Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A notícia cambiante

A notícia, produto principal do jornalismo, é um ser vivo cujo DNA está na pré-história das comunicações. Foi aí, quando uma informação ou novidade passou a ser comunicada a uns e outros, que começaram a se formar as células, o arcabouço da notícia, tendo como base os fatos, os mitos e os acontecimentos da vida real. Depois de passar toda a trajetória de organismo vivo num contínuo processo de mudanças para se adaptar à sociedade, ao contexto e aos suportes que lhe são oferecidos, a notícia muda mais uma vez, na tela eletrônica. Ela é, assim, ao mesmo tempo, mutável (oscilante, sujeita a mutações) e mutante (sempre em mudança).

Este livro [o trabalho inicial que deu origem a esta obra é a tese de doutorado “Mutações no jornalismo. Estudo sobre o relato noticioso no jornalismo digital”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, em agosto de 2007] procura contribuir para colocar em discussão o tema da notícia como um objeto cambiante, nesse panorama geral de mudanças na comunicação. A hipótese principal que rege esta reflexão é a de que a notícia enfrenta hoje um novo processo de mutação, e mais uma vez procura se adaptar às transformações da sociedade. Ganhando uma mídia para se exibir; espraiando-se por terrenos com som e imagem; conquistando novos públicos na rapidez dos tweets, o relato noticioso muta: pode ser mais curto, instantâneo, condensado no visor de cristal líquido do celular. Mas ainda é notícia, no sentido de informação transmitida, ainda conserva o DNA original.

Lévy (1999: 35) defende que hoje a humanidade vive uma “mutação técnica, econômica, cultural e antropológica de grande alcance”, comparável à invenção da escrita e da imprensa, porém muito mais rápida. Ao mudar a forma de comunicação entre as pessoas, por meio dos computadores, muda-se também todo o sistema de comunicação da sociedade. Assim, o autor observava que, no espaço cibernético, ocorre uma modificação das relações sociais.

“Seria o equivalente a uma mudança genética”, comparou, lembrando que, para o ser humano, o equivalente às mudanças nos genes “seriam as transformações culturais”. Lévy antecipou a emergência do que qualificou como “inteligência coletiva”, onde hipertextos, multimídia interativa, simulações, mundos virtuais, dispositivos de telepresença fazem com que as mídias convencionais entrem “em hibridação com o espaço cibernético”.

A notícia é um dos elementos da transformação cultural que está ocorrendo. Sua nova roupagem é dada pelos sistemas de hipermídia. O hipertexto, sistema de interligação de informações, vem em primeiro plano como ferramenta importante para a adequação da notícia ao espaço virtual. Com Vannevar Bush, passando por George Landow, Roland Barthes, Díaz Noci e finalmente Levy, creio que, por meio do hipertexto, nos aproximamos mais das estruturas do pensamento humano, que não é unicamente verbal e, sim, dotado de complexas formas de relacionar as idéias. Esse ferramental inovador, de motores de busca a páginas interligadas, de infográficos a blogs, fóruns e enquetes, está nas páginas dos sites jornalísticos de todo o mundo, onde o “paradigma digital” (Breton e Proulx, 2002: 99-101) influencia o modo de construção da informação.

Um paradigma é um modelo teórico útil para a ciência. Grof (1987: 8), diz que o paradigma configura o mundo e exerce influência direta sobre o indivíduo e a sociedade. Quando muda um paradigma, “essa mudança radical de percepção pode ser comparada a um transporte súbito para outro planeta”. O digital tem como base a eletrônica e complexas operações de cálculo matemático que se estendem até o tratamento da informação. Isso significa fazer da informação uma entidade calculável.

Entretanto, o paradigma digital não pode ficar somente nos fenômenos da eletrônica, pois participa de um sistema de valores em que as representações sociais se dão em torno da informação e da comunicação. O argumento da eficácia da eletrônica é insuficiente para explicar a organização da sociedade da informação, o funcionamento dos sistemas que servem ao mundo e obedecem a uma coerência e a uma ordem universais, nem é capaz de mover-se sozinho pelas redes econômicas e sociais que o alimentam.

Processo dinâmico

O metamodelo digital trabalha com dígitos, bits, componentes do sistema binário. Também conhecido como processo de digitalização, depende do suporte eletrônico e de metodologias de cálculo lógico, como a álgebra de Boole e os algoritmos de Turing. As tangentes do paradigma digital e do paradigma de construção das notícias encontram-se, numa metáfora da digitalização, no espaço de apresentação de páginas com conteúdo noticioso na internet.

Uma página na internet não é igual à página de um jornal ou de um livro; seria mais apropriado chamá-la tela na internet, retângulo eletrônico iluminado artificialmente, se não tivesse assumido desde os primeiros tempos o apelido de página, com a pretensão de assemelhar-se a um espaço periódico. A informação digitalizada tomou a forma pela qual a notícia é mais conhecida e adotou, de início, a hierarquização em importância que o jornalismo impôs como padrão. Os dois paradigmas – o digital e o jornalístico – se tangenciam, embora, a partir desses metamodelos, surjam outros gêneros, estilos e formatos.

No que se refere ao produtor de notícias – tradicionalmente um jornalista –, a adoção do hipertexto, a disseminação das tecnologias de busca e a expansão da comunicação interpessoal pelos blogs, o correio eletrônico, as mensagens instantâneas e as redes sociais revolucionam o conceito de autoria a que ele está acostumado. A própria existência do jornalista como profissional (e com isso a ética e o valor da atividade) é questionada, não só por outros profissionais da escrita, como pelo público-leitor.

A hipótese da mutação da notícia é o núcleo de uma série de conhecimentos parciais que temos acerca das mudanças no relato noticioso. Desde quando as notícias eram passadas por via oral entre os homens e as mulheres das tribos pré-históricas, às informações proclamadas pelo arauto; das comunicações por fumaça, pelo som dos tambores ou por sinos às cartas de notícias que iam em lombo de burro; das hospedarias, nas estradas, onde funcionaram as primeiras redações aos primeiros experimentos com os tipos móveis de Gutenberg; da forma do jornal até o divórcio entre notícia e comentário, muitas etapas atravessaram o trabalho e o relato dos rapportisti, os primeiros repórteres.

Defende-se aqui a aproximação do conceito da Genética ao estudo do jornalismo, especificamente ao estudo das notícias, esses produtos tão identificados com a própria existência dos seres humanos que assimilaram deles as características de vida e adaptabilidade ao meio ambiente. Em Biologia, mutação é uma modificação na informação genética que altera as características dos indivíduos. A Genética é a ciência da hereditariedade. Nela se pergunta, por exemplo: qual a natureza do material genético transmitido aos descendentes? Como o material genético é transmitido de uma geração a outra? Que processo garante a expressão das características entre os seres?

O termo mutação vem sendo usado em vários campos, entre eles o jornalismo, como sinônimo de mudança, transformação, alteração ou transformação. A hipótese da mutação pretende unificar o uso desse vocábulo no jornalismo e compreender:

a) de que maneira a organização do trabalho jornalístico está sendo afetada. Na Biologia, corresponderia a averiguar a natureza do material genético transmitido;

b) como a cultura profissional dos jornalistas se modifica ou, em linguagem genética, de que maneira ocorre o processo entre as gerações;

c) quais são as alterações na própria estrutura do produto oferecido ao público, ou como se dá a transmissão das características noticiosas.

Tudo isso em função da tecnologia mais recente, que é o uso da internet. O referencial teórico é o construcionismo, corrente que estuda as notícias como um processo de construção, pelo jornalista, com dados da realidade. Identificam-se os pontos de mutação no passado para mostrar que o processo de evolução das notícias obedece a uma “seleção natural”, assim como Darwin (Curitiba: Hemus, 2000: 84) apontou em A origem das espécies.

O fato de se perceber que a notícia muda ou muta não é um paradigma perfeito e estável. No artigo “Três faces do jornalismo oral”, Zita de Andrade Lima (1966: 39-42) lembra que as notícias mais palpitantes na história da humanidade – como a do domínio do fogo ou a invenção da roda – circularam nos primórdios e, muitos milênios depois, as informações não se perderam. Ao contrário, a notícia divulgada foi capaz de deflagrar um processo de evolução e aperfeiçoamento na vida humana, em que a própria descoberta foi se adequando ao meio. Ao jornalismo oral sucedeu-se o jornalismo impresso, que se desenvolveu no jornalismo televisivo e radiofônico e chegou ao jornalismo digital mantendo algumas das características e mudando outras de maneira peremptória.

Na hipótese de mutação, a notícia é o resultado concreto de uma série de intervenções mutacionais sobre o produto do jornalismo, que acabaram transformando-o em um objeto bem diferente daquele dos primeiros tempos da humanidade. Só compreendemos as notícias se as acompanhamos e as integramos em um contexto social. É possível demarcar possíveis sinais de mutação, embora não sejamos capazes de assegurar de que maneira isso ocorreu ao longo da história ou a extensão das repercussões à época.

Os argumentos que explicam essa hipótese se desenvolvem, então, em duas linhas paralelas: uma linha sócio-histórica – a notícia vem mudando em função dos tipos de sociedade; e uma linha tecnológica – a notícia enfrenta sua mutação mais intensa com o advento da internet.

Jorques Jimenez (apud Díaz Noci, [2001]: 90) aponta que “o texto informativo é um pequeno circuito psicológico” e se transforma, com a nova tecnologia da informação, num roteiro com cenas visuais e texto, que permitem seguir o relato. Enquanto o tradicional texto impresso é confinado em duas dimensões, o hipertexto tem dimensões, uma vez que se desdobra em vínculos. O texto da notícia deixa de ser unitário para assumir outras maneiras de apresentação, que incluem o uso de imagens e sons, além de programas que permitem, por exemplo, fazer uma seleção por interesse, propiciando ao leitor a oportunidade de publicar, editar, interagir. As mudanças na notícia não acontecem sem transformações no processo cognitivo: muda quem faz (os jornalistas), muda o que é feito (o conteúdo da notícia, ou seja, o conhecimento) e muda quem consome (os leitores).

As notícias são consequência do processo de percepção, seleção e transformação da matéria-prima derivada da realidade. Produtos incorporados ao cotidiano das pessoas em todo o mundo, revelam as transformações que a sociedade vem sofrendo e são, eles próprios, frutos dessas. Acredito que a investigação sobre as formas de apresentação da notícia e os tipos de texto jornalístico que estão povoando o espaço cibernético pode ter relevância para a teoria da comunicação, do jornalismo e da sociedade, uma vez que procura identificar os modelos e fórmulas produzidos, os quais devem atender a um perfil de leitor/ usuário/ consumidor também mutante. Em resumo, a pergunta é: como a notícia mudou ao longo dos séculos de história até alcançar o modelo digital?

Darwin (2000: 84) deu o nome de seleção natural ou persistência do mais capaz à manutenção das variações individuais favoráveis e à eliminação das variações nocivas. Por meio desse processo altamente dinâmico, as características mutagênicas – mutação dos genes – mais adequadas aos seres vivos afirmam-se, entram em simbiose ou se reciclam. Podemos observar que, na história da notícia, parece haver ciclos como os de seleção e de eliminação, gerando novas fórmulas para aplicação do produto no meio social. A esse ciclo de mudanças que incide sobre a notícia chamamos mutação.

Rotinas produtivas

A mutação no jornalismo seria um fenômeno provocado por agentes humanos, resultado de experimentações ou necessidades sociais. Requer um elemento de explosão para se manifestar. Acontece de maneira súbita; contudo, deriva de experimentos e desenvolvimentos anteriores. Ocasiona mudanças no modo de produção, no sistema de valores, bem como na representação social do produto jornalístico, a notícia. A mutação não é uma mudança no DNA da informação. O DNA da notícia são os fatos e o modo de colhê-los, processá-los, apresentá-los é o que muda. A mutação, nesse caso, representa um conjunto de alterações que se expressa em determinado momento e alcança uma escala que lhe dá visibilidade pública. São premissas:

1) todas as células usam o ácido desoxiribonucléico (DNA) como material genético;

2) as primeiras células datam de 3,5 bilhões de anos. Não existem registros fósseis das primeiras células, assim como não existem registros das primeiras notícias da história da humanidade;

3) os desenhos nas cavernas, estampando fatos da vida primitiva, talvez sejam as primeiras informações que os seres humanos tiveram a preocupação em anotar e divulgar.

A mutação do relato noticioso causa alterações em um espectro amplo que vai da produção em si ao formato, do suporte à transmissão, do discurso à prática cotidiana do jornalismo nas redações. A mutação no jornalismo é um fenômeno que marca a história, transforma o ambiente social, introduz novos conceitos e é passível de quebrar paradigmas. A observação empírica que alicerça este trabalho foi feita em dois portais noticiosos: o Universo On Line (UOL), sítio do grupo Folha; e o Clarín de Buenos Aires (Argentina). Além de coleta de páginas eletrônicas, a pesquisa abrangeu entrevistas com profissionais e uma parte de etnometodologia no ambiente redacional desses dois veículos.

Ao vincular este estudo sobre o jornalismo ao referencial teórico das notícias como construção – o construcionismo ou newsmaking –, abrem-se três vertentes: as rotinas e o modo de produção; a cultura profissional e os jornalistas em seu local de trabalho; e o produto jornalístico – as notícias. Trata-se aqui de tentar ver esse tríduo na tela eletrônica, ou seja, como os modos de produzir a notícia foram afetados pela tecnologia da internet. Desde já, registram-se os diversos fatores que contribuem para essa construção: valores-notícia, ferramentas tecnológicas, logística da produção jornalística, orçamento das redações, legislação de imprensa, formas de apresentação dos acontecimentos.

Estudando o fenômeno da agenda setting, Wolf (2003: 145) observou que os meios de comunicação não oferecem ao público apenas notícias. Eles também fornecem as molduras e as categorias em que as pessoas podem enquadrar os acontecimentos, para que eles sejam facilmente compreendidos. É interessar salientar que, quando se fala na Sociedade da Informação (Castells, 2000: 497, 501), na mediação simbólica dos meios de comunicação, na aldeia global formada pela mídia ou no mundo capitalista pós-moderno, uma parte desse cenário encontra-se composto pela forma de transmitir conhecimento por meio de notícias.

A hierarquização de temas da agenda diária, pelas pessoas, é em tudo semelhante aos assuntos propostos pela mídia. A maneira como a imprensa mostra e descreve os problemas – sob a forma de notícias – tem a ver com o modo como o público recebe essas informações, o jeito de ler e absorver dados, o que pode ser enquadrado no referencial teórico do agenda setting ou teoria do agendamento.

O texto jornalístico nas sociedades ocidentais, que preconizava a utilização de uma fórmula – a pirâmide invertida e sua representação no rádio, jornal, revista e TV –, é colocado em questão no novo suporte digital. Discute-se se a pirâmide manterá a hegemonia; se os jornalistas continuarão a selecionar os acontecimentos; se manterão páginas com ordem decrescente de importância dos assuntos; se serão eles que apresentarão as primeiras notícias aos leitores, por que meio for. Pergunta-se como estão se transformando os recursos de linguagem disponíveis e em que momentos se pode detectar as mudanças.

Partindo de dois argumentos paralelos relacionados à trajetória das notícias na sociedade – os argumentos sócio-histórico e tecnológico –, este livro se compõe de três partes. A Parte I (Para entender a rede) se inicia com um capítulo genérico – Conceitos, onde se abordam as definições que facilitam a compreensão dos assuntos a seguir, relacionados ao tema principal do trabalho, a hipótese de mutação na notícia. Em seguida, há um capítulo sobre o hipertexto (2), base tecnológica do jornalismo na internet.

Na Parte II – Para entender a mutação, o primeiro capítulo trata dos gêneros textuais, dentre os quais se situa o relato noticioso, vindo depois os capítulos Mutação na Notícia (4) e Mutação na História (5), que mostram como as comunicações e a própria notícia refletiram as mudanças efetivadas ao longo do tempo, no mundo e no Brasil.

A Parte III – Como analisar a mutação – testa a hipótese de mutação da notícia em dois sítios: o brasileiro UOL e o argentino Clarín (6). Já o capítulo 7 examina as rotinas produtivas nas redações digitais desses veículos e conta um dia de trabalho no interior delas. O capítulo 8 mostra a aplicação do método de análise de conteúdo a material recolhido nos dois portais e avança em direção a uma tipologia das notícias no jornalismo digital. Em Reflexões e conclusões retomam-se os argumentos iniciais.

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Notícia e História

Capítulo 4 deMutação no jornalismo. Como a notícia chega à internet, de Thaïs de Mendonça Jorge, 274 pp., Editora Universidade de Brasília, 2013

O jornalismo é uma atividade intelectual de produção de conhecimento. Seu objetivo é fornecer informações atualizadas à sociedade, sob a forma de notícias. O jornalismo é possuidor, representante de determinado gênero de discurso, expresso por meio de narrativas que têm a notícia como modelo ou unidade básica de construção de significados. A notícia é a “metonímia do jornalismo” (Ponte, 2005: 16). Onde se lê notícia, leia-se jornalismo. Do ponto de vista prático, a notícia é um relato, um texto elaborado com a intenção de comunicar e transmitir informações organizadas, e que podem se adaptar aos vários veículos – rádio, jornal, TV e ao meio digital.

De epistemologia recente, o jornalismo vem sendo estudado com frequência. As teorias que procuram abrangê-lo colocam as questões num enfoque histórico-social, apontando os aspectos filosóficos envolvidos e fazendo, ao mesmo tempo, uma reflexão ontológica sobre o desenvolvimento da atividade. Muitos pesquisadores negam à Comunicação e ao Jornalismo um lugar entre as ciências afirmando, com base em pressupostos das ciências exatas, que a Comunicação não teria uma teoria, apenas um método.

No entanto, Comunicação e Jornalismo são objeto de estudo pelo menos desde o século XVII, e reuniram um acervo de pesquisas que tenta compreender o modo como essas ciências atuam na sociedade. Ao analisar aqui a notícia, debate-se a matéria-prima – os fatos e a significância deles – e o sistema de apuração, seleção, processamento e hierarquização da informação. O sistema está ancorado, além dos valores ético-profissionais, em valores-notícia. Também chamados critérios de qualidade dos acontecimentos, critérios de noticiabilidade ou fatores de interesse da notícia, nada mais são que guias para a construção jornalística e, por isso, formam um mapa cultural dos interesses da imprensa ao longo dos tempos.

O estudo da notícia integra a área de pesquisa em Comunicação que se debruça sobre os processos de feitura de notícias ou newsmaking e pode ser compreendido no tríptico já mencionado: a cultura profissional dos jornalistas, a organização do trabalho dos jornalistas e os processos de produção (Wolf, 2003). Utilizando as ferramentas teóricas do newsmaking ou construcionismo é possível empreender uma análise sociológica da produção de notícias e verificar como se dá a difusão das mensagens via meios de comunicação.Na teoria do newsmakingé preciso ter alguns cuidados:

a) o jornalismo não é o espelho do real. É, sim, uma construção a partir de dados da realidade;

b) no trabalho de elaboração de enunciados os jornalistas produzem notícias, que são, na verdade, uma espécie de discurso a partir de operações e pressões sociais. “Assim, a imprensa não reflete a realidade, mas ajuda a construí-la”, sintetiza Felipe Pena (2005: 128-130);

c) diante da imprevisibilidade dos acontecimentos, da superabundância de dados e da avalanche de fatos da vida real, as empresas jornalísticas e os jornalistas tentam colocar ordem no tempo e no espaço, fazendo previsões, cronogramas, pautas, ou seja, esforçando-se por organizar e unificar o processo produtivo. A teoria do newsmaking se ocupa dessas práticas.

O que é a notícia e qual o seu papel no mundo contemporâneo? De que maneira a notícia evoluiu, não só como produto da atividade jornalística, mas também como um objeto que acompanha a necessidade do ser humano de se manter sintonizado com os acontecimentos? Expressão das sociedades letradas, a origem da notícia está ligada à ascensão da burguesia e à invenção da moeda. Hoje adquire formas imateriais no mundo da informação. Para Jorge Pedro Sousa (2000a: 28), a notícia traz em si as marcas do processo de fabrico, uma vez que só é notícia o que for “perspectivado como tal no seio da cultura profissional dos jornalistas e da cultura própria do meio social envolvente” ou, em outras palavras, só é notícia o que puder ser reconhecido e elaborado de forma rápida dentro de um processo produtivo.

A notícia exerce um papel simbólico na sociedade, que é justamente o que ajuda na construção de sentidos, pelas pessoas, da realidade vigente. Como isso funciona? O que a notícia representa na sociedade? “São as notícias que tornam o complexo e desordenado mundo no qual vivemos menos caótico para cada um de nós”, são elas que nos ajudam “a selecionar, priorizar, organizar, compreender e ordenar os acontecimentos de nossa realidade imediata”, explica Luiz Gonzaga Motta (2005: 8-15):

Lemos, ouvimos e vemos as notícias diariamente porque elas orientam primordialmente a nossa vida prática, os nossos comportamentos, as nossas preferências, os nossos gostos, as nossas decisões de todo tipo. As notícias são, assim, experiências diárias de conhecimento prático primordial e essencial para os indivíduos nas sociedades contemporâneas.

Todo jornalista exerce influência sobre os conteúdos que veicula – ele é o gate keeper, o guardião do portão das notícias. Sousa (2000a) observou que os jornalistas que se consideram neutros encaram o próprio papel como coletores de fatos ou canais de informação; vêem-se como aqueles que recolhem, produzem notícias e as divulgam para um público vasto, conferindo antes os fatos apurados. Já os jornalistas que se consideram participantes defendem a posição do profissional como um cão de guarda ativo.

Dessa maneira, os óculos que os jornalistas usam para enxergar (Bourdieu), filtrar e selecionar a realidade interferem no conteúdo. Os neutros procurarão trabalhar num veículo que esteja de acordo com a posição que defendem, mais próxima do gênero chamado informativo; e os participantes buscarão onde possam ser úteis à sociedade, aproximando-se do que é hoje chamado de jornalismo público ou cívico.

As notícias são também fruto da história. Avanços nos processos de transmissão trouxeram novas formas de noticiar. O telégrafo, por exemplo, teria provocado a eclosão do formato da pirâmide invertida e conferido dimensão ao valor-notícia Atualidade. Antes das linhas telegráficas, as notícias demoravam dias ou semanas para ir de um lugar a outro. Outros fatores são igualmente históricos e ajudaram a notícia a se afirmar na sociedade:

Urbanização e organização territorial das cidades – provocaram a concentração de consumidores, a conscientização dos leitores e a demanda por informação;

Elevação dos níveis de alfabetização – facilitou a disseminação da informação;

Surgimento da propaganda – propiciou uma nova forma de financiamento às empresas jornalísticas, que se desligaram dos partidos políticos dos quais dependiam, gerando outros produtos e formatos da comunicação.

Man (2004: 11) assinala quatro pontos principais no gráfico da comunicação humana nos últimos 5.000 anos: a invenção da escrita, a invenção do alfabeto, o desenvolvimento dos tipos móveis e o advento da internet. Não faltarão autores para apontar outros turning points na história da humanidade. Tratando dos episódios que se ligam diretamente à notícia, pode-se indagar de que maneira a notícia, esse “bem de uso universal” (Lage, 2000: 16), evoluiu, instituindo uma nova profissão: o jornalismo.

O que se quer saber, aqui, é de que maneira o relato noticioso se desenvolveu a partir das primeiras publicações e terminou agregando valores de atualidade, periodicidade e compromisso com a cidadania – além da objetividade, imparcialidade e neutralidade. Esses marcos na trajetória da notícia são vistos, na hipótese deste trabalho, como possíveis pontos de mutação: momentos, sinais ou balizas de uma situação de ruptura, capaz de causar uma alteração considerável no produto, como se verá.

A significação da Acta

O primeiro registro sobre a existência de um produto noticioso – com as características de regularidade, circulação pública e atualidade – são os tipao (202 a.C), relatórios periódicos, distribuídos entre os oficiais chineses da dinastia Han (Newton, 1997: 1-35). Depois, vem a iniciativa de Júlio César (59 a.C.), a Acta Diurna Populi Romani, que poderia representar um primeiro ponto de mutação na história da notícia no mundo ocidental, pois foi responsável pela criação de alguns conceitos:

1)Atualidade: de Acta, o relato sobre o quotidiano dos senadores devia ser atual e relevante. As placas feitas de pedra, cera ou pergaminho (album) passaram a ser redigidas diariamente (diurna), dando origem ao conceito de diurnale¸ do italiano giornale, oujornal. Vem daí a ligação do jornalismo com o dia.

2)Cidadania: o interesse pela política e pelas decisões relativas à vida do povo romano (populi romani) e, por extensão, à vida das cidades, reunia a população em torno das notícias, lidas em voz alta dos murais em pedra, já que a alfabetização era parca. As pessoas começavam a ter uma idéia da importância do fluxo de informações para o dia-a-dia (Jorge, 2004). A divisão social em Roma, porém, não conferia direitos iguais a plebeus e a patrícios (os senadores são os patris – os pais da comunidade). Só em 212 d.C. a cidadania foi concedida a todos os homens livres das províncias romanas.

3)Jornalismo: estabeleceu-se o jornalismo oficial com os actuarii, os profissionais que redigiam as notícias para a acta. A Acta continha os atos e deliberações imperiais, relatos de vitórias militares, dados administrativos e o expediente no Senado romano, podendo ser vista como uma antepassada dos diários oficiais.

4)Periodicidade: as tábuas chegaram a ter regularidade. Durante os séculos que se seguiram, esse tipo de comunicação se transformou num verdadeiro jornal.

5) Espaço público: O Album (conjunto de tábuas em pedra branca) era afixado nos muros do Fórum Romano, esse complexo de áreas livres, prédios de governo, templos e lojas, onde circulavam senadores, sacerdotes, homens de negócio, vendedores e plebeus. O imperador Júlio César determinou que as informações fossem publicadas, isto é deixadas ao conhecimento público.

A Acta assinala uma mutação na notícia, pelas seguintes razões:

a) a notícia se estenderia para além da palavra falada, seria propagada por meio de um suporte físico, o Album onde eram esculpidos os textos;

2) pela primeira vez seu fornecimento teria regularidade e gozaria de credibilidade, dando uma forma de organização ao produto noticioso. A Acta chegou a ser distribuída em outras províncias fora de Roma.

Na Tabela 2é possívelacompanhar os episódios iniciais da história da notícia impressa com o advento do primeiro prelo mecanizado. Nessa tabela, encaram-se os episódios como pontos de mutação na trajetória do modelo de notícia que se tem hoje. Vale observar:

>> os livros de notícias ingleses, no século XV, são manuscritos e circulam mais ou menos na época em que…

>> um comerciante de Mainz (Mogúncia, região do rio Reno, na Alemanha), Johannes Gutenberg, luta para criar tipos móveis para impressão, por volta da metade do século XV…

>>newsbooks narram guerras, crimes, a movimentação na Corte, a chegada de reis, príncipes, eclesiásticos. As primeiras notícias divulgadas pelos newsbooks se regem pelos mesmos valores-notícia que tornam o relato interessante ainda hoje – disputa, mistério, morte, notoriedade e religião…

>> Mercúrio, o mensageiro dos deuses, torna-se sinônimo de comunicação.

Se, no século XVII, proliferam as “relações de novidades” ou “relações de notícias” (Sousa, 2004: 31-47), os conceitos de interesse e atualidade já estavam presentes nos relatos, conformando as primeiras características do ser vivo notícia.

 

Tabela 2 – Pontos de mutação pós-Gutenberg

Data

Local

Pontos de mutação

1470

Inglaterra

Livros de notícias (newsbooks)

1534

México

Primeira tipografia das Américas imprime hojas volantes

1549

Inglaterra

A palavra Newes aparece pela primeira vez na publicação Newes concernynge the Councell holden at Trudent

1587

Itália

Acusado de ser chefe de um grupo de menanti, Annibale Capello é condenado à forca

1588

Alemanha

Distribui-se nas feiras uma publicação com o resumo dos acontecimentos mais importantes do ano

1594/

1600

 

Alemanha

França

Portugal

Surgem o Mercurius gallo-belgicus, o Mercure Galant, o Mercúrio Portuguez e outros mercúrios

1609

Alemanha

Primeiros periódicos: Avisa (Avisos) eRelation (relação ou lista)

Fonte: Jorge, 2004

As notícias sobre o Brasil e as notícias no Brasil tardaram a se difundir, retardando a expansão dos relatos no território nacional. O navegador italiano Américo Vespúcio fez, entre 1494 e 1506, três viagens ao continente que seria batizado como América, em sua homenagem. Escreveu cartas e relatórios aos patrocinadores, Dom Manuel e Lourenço de Médici, e os escritos foram divulgados pelo mundo.

A primeira notícia sobre o Brasil foi publicada em Portugal, em 1504, num veículo intitulado Mundus Novus. Era uma carta de Vespúcio contando a viagem que fez em 1501 e registrou, de acordo com Rizzini (1988: 147-148), “um sucesso de livraria”. Sem a preocupação com direitos de autor – ou antecipando o que são hoje as licenças Creative Commons [Creative Commons: em tradução livre, Criativos Comuns ou Comunidade de Criativos. Oferece outros tipos de licença para publicação que não os direitos de autor clássicos e admite o compartilhamento de informações para, por exemplo, criar uma nova música, vídeo ou texto] – essas cartas foram reproduzidas na Itália, França e Alemanha, chegando a haver 41 edições, na maioria apócrifas. A carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500, dando ciência ao rei de Portugal da descoberta das novas terras ficou guardada na Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773. A primeira publicação só ocorreu em 1817.

Em 1535, os espanhóis enviaram uma máquina impressora ao México, onde foi montada a primeira tipografia das Américas e se imprimiram as hojas volantes (folhas volantes). Os espanhóis também foram pioneiros no fabrico do papel, no mundo ocidental: instalaram na Europa um moinho de papel, em 1056, com tecnologia árabe. Porém, apenas em 1722 seria publicado o primeiro jornal da América do Sul, o Diario de Lima, no Peru. A imprensa chegou ao Hemisfério Sul, mas demorou a aportar em terras brasileiras.

Por essa época, no mundo, ainda não havia a designação repórter, que somente surgiria, como figura e profissão, no século XIX. Michael Palmer (apud Adghirni, 2005) nota que o termo journaliste (jornalista) surgiu em 1703 no semanário Journal de Trévoux. A palavra jornalista podia até ter conotação positiva, distinguindo-se do “gazeteiro” (gazzettanti, em italiano), redator das várias gazetas que circulavam com notícias sensacionalistas.

“Até o século XVIII, contam Albert e Terrou (1990: 11), os mercadores de notícias eram personagens desprezados, enquanto o jornalismo era considerado “subliteratura desprovida de valor e prestígio”. Na Itália, designavam-se os profissionais por outros termos depreciativos: avvisisti, rapportisti. Em 1587, preso por ordem do papa Sixto V como cabeça de um grupo de menanti (os leva-e-traz, talvez os primeiros repórteres), Annibale Capello foi condenado, teve uma mão decepada, a língua arrancada, antes de ser enforcado com um letreiro que o chamava de falsário e caluniador. A afirmação do jornalista pode não ter começado aí. Contudo, o fato marcou a profissão.

Na época, a maioria da população do mundo não sabia ler. A leitura se restringia a um privilégio da classe abastada e dos religiosos. Para saber das notícias, os cidadãos comuns assistiam a peças musicadas, cantilenas – poemas líricos e com narrativas atualizadas, baseadas em histórias reais e fantasias. A publicação que o impressor estabelecido em Colônia (Alemanha), Miche von Eyzingen, distribuiu em 1588 pode ser considerada uma das precursoras do moderno jornalismo. Logo, o veículo passou a ser semestral, coincidindo com a Feira de Frankfurt e em seguida, semanal. A razão para isso foi a periodicidade dos serviços de correio.

Os correios haviam sido instituídos no império romano e, incentivados na França pelo rei Luís XI, já tinham o componente de velocidade que hoje move as páginas na rede mundial dos computadores: o monarca queria “saber com mais rapidez e conhecer mais facilmente o que se passava em qualquer que fosse das províncias de seu império”. Os postos de mudança de cavalos, as estalagens e tabernas convertiam-se em núcleos de informação: instalavam-se as primeiras redações.

A imprensa periódica, com regularidade na apresentação dos produtos, surgiu na Alemanha, em 1609, com Avisa (Avisos), publicado emWolfenbüttel, eRelation (relação ou lista), lançado em Estrasburgo. Relation foi um semanário de quatro páginas, subvencionado pelos banqueiros alemães. Os veículos já traziam acontecimentos narrados por correspondentes de vários pontos do mundo, apesar de a figura do enviado especial só vir a ser reconhecida em meados do século XIX.

Novas, news, novellae, nouvelles

Considerado “progenitor da Teoria do Jornalismo” por muitos estudiosos, o alemão que defendeu a primeira tese sobre jornalismo na Universidade de Leipzig (Alemanha) em 1690, Tobias Peucer (2004: 11-30), discutia o conceito de notícia quando declarava: “É sabido por todos que novellae tem a mesma acepção de Novos Periódicos”, e que o Glossarium ad scriptores mediae et infimae latinitatis, o Glossário para escritores latinos, dava a palavra novellae com o sentido de “nova comunicação”, tal como aparecia nos relatórios dos concílios religiosos. De fato, a palavra Newes irrompeu na Inglaterra, com a grafia antiga (com um e depois do w) e como sinônimo de “novas” ou “novidades”, na publicação Newes concernynge the Councell holden at Trudent (Novas concernentes ao concílio realizado em Trento), em 1549.

Newes referia-se especificamente às narrativas vindas do estrangeiro. Depois, segundo Peucer, “os monges começaram a empregar o termo ‘notícia’ e a palavra nouvelle passou a ser de uso corrente entre os franceses. No francês nouvelle e no inglês news, esses dois termos são empregados como sinônimos para o que é novo e para notícia, o que termina reforçando um dos principais valores da informação jornalística, o sentido de atualidade. No português, o termo notícia deriva diretamente do latim notitia, com a mesma raiz em notio, conhecimento; a apropriação pelo jornalismo se deu em conjunção com os significados de novo e novidade.

Em 1622, na Inglaterra, o primeiro número de A Current of General Newes é considerado um marco no jornalismo, dentro das características de periodicidade e atualidade: era um semanário dedicado a notícias da Itália, Alemanha, Hungria, França e Países Baixos. A imprensa regular francesa nasceu em 1631 a partir de folhas com ofertas de empregos, o Bureau d´Adresses et de Rencontre, que deu origem aos anúncios classificados contemporâneos. Seu redator, o médico e jornalista Théophraste Renaudot, faria, mais tarde, uma publicação exitosa, a Gazette de France.

O conselheiro do Parlamento francês Denis de Sallo idealizou, em 1665, uma folha destinada à vida intelectual: o Journal des Sçavants (Jornal dos Sábios) para noticiar “ce qui se passe de nouveau dans la République des Lettres” (o que se passa de novo na república das letras) faz sucesso e critica o poder real. Seria a primeira vez que se usava a palavra Journal, definido como “relação dos acontecimentos dia a dia”. No entanto, a liberdade de crítica do fundador não agradou à Corte. O ministro da Economia de Luís XIV, Jean-Baptiste Colbert, tomou as rédeas, substituiu De Sallo pelo abade Gallois e passou a controlar a publicação (Jeanneney, 2001: 34).

O primeiro diário em língua inglesa, Daily Courant, de 1702, estabeleceu mais um ponto de mutação no jornalismo. Pela primeira vez se lavrou a diferença entre notícia e comentário, expressa no slogan adotado pelo periódico: “Only news, no comments” (Só notícias, nenhum comentário). Esse episódio teria passado em branco durante pelo menos um século, posto que só por volta de 1850 a atividade jornalística passou a ser reconhecida.

A imprensa como instituição mesmo só surgiu um século e meio depois de Gutenberg, após 1600. Alguns episódios ajudam a definir a notícia como produto social. Muitos dos fatos, embora gravados na história do jornalismo, são apenas pálidos indícios de que há ali uma mudança. Outros não provocaram nenhuma comoção e os resultados só vieram a se afirmar anos mais tarde. Pode-se, porém, identificar nesta trajetória, mais alguns pontos de mutação.

1. Nomeação – As atividades e os produtos são definidos e nomeados: a gazeta tem origem em Veneza, cidade em que, no final do século XV, os impressores passam a editar, sob a forma de cadernos com quatro, oito ou 16 páginas, as folhas de notícias. A folha que vale a menor unidade da moeda veneziana – uma gazzetta – acaba se tornando sinônimo de jornal. É também a época dos pasquins, que relatam fatos sobrenaturais, crimes e acontecimentos extraordinários. O mais antigo pasquim é de 1529, na França.

2. Fim da censura – O término da censura na Inglaterra (fim do século XVII) e a extinção da escravidão contribuem para que novos ventos varram o planeta, levando à necessidade de informação, em contraposição à nascente propaganda. Os jornais do século XVIII tornam-se vitais para o desenvolvimento das sociedades, para a integração das pessoas nas comunidades e para fins comerciais. Apesar de tudo, pelo menos até 1765, nos Estados Unidos e na Europa, o jornalismo ainda tem fortes traços partidários: os escritos são ensaios e cartas, nada de “reporting” (Schudson, 1999: 43-45). A imprensa é opinativa e publicista, ou seja, defende causas.

3. Vida na metrópole – Os veículos do século XIX exercem papel-chave na vida urbana, quando as cidades deixam de ser apenas walking cities e se tornam metrópoles modernas, com lojas de departamentos e painéis de publicidade. O processo de modernização também significa uma aceitação das mudanças como parte da vida diária. Segundo Schudson (1999: 72-73), “a mutação (da vida, das coisas, dos objetos à volta) está prestes a ser incorporada pelas pessoas” e os jornais participam desse processo de acomodação e “naturalização” das transformações, incluindo a difusão de perspectivas regionais, nacionais e internacionais, ao invés de apenas informações “paroquiais e locais”.

Afirmação do jornalista

O termo repórter já era usado pela imprensa americana e inglesa em meados do século XIX. Em 1820, nos EUA, desenvolvidos e estruturados comercialmente, os diários contratavam repórteres para ir atrás das notícias, competindo pela melhor cobertura. Na Inglaterra, na década de 1830, repórteres foram chamados para cobrir o Parlamento, enquanto os penny papers (a folha de um penny) americanos enviavam jornalistas para acompanhar os trabalhos da polícia e as sessões nos tribunais. Os jornais impressos começavam a diferenciar-se dos veículos mantidos por agremiações partidárias.

Em 1833, nos Estados Unidos, Benjamin H. Day propôs, no New York Sun, um jornalismo imparcial: desvinculou-se dos partidos políticos, deu prioridade às notícias de crimes, mandou cobrir os processos. Eis um ponto de mutação, marco na questão da objetividade e dos caminhos de comercialização da notícia: o produto final era econômico, vendido em números avulsos, e as despesas de edição eram complementadas pelas assinaturas. O dono do Sun foi também pioneiro na invenção do formato standard, cujo tamanho seria o dobro do antigo tablóide. Agora, com a pressão da internet, o tablóide volta, renovado e revalorizado. Na época, entretanto, o objetivo do jornalão era faturar mais com anúncios.

Samuel Morse pode ter sido um dos primeiros a se referir ao repórter, em maio de 1844: “Peçam a um repórter para enviar um despacho ao Baltimore Patriot às duas horas da tarde”. Ele queria testar a linha telegráfica entre Washington e Baltimore, nos Estados Unidos, que acabava de inaugurar. Nos anos 1840, o jornal New York Herald tinha correspondentes em várias cidades da Europa. Nas últimas décadas desse século, os jornais franceses admitiam pessoas para buscar notícias, utilizando o termo “repórter” para “esta nova raça de jornalistas” (Chalaby, apud Traquina, 2004: 69). Em fins de 1850 já se notavam esforços para mudar os textos. A primeira notícia em forma de pirâmide invertida foi publicada por The New York Times em 1861.

Depois da penny press, o jornalismo do século XIX principiava mais uma mudança. De uma algaravia de fatos, misturados com opinião e imaginação; dos conselhos, tipo receita-de-bolo, sobre como ser bem sucedido nos negócios ou como manter a casa ordenada; de ensaios políticos a lendas, anedotas e histórias do folclore, a atividade estendia seu interesse para assuntos da própria comunidade, estabelecendo, além disso, conexões com o mundo. A notícia se afirmava então como forma de conhecimento da realidade, adquirindo duplo status: o de mercadoria competitiva no mercado e o de bem público, coletivo e visível, importante porque, ao contrário do boato, propagado de boca em boca, era destinado ao benefício de todos de uma só vez. Os jornais se dividiam entre os que publicavam “notícias” e os que estampavam “análises e comentários” (Bourdieu, 1997: 105).

Estava surgindo, nesse tempo, uma nova cultura de massa (Martín-Barbero, 1987). Na metade do século XIX, o mundo começava a se deixar seduzir pela doutrina do capitalismo. A “indústria de relatos” caminhava para exercer função primordial na incorporação da classe popular à cultura hegemônica. A aceleração propiciada pelas tecnologias de impressão fez com que o produto jornal se tornasse o espaço de lançamento da produção de massa, contribuindo para que a mídia se tornasse cada vez mais presente na vida do cidadão.

De seu lado, essa indústria iniciava um processo de auto-organização como empreendimento rentável e cumpriria papel importante na sociedade a partir de 1830. Em 1832, Charles Havas lançou em Paris a primeira agência internacional de notícias. As agências Associated Press e United Press International vieram em seguida e contribuíram para difundir o corolário ideológico e os valores dos Estados Unidos da América. O estilo de vida norte-americano se tornaria paradigma da cultura no mundo ocidental e viraria sinônimo de modernidade e progresso. Para Martín-Barbero, “quando a economia norte-americana, articulando a liberdade de informação com a liberdade de empresa e comércio, dá a si mesma uma vocação imperial” e conforma seus produtos de acordo com o mercado é que se pode falar de cultura de massa.

Apesar de tantas inovações no panorama do jornalismo, a entrevista como técnica para obter informação de fontes do governo e de pessoas comuns ainda não era praticada. As notícias podiam se limitar à publicação de documentos e discursos na íntegra. Repórteres falavam com personalidades oficiais e, no entanto, não faziam menção a essas conversas nos relatos. O presidente da república podia desenvolver conversas com jornalistas, mas ninguém colocava o que ele dizia entre aspas. A valorização da figura do presidente da República e um status para ele nos veículos de comunicação só viriam mais tarde.

O jornalista James Gordon Bennett, fundador do New York Herald, se incumbiu ele mesmo da cobertura do assassinato de Helen Jewett, na zona de prostituição de Nova York, em 1836. Ele resolveu publicar a entrevista com a dona do bordel onde a jovem Helen trabalhava, em formato de pergunta-e-resposta. [A entrevista pergunta-e-resposta é chamada, no jargão jornalístico, entrevista pingue-pongue. Ver mais sobre a primeira entrevista: NEWTON, E. (ed.). News History Gazette. Extra! The History of News. Arlington (EUA), The Freedom Forum Newseum, v.1, n.1, p. 1-35, 1997] A matéria gerou tanta controvérsia que nunca se descobriu o assassino. Essa é considerada por muitos a primeira entrevista da história do jornalismo. Outros, entretanto, apontam o encontro do jornalista Joseph McCullagh com o presidente Andrew Johnson, e o do jornalista Horace Greeley com o líder mórmon Brigham Young, publicada no New York Tribune em 1859, como as primeiras entrevistas estampadas em jornal.

Como muitas das grandes descobertas, a entrevista demoraria a se institucionalizar. Permaneceu durante quase 50 anos como uma esquisitice norte-americana e só em 1880 foi aceita na Europa, para ganhar o mundo a partir de 1930. Sinais de que mais um ponto de mutação relacionado aos conteúdos consumidos – a notícia, a entrevista, o papel do repórter – faziam-se notar.

A agilidade na assimilação de novas tecnologias e a rápida absorção das inovações, nos Estados Unidos, contribuíram para que os jornalistas norte-americanos saíssem na frente em muitos produtos informativos. Nas mais antigas acepções, a notícia aparecia sob o signo do inesperado e do discrepante. Segundo Amaral (1982: 60), atribui-se a Amus Cummings, editor do New York Sun, um conceito que se tornou clássico:

Se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um homem morde um cachorro, aí então é notícia, e sensacional.

O momento dessa frase é decisivo e determinante no pensamento ocidental e marca um ponto de mutação: metaforicamente, o sujeito da notícia é o ser humano, que emerge da condição biológica, antropológica e social, dissociando-se da espécie Homo sapiens e se transformando no animal que agride outro animal. É este o momento da afirmação da notícia como forma de conhecimento e como produto de consumo.

De maneira simples, a definição de notícia favorecia, de um lado, a organização dos profissionais que a ela se dedicam, quem a constrói, isto é, facilitava a identificação do produto jornalístico. De outro, estabelecia um contrato com os leitores cuja base seria: a imprensa se encarrega de dar informações como esta – com apelo sensorial e densidade factual – e o consumidor passa a depender delas para se localizar e se entender no mundo.

Burrell (1992: 8) informa que inexiste definição universal para news (notícia) na mídia porém, geralmente, “ênfase no incomum é a base do moderno jornalismo americano”. Randall (1999: 26) afirma que a expressão “homem morde cachorro” também é conhecida na Inglaterra como definição de notícia. Nóbrega da Cunha ([19–]: 28) diz que foi Charles Dana o autor, quando dava recomendações a um repórter. Nóbrega fez a adaptação da anedota ao Brasil:

“Se um barril cair do alto do Pão de Açúcar, não será uma notícia; mas, se dentro houver um homem, isso, sim, será notícia”.

Mesmo que os progressos técnicos e a organização empresarial da imprensa tenham se iniciado na Europa, fatores como a abolição de impostos, a descentralização estatal e a concorrência comercial garantiam à comunicação, nos Estados Unidos, um papel na construção da sociedade. Estimulando a ruptura das regras tradicionais de organização e confecção do jornal, criando “uma metalinguagem comunicacional” – como remarca Martín-Barbero – com manchetes e paginação hierarquizada, a imprensa alcançou audiência massiva entre os norte-americanos e dali os aparatos informativos, tendo a pirâmide invertida como modelo, ganharam mundo.

Seria um formato novo para uma nova concepção da informação, ao mesmo tempo mercadoria e comunicação entre pessoas. Convertida em produto, “a notícia adquiriu o direito de penetrar em qualquer esfera, ampliando progressivamente a definição do público, absorvendo e atenuando em si mesma as diferenças e contradições de classe e se detendo tão só no limite extremo da tolerância média do público mais amplo possível” (Martín Barbero, 1987: 137).

Essa nova acepção da notícia como intermediadora das emoções do público dava ensejo, em fins do século XIX, à imprensa sensacionalista e popular, chamada nos EUA de imprensa amarela, e aos grandes empresários: Pulitzer e Hearst. Também surgiram as coberturas ao vivo e se propagou uma literatura fácil, barata, de amplo alcance e alta comunicabilidade: as histórias em quadrinhos. Ademais, junto com a ideologia norte-americana pulverizada mundialmente pelas agências, a pirâmide viria a se tornar uma fórmula para o texto e um metamodelo para o jornalismo praticado no Ocidente.

Em 1897, o diário norte-americano New York Times adotou como slogan All the news that´s fit to print (Todas as notícias que mereçam ser publicadas). Seria uma referência direta à influência dos jornalistas na determinação de critérios de relevância que apontam as mensagens dignas de ser transportadas à atenção do leitor. Em oposição a essa mentalidade centrada na notícia, os jornais conviveram com o gênero folhetim, que vendia e seduzia platéias, no século XIX, como constatou Marlyse Meyer (2005: 59):

Brotou assim, de puras necessidades jornalísticas, uma nova forma de ficção, um gênero novo de romance: o indigitado, nefando, perigoso, muito amado, indispensável folhetim “folhetinesco” de Eugène Sue, Alexandre Dumas pai, Soulié, Paul Féval, Ponson Du Terrail, Montépin, etc. (…) Mas isso não assusta os jornais, qualquer que sxeja a sua cor política. Aderem todos à novidade que pode, quando agrada, provocar uma explosão de assinaturas.

Os que lidam com a notícia prezam muito o newsjudgement, que Tuchman classifica como “o conhecimento sagrado”, uma espécie de “capacidade secreta do jornalista que o diferencia das outras pessoas”. Essa autoridade do jornalista, que o coloca em posição de hierarquia superior ao receptor, está sendo desafiada pela revolução nos meios de produção (da notícia), isto é, pela facilidade de colher, tratar e transmitir informações pela internet, o que estaria transformando leitores em jornalistas virtuais.

O século XIX assistiu, dessa maneira, a sucessivas invenções que iriam afetar o desempenho e a função social que as notícias ganhariam na sociedade. As invenções e descobertas formariam um macromeio (Débray), que propiciaria a afirmação da interpretação jornalística da realidade.

As rotativas, a locomotiva, a fotografia, o computador, o telefone e outros fenômenos – a empresa informativa, os gêneros crônica, folhetim, reportagem, entrevista e o modelo da pirâmide invertida – todas essas criações alimentaram a notícia como bem cultural. Em breve, dar-se-ia a consolidação do gênero informativo, com a crônica e o folhetim, passada a época áurea, experimentando as primeiras mutações para outros formatos, senão quase desaparecendo nos periódicos do século XX. Em suma, os pontos de mutação que se pode apontar, a partir deste período de invenções e descobertas, referem-se a:

>> aceitação da notícia na sociedade;

>> implantação e afirmação de um padrão para o jornalismo, a pirâmide invertida;

>> fundação das agências de notícias, que o disseminaram;

>> estruturação das empresas jornalísticas;

>> introdução dos gêneros notícia, reportagem e entrevista.

A notícia no Brasil

A imprensa brasileira segue a mesma trajetória da imprensa internacional, embora com defasagem de anos: o jornalismo brasileiro começou opinativo, evoluiu para o domínio da língua no estilo panfletário; prosseguiu na exploração de uma nova linguagem e de novas técnicas de apuração; assumiu os estilos interpretativo e informativo, diversificou conteúdos e, enfim, encontrou a internet. Fazem-se várias leituras do processo de implantação da notícia no Brasil e um dos vieses possíveis é a história das empresas jornalísticas.

Outro ponto de vista é o das sucessivas ameaças à liberdade de imprensa, os golpes da censura que, sem dúvida, causaram danos à instituição jornalismo e a muitos jornalistas, além do mal à sociedade pelo que significam de retrocesso, de atraso. Como o objetivo, no momento, é perseguir a notícia, destacam-se as interseções do jornalismo praticado no Brasil com as tendências internacionais, pontuando o que se consideram mudanças importantes.

Identificam-se quatro fases no desenvolvimento da imprensa brasileira:

>> 1500 a 1808: da inexistência à existência precária – da descoberta do Brasil, quando é proibida a entrada de produtos intelectuais, ao primeiro jornal de Hipólito da Costa;

>> 1809 a 1900 – do jornalismo político à invenção da reportagem;

>> 1901 a 1990 – das empresas estruturadas até a censura do governo militar e a fundação das revistas modernas;

>> 1991 a…: da imprensa digital até os dias de hoje.

Na primeira fase, tempos da descoberta da nova terra, as notícias aqui chegavam velhas de meses ou anos. O ciclo do ouro (1690-1750), sob muitos aspectos, atrasou ainda mais o desenvolvimento do país: “Portugal, temeroso de perder a mais valiosa possessão colonial, tentou isolar o Brasil e garantir sua dependência da metrópole. A Coroa proibiu a imprensa e suspendeu a importação de livros e a fundação de universidades” (Wilcken, 2005: 99). Depois, enquanto nos Estados Unidos se assistia à fundação dos primeiros diários, Pennsylvania Packet e American Daily Advertiser,e na Inglaterra surgia The Times, no Brasil proliferava um comércio ilegal de materiais impressos, que corria ao largo das autoridades.

A segunda fase da imprensa no Brasil é marcada pelo embarque da família real portuguesa em direção aos trópicos. No dia 27 de novembro de 1807, “uma nova impressora, recém-chegada de Londres, foi despachada para o comboio, ainda em sua embalagem original” (Wilcken, 2005: 38) e chegou ao Rio de Janeiro, numa viagem cheia de percalços, na fragata Medusa, comandada pelo ministro português de Relações Exteriores, Antônio Araújo, conde de Barca.

Com o príncipe João VI e a princesa Carlota Joaquina, a corte portuguesa fugida das Guerras Napoleônicas instalou-se no Brasil em 1808. A 31 de maio do mesmo ano, um ato do regente inaugurava a Impressão Régia, com dois prelos, dando início à primeira etapa da construção de um conceito de notícia em terras brasileiras. A gráfica iniciou a publicação, em setembro, da Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal oficial, com espaço para narrativas sobre a vida dos príncipes, aniversários e comemorações. A cada três semanas estampava, em caráter de exclusividade, os atos normativos e administrativos do novo governo.

Quem efetivamente trouxe ao Brasil a notícia, como produto e como instituição importante (a qual as pessoas deveriam conhecer para adquirir status de cidadãs e lutar por direitos), foi o exilado político Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, que imprimia, em Londres, o Correio Braziliense. O jornal, mesmo censurado e proibido durante algum tempo, chegava de navio, durante 14 anos, até dezembro de 1822. Seabra (2006: 114), considera o aparecimento do Correio Braziliense um marco do nascimento da imprensa brasileira e “início de um processo que levaria ao surgimento do jornalismo político nacional”, porém, Sodré (1966: 24) qualifica o jornalismo de Hipólito de “doutrinário”.

É o estilo de época: Hipólito (Costa, 2001: 4) alegava sentimentos de “patriotismo” e o desejo de “aclarar os compatriotas sobre os fatos políticos civis e literários da Europa (…), traçar as melhorias das Ciências, das artes e numa palavra de tudo aquilo que pode ser útil à sociedade em geral”. O jornal que Hipólito fazia sozinho em Londres tinha formato de livro, 600 páginas, publicava atos e decretos relativos ao Brasil, tecia comentários sobre eles, e já apresentava editorias: Política, Literatura e Ciências, Comércio e Artes, Miscelânea. A contradição é que, apesar das características, o Correio Braziliense não era visto como jornalismo, talvez denotando o pouco valor que a atividade tinha na ocasião. Hipólito o apelidava “Armazém Literário”.

A etapa seguinte, de afirmação do jornalismo político, seria a da luta pela independência e pela formação de uma assembléia nacional constituinte. A maioria da população residente no Brasil era de analfabetos e os poucos letrados não dominavam as questões públicas. A imprensa era atrevida, entrava em polêmicas, setores divergentes travavam verdadeiras batalhas verbais nas páginas dos periódicos e, obviamente, havia excessos, ataques pessoais, calúnias. O Diário do Rio de Janeiro, do português Zeferino Vito de Meireles (Souza, [1986]: 29), é considerado o primeiro jornal informativo a circular no Brasil, o que aconteceu em 1821.

O jornal de Zeferino publicava de tudo gratuitamente: assassínios, roubos, demandas, calotes, reclamações, anúncios de escravos fugidos, editais, leilões, notas de teatro e anúncios de compras, vendas e achados, oscilações das marés e observações meteorológicas. Assim, a posteridade ficou sabendo que no dia em que circulou o Diário do Rio de Janeiro, pela primeira vez, o sol nasceu às 6 horas e 39 minutos e que a manhã enevoada de sexta-feira foi substituída, à tarde, por um sol claríssimo.

Ex-operário da Impressão Régia, Zeferino inovou na escolha dos assuntos: tomou a decisão de não falar de política. E levava isso tão a sério que deixou de noticiar a proclamação da Independência por dom Pedro II. O jornal chegou a fazer muito sucesso, apelidado pelos leitores de “Diário do Vintém” ou “Diário da Manteiga”, pelo motivo de o preço de capa equivaler ao do pacote de manteiga. O Diário, que teve o mérito de publicar a primeira caricatura da história do jornalismo brasileiro, seria a contrapartida brasileira à gazzetta veneziana e ao penny paper norte-americano, demonstrando a luta do jornalismo por baratear os custos e chegar às massas.

A fase terceira, de estruturação da empresa jornalística, começou em 1825, com a fundação do Diário de Pernambuco, o mais antigo jornal brasileiro em circulação. Dois anos depois inaugurava-se, pelo francês Pierre Plancher, no Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, primeiro veículo de economia, dedicado aos “senhores negociantes”, contendo também notícias da política.

A imprensa auferia os benefícios do advento da industrialização, da criação de uma nova classe média, do aperfeiçoamento das técnicas de comunicação e de impressão. O JC publicou, em 1938, o primeiro folhetim da imprensa brasileira, a “linda novela, O Capitão Paulo”, de Alexandre Dumas, seguindo a tendência francesa: o feuilleton-roman (romance-folhetim), de início no rodapé da página, mais tarde ocupando espaços nobres (Meyer: 2005: 30-31).

Esse período, que se adensa nos últimos anos do século XIX, é importante porque, pela primeira vez no Brasil, o jornalismo e a notícia alcançam uma organização em termos empresariais. Depois de O Estado de S. Paulo (1875), vieram o Jornal do Brasil (1891), o Correio do Povo (1895), o Correio da Manhã (1901) e O Globo (1925). A Folha da Noite, primeiro empreendimento do Grupo Folha, foi fundada em 1921. Quatro anos depois, mesma época em que Irineu Marinho lançava seu vespertino no Rio, apareceu a Folha da Manhã. Em 1949, a Folha da Tarde iria substituir a Folha da Noite para somente em 1960 surgir a Folha de S. Paulo.

Invenção da reportagem

O território nacional, de início, ignorou os lançamentos mais importantes do jornalismo no século XIX – a entrevista e a pirâmide invertida –, imerso como estava no processo de evolução da própria sociedade. Qual foi a primeira entrevista a ser publicada no Brasil? Esta é uma pergunta difícil de responder, que demanda uma pesquisa específica, embora seja quase certo que o primeiro texto em pirâmide invertida tenha sido publicado pelo Diário Carioca, ao tempo de Pompeu de Sousa, nos anos 1950.

Considera-se (com Lage) o período de 1880 a 1930, como o tempo de invenção da reportagem e descoberta do sentido da notícia. A notícia encontrava-se em franca expansão e o jornal-empresa surgia como consequência e necessidade de organização das informações em época de modernização urbana e social. A profissionalização levou à montagem dos departamentos de circulação, comercial, industrial, à estruturação da redação e à institucionalização da pauta.

1875. Terminava a Guerra do Paraguai (1864-75). O periódico Província de São Paulo lançava o primeiro número, inaugurando a venda avulsa, com um agente percorrendo as ruas de carroça, tocando a buzina. São Paulo, então com 30 mil habitantes, que recebiam jornais gratuitamente, reagiu à “mercantilização da imprensa”. Mais tarde é que surgiram os jornaleiros, as bancas e os pontos de venda. Em 1890, a Província virou O Estado de S. Paulo.

Ainda em 1875, fundava-se a Gazeta de Notícias, matutino carioca onde o abolicionista José do Patrocínio começou a carreira. Nele, Raul Pompéia iniciou a publicação do romance O Ateneu. Passaram pelo periódico nomes importantes da literatura brasileira: Olavo Bilac, Artur Azevedo, Ramalho Ortigão, Coelho Neto. Os escritores precisavam do emprego para sobreviver e se projetar. Foi o auge do folhetim, hoje visto como antecessor das telenovelas, com a serialização de um produto de grande popularidade.

A chamada Guerra de Canudos marcou a cobertura jornalística por enviados especiais. O Estado de S. Paulo reivindica para si a criação da figura do correspondente de guerra porque mandou o engenheiro Euclides da Cunha “para acompanhar as operações que o Exército iria executar na região para destruir o ´foco`” (Bosi, 1994: 35) e seguir os passos do líder messiânico Antônio Conselheiro.

Em 1900, João Paulo Alberto Coelho Barreto, sob o pseudônimo de João do Rio, inaugurou uma nova fase: havia indícios de afirmação do repórter, quando ele publicou na Gazeta de Notícias a série “As religiões no Rio”, considerada a primeira reportagem da imprensa brasileira, mais tarde republicada em livro. O pintor Di Cavalcanti, contemporâneo de Paulo Alberto, viu em João do Rio “o tipo exemplar de repórter”.

João, homem viajado, que conhecia a realidade da Europa, foi às ruas para conseguir dados e, com experiência na boêmia carioca, percorreu os templos de todas as seitas religiosas em atuação, produzindo um conjunto de vívidas descrições e emoções sobre um assunto tido como tabu até então, a religião. Disputado pela literatura e pelo jornalismo, João do Rio provocou polêmica com o texto de “As religiões no Rio”, escrito na primeira pessoa: acusaram-no até de plágio de uma reportagem francesa (“As religiões de Paris”), embora todas as referências do autor sejam personagens do Rio de Janeiro, onde ele viveu e morreu.

O Jornal do Brasil abriu, dia 20 de maio de 1900, um suplemento ilustrado de generalidades, a Revista da Semana, e atingiu a assombrosa (para a época) tiragem de 50 mil exemplares. Esse jornalismo de entretenimento justifica os suplementos dominicais dos veículos impressos ainda hoje e registra uma tendência experimentada bem antes disso, na França: a de conjugar informação com lazer para ocupar as horas de ócio dos leitores. O modo de fazer desse jornalismo de notícias amenas – algumas vezes chamado de “jornalismo de magazine” – e a maneira de tratar o tema são hoje transportados para os grandes portais, como o UOL, com as devidas adaptações de público e assuntos.

De 1880 a 1937, foram fundados ou sofreram reformas 10 veículos impressos no Brasil: Gazeta de Notícias, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Jornal, O Dia, O Globo, Diário Carioca, Diário da Noite, Diário de Notícias e a revista O Cruzeiro. E começaram as transmissões diárias da rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira do país. Com efeito, na terceira fase do jornalismo no Brasil, após a chamada “invenção da reportagem” em 1900, tem lugar a preocupação com o produto notícia.

Em 1943, o jornalista Pompeu de Sousa (1992: 24-29), que chefiava a redação do Diário Carioca, foi aos Estados Unidos e descobriu que os norte-americanos “tinham duas instituições padronizadoras da qualidade” do texto e da apresentação da notícia: o copy-desk (mesa de redação) e o style book (livro de estilo). Ele observou que cada jornal possuía um manual, para “preservar a identidade, o temperamento, a personalidade jornalística”, e que havia também um novo jeito de escrever.

No carnaval de 1950, depois de ler meia dúzia de manuais, escreveu as Regras de Redação do Diário Carioca. Para aplicar as normas recém-instituídas e colocar em prática o texto que pretendia implantar, foi preciso organizar o copy-desk, equipe de redatores especializados. O Diário Carioca oferecia o cenário propício para a revolução que marca o início do processo de modernização da imprensa no Brasil. Era um jornal pequeno, atravessava dificuldades financeiras – portanto, queria inovar para destacar-se – e ofereceu carta branca a Pompeu. Ele foi buscar na Universidade do Brasil alunos dispostos a tentar escrever com lead. [Quando Pompeu de Souza escreveu o Style Book do Diário Carioca, manteve a grafia de muitas palavras que trouxe do inglês, como copy-desk e lead. Mais tarde, esses termos seriam aportuguesados e dicionarizados: copidesque, lide. Ver FERREIRA, A.B.H. Lide. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.Curitiba: Positivo, 2004. p. 1206]

Mais tarde, o jornalismo brasileiro sofreu a censura do governo militar de 1964, aprendeu a driblar as limitações aperfeiçoando o texto, escrevendo nas entrelinhas, mudando a forma gráfica de apresentação da notícia, sem deixar de apresentar produtos mais condizentes com os novos tempos. Foi com esse espírito que o jornalista Mino Carta lançou, em 1968, a poucos dias da decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5) – o mais severo dos dispositivos da ditadura contra as liberdades individuais no Brasil –, a revista Veja, inspirada nas semanais americanas e européias.

O que fica, como exemplo de jornalismo investigativo e da busca de novos temas, é a revista Realidade, que marcou época, mas não suportou as restrições da censura militar à imprensa. Apesar dos cortes, era uma época de inovação. O Pasquim, por exemplo, criou um tipo de edição de entrevistas, transcritas na íntegra, o que é até hoje seguido por algumas publicações.

A última fase do jornalismo no Brasil se dá a partir de 1995, instante em que eclode o movimento para a colocação de jornais na rede. Na Tabela 3 traça-se um paralelo da evolução da notícia nos meios de imprensa do mundo e do Brasil, anotando possíveis pontos de mutação desde o primeiro jornal a colocar o novo no título até o pioneiro no uso da internet. Trata-se de uma linha do tempo que destaca publicações marcantes na história. São momentos importante porque algo mudou a partir dali, abrindo um pórtico para novos horizontes e representando ruptura com o passado. Naturalmente, frisa-se, mais uma vez, que esta é uma forma de interpretação de dados históricos presentes na literatura do jornalismo.

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Thaïs de Mendonça Jorge é jornalista, professora da Faculdade de Comunicação da UnB