Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O publicitário e o terrorista

[do release da editora]

Na década de 1960, Carlos Henrique Knapp era considerado um dos melhores redatores de São Paulo. Sua agência, a Oficina de Propaganda, destacava-se pela criatividade em um período em que a publicidade assumia novos riscos para se adaptar às mudanças de comportamento dos consumidores, em plena revolução sexual e popularização da TV. A ousadia do empresário, no entanto, ia muito além das campanhas publicitárias.

Durante dois anos, Knapp integrou a rede de apoio à Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo revolucionário liderado por Carlos Marighella que atuava como principal opositor ao regime militar. Durante o dia, visitava clientes, criava anúncios na agência e jogava tênis no clube Sociedade Harmonia, o mais exclusivo de São Paulo. À noite, quando a agitada vida social permitia, se dedicava aos contatos revolucionários e as conversas com Marighella. Durante algumas semanas, o inimigo público número 1 dos órgãos de repressão ficou escondido na residência de Knapp no Jardim Europa, bairro da alta burguesia, a 300 metros da casa do general comandante do II Exército, José Canavarro Pereira.

A família só descobriu que a vida dupla do publicitário quando o filho Eduardo, então com cinco anos, efusiva e inocentemente identificou o pai em um cartaz com fotos de terroristas procurados pela polícia. Knapp foi “desmascarado” depois de prestar socorro a um guerrilheiro baleado. Para escapar da prisão e de uma passagem, provavelmente sem volta, pelos centros de tortura, o empresário fugiu do Brasil, deixando para trás a agência, a carreira bem-sucedida e os filhos pequenos, que moravam com a ex-mulher.

Além de ser um livro sobre o “Brasil sombrio”, como o escritor costuma se referir ao período da ditadura, trata-se também de um relato da vida de um exilado. Enquanto relembra acontecimentos dos quais participam figuras como Miguel Arraes, Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Chico Buarque, entre outras personalidades, Knapp narra as aventuras e desventuras pelas quais teve de passar durante os dez anos que passou no exílio, com novas identidades, novos documentos e novas carreiras.

Outro momento marcante de suas memórias é quando divide com o leitor o drama de ter sido obrigado a se afastar dos filhos. Algo que os envolvidos nunca conseguiram superar. Para ele, este foi um golpe muito mais duro do que ter perdido todos os bens para o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais temidos algozes dos opositores do regime militar, e ter visto boa parte da história da agência Oficina ter sido apagada da existência.

Na talentosa voz de Knapp, as histórias reais ganham um ritmo de thriller cinematográfico. Não é leviano dizer que a vida do publicitário daria um filme. Se Mad Men, a elogiada série de televisão norte-americana sobre a publicidade nos anos 1960, fosse ambientada no Brasil, Knapp certamente teria servido de inspiração para a criação de algum protagonista. Como o personagem título de Zelig, de Woody Allen, Knapp era um camaleão que tinha o dom de modificar a aparência para agradar os outros. Fazia isso com os clientes, fez isso com os membros do ALN e durante o tempo de exílio. No entanto, sente falta de ter incorporado o pai de família tradicional com o qual os filhos e ele próprio sempre sonharam.

Sobre o autor

Carlos H. Knapp foi considerado um dos melhores redatores de propaganda de São Paulo. Na década de 1960, chefiava a Oficina de Propaganda, uma agência de publicidade que se destacava pela criatividade. Sua vida dupla – colaborava com uma organização de luta armada contra a ditadura – foi descoberta e ele se exilou por dez anos, até poder voltar com a anistia. Quando retornou ao Brasil, “exilou-se” por mais dez anos em Brasília, trabalhando nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, primeiro na Secretaria de Comunicação Social, e depois como diretor da Radiobrás. Escritor tardio, também publicou O sumiço do mundo e Um filme americano. Minha vida de terrorista é o primeiro livro lançado pela Editora Prumo.