mesma do jornalismo é contar –e contar bem– boas histórias”.
Vaia está certo quanto à definição da essência do jornalismo. Nem tanto, espero, quanto a constatação implícita de que os jornais agonizam por terem deixado de contar bem boas histórias.
Neste período em que o ofício tem enfrentado o desafio da internet, há mais desespero que esperança em relação ao seu futuro. Mas não há prova de que vá desaparecer.
O jornalismo terá papel relevante se fizer, como diz o texto de capa do livro, “a garimpagem das informações relevantes ao público –e de maneira palatável”.
Espaço garantido
Anélio Barreto foi, enquanto exerceu a profissão, um mestre na arte de garimpar dados e contar boas histórias. Integrou a equipe original do “Jornal da Tarde”, que, com a revista “Realidade”, fez nos anos 1960 e 1970 o melhor do novo jornalismo nacional.
Seu talento fica claro na antologia, em especial nos textos do caso da rua Cuba, uma dessas histórias que poderiam render obras-primas como “A Sangue Frio”, de Truman Capote, mas que em geral saem apenas como notas mal escritas nos jornais.
A série de reportagens sobre o caso que Anélio publicou no “Jornal da Tarde” entre 1989 e 1990 ocupa metade do livro e é seu ponto alto.
“Rua Cuba, 109, Jardim Paulistano, sexta-feira, antevéspera do Natal de 1988. O casal Bouchabki, Jorge e Maria Cecília, seria assassinado nesta madrugada, com quatro tiros. Mas quem adivinharia isso agora, logo após o Jornal Nacional’ e uma importantísssima sequência da novela Vale Tudo’?”, escreve Anélio.
Os textos reconstituem em detalhes os momentos que antecederam o crime, do qual o filho Jorginho, 18, foi o maior suspeito (“Antes de sair, Ginho programou o videocassete, na sala, para gravar o Globo Repórter’, que tinha um especial de fim de ano sobre os Trapalhões”) e avançam até um epílogo sobre o arquivamento do caso.
Há outras histórias bem contadas: policiais (o caso O. J. Simpson), internacionais (a vida em Angola, em 1999), perfis (a mãe de Dilma Rousseff, em 2006) e mais.
Todas aproximando a produção jornalística da literária, inclusive com liberdade para recriar diálogos não testemunhados sem, no entanto, perder a verossimilhança.
Pode parecer que não há mais espaço para o trabalho que Anélio fazia. Mas a história é dinâmica demais para ser prevista. O sucesso da reportagem “Snow fall”, de John Branch, que a edição digital do “New York Times” publicou neste ano, com recursos multimídia, prova que há espaço para a produção inteligente.
Leia também
O velho jornalismo feito de histórias – Matías M. Molina
A arte de contar boas histórias – Sandro Vaia
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Carlos Eduardo Lins da Silva é editor da revista “Política Externa”