Foi a um jornal estrangeiro que Paulo Coelho declarou boicote à Feira do Livro de Frankfurt. Em cima da hora, poucos dias antes do evento. Até então, os órgãos que o convidaram, assim como a imprensa brasileira, não estavam informados da desistência. Discordâncias com critérios de seleção, organização e, principalmente, com o atual cenário do governo brasileiro seriam os motivos da decisão. Motivos, no entanto, já bem maduros para o escritor, que poderia ter declinado o convite em março, quando divulgada a lista de autores que viriam a Frankfurt.
“Por que não irei à Feira do Livro” é o título da entrevista (ver aqui, em alemão) publicada no domingo (6/10) pelo diário alemão Die Welt, que mostra não somente seu posicionamento em relação à feira, mas também à Copa do Mundo e à política cultural:
“Eu não me sentiria bem em fazer parte de uma delegação oficial de escritores da qual grande parte desconheço, enquanto, por outro lado, outros autores profissionais do meu país não foram convidados. (…) Mas esse é apenas um dos pontos da minha crítica ao governo. Nesse momento, sinto o mesmo que muitos brasileiros. Apoiei a esquerda, depositei esperança. Mas estava cego, não queria aceitar seus erros. Agora, permaneço crítico.”
A entrevista bastou para causar alarde na imprensa brasileira que, desde então, parece não ter outro assunto. Enquanto isso, a feira está aí, com 69 autores e mais centenas de eventos paralelos de artes plásticas, música e teatro carentes de crítica. Já é tarde para discutir os critérios de seleção. Além disso, uma lista dessa natureza jamais conseguirá unanimidade. Sim, nomes de grande mérito ficaram de fora, mas outros, igualmente merecedores, estão presentes e representam com dignidade o país.
Poder da voz
Bem ou mal, justa ou injustamente, o orçamento R$ 18,9 milhões foi empregado para que o mercado editorial brasileiro fosse o centro das atenções no maior evento mundial do setor. Isso mesmo, mercado editorial. A Feira do Livro de Frankfurt é, antes de tudo, um acontecimento para negociantes que lidam com cifras gigantescas e veem no Brasil, no atual contexto planetário, um parceiro inevitável.
No momento em que a sociedade alemã se mostra aberta a influências e a um novo conceito de Brasil, é no mínimo um gesto suicida que nossa imprensa trabalhe apenas no sentido da demolição e do denuncismo. Falta jornalismo de pesquisa e investigação que dê conta de um prognóstico realista da participação em Frankfurt, que avalie a contrapartida alemã ao investimento do governo brasileiro. Falta mostrar a via de mão dupla que se forma, pois a Alemanha também quer publicar mais no Brasil. Falta saber quantos novos e (antigos) autores alemães serão traduzidos em português, como e quantos acordos de direitos autorais e publicação serão assinados. Falta também ouvir os descontentes, vários deles e não apenas um. Quais são os nomes imprescindíveis que ficaram de fora? O que pensam os grandes e pequenos editores? O que pensa o público?
Claro, Paulo Coelho não é qualquer um: vende mais do que todos os 69 juntos. Por outro lado, seria adequado ouvir o que os outros têm a dizer. A pior atitude agora seria fazer tábula rasa, focando apenas nas falhas e pontos condenáveis. O essencial desse processo, no qual a Feira do Livro é apenas uma das manifestações, ainda está ofuscado: um país de muitas vozes, de dissonâncias e também de conflitos que escapam ao poder da voz, pois se encontram em plena elaboração.
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Danielle Naves de Oliveira é jornalista e doutora em ciências da comunicação