Não poderia ser outro a merecer esta crônica. Devoto-lhe admiração pela obra e interesse pela vida com lances pitorescos de aventuras. Vocação fantástica pelo que sempre quis ser, poeta. A relação inclui um apreciável número de amores que o tornam único. E para os quais se consumiu nos versos e nas crônicas. Ícone da sua geração, impressiona a longevidade do prestígio e a força da poesia. Vingou e perdura. Prova que o romantismo não morreu. Está vivo e permanece com o brilho que o consagrou.
Presto homenagem a Vinícius de Moraes (1913-1980), pela passagem do centenário de nascimento (19 de outubro), com todas as honras merecidas. Procurei conhecê-lo cedo, na adolescência, através dos livros que li e fiquei agradecido pelas mensagens. A esta altura da vida, não o esqueci, pela ternura que expressam os versos, forjados e saídos de um coração apaixonado. Releio-o sempre e me emociono. A idade não interfere nos sentimentos.
Poucos tiveram uma vida atribulada nessas conquistas, pela paixão sentida, o lirismo sofrido, na busca permanente de um querer eterno. Como não revelou qual deles foi o mais intenso, ficou aos abelhudos ou à posteridade identificar o segredo. Soube guardá-lo em silêncio, com sabedoria e paciência de um mestre budista ou de menino atento a um papagaio empinado em céu azul e limpo.
O melhor amigo do homem depois do cachorro
A sede de viver, incentivada pela bebida (para inspirar) e cercado de belas musas o levou a se unir a nove delas. Cada qual com uma história. A ligação com o universo feminino começou cedo. Aos sete anos de idade, bastou um toque incidental na perna de uma menina, conhecida por “Branca”, coleguinha de vizinhança, para que a família visualizasse o futuro. Um mulherengo. Pelo jeito alegre e inteligente passou a se chamar pelo reconhecimento amigo e afetivo, sem maldade, como “poetinha”, que pertenceu ao Itamaraty e fez curso em Oxford.
Amou em situação de paz e confusão, de espera e desespero, de amor e ódio causado entre as partes e interessados. Quando queria se relacionar com alguém e era correspondido não importava as consequências. Com jeito sereno e faceiro perseguia a conquista até que o amor fosse “imortal, posto que é chama e seja infinito enquanto dure”: Nomes: Beatriz (paulista viajada, de família rica e noiva, sendo a primeira e única com quem se casou de papel passado no cartório). Depois vieram: Regina, Lila, Maria Lúcia, Nelita, Christina, Gesse, Marta (argentina e poeta), Gilda, de 23 anos, e ele com 63.
Vinícius, fisicamente não tinha perfil atraente, menos de sedutor. De baixa estatura, barriga saliente, que aumentou pelo uso do uísque, considerado por ele o melhor amigo do homem depois do cachorro; óculo grosso nas lentes e nos aros, estava mais para um intelectual que para um Dom Juan. O poder de sedução estava ligado às palavras, através dos versos.
Amor e paixão
Tornava-se irresistível quando cantava e declamava, com o inseparável violão: “Eu sei que vou te amar/ Por toda a minha vida eu vou te amar/ A cada despedida eu vou te amar” (…). Com mais uma dose, dedilhava o violão e prosseguia, no mesmo ritmo e com outras palavras: “De tudo ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento”. (…) Dramático invocava a morte na prece “Se eu morrer antes de você, faça-me um favor” (…).
Vinícius pertenceu a uma fase de ouro na crônica ao escrever no Correio da Manhã e Última Hora ao lado de um Antonio Maria, Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Drummond e outros. Os temas preferidos sempre com foco no amor, mas sabia explorar assuntos ligados ao cotidiano, como: sobre um casal de namorados, sol de domingo numa praia carioca, mistérios de uma mariposa, mesa de bar, sem perder de vista, numa saborosa prosa, certos casos que o inspiravam nas ruas do Rio, cidade que tanto amou.
O centenário de nascimento de Vinícius merece homenagens pela universalidade dos temas da poesia e crônicas, sabiamente ligados ao amor e à paixão, o que fascina e alegra a vida. Os cronistas atuais não inspiram e nem sabem mexer com nossos sentimentos, salvo raras exceções.
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Sebastião Jorge é jornalista