Ruy Castro é um escritor de outro tempo: ele ouve músicas que hoje, infelizmente, pouca gente escuta e escreve sobre coisas que têm um quê de desaparecidas.
Acaba de sair pela Cosac Naify uma caixa que reúne dois livrinhos resumindo esse mundo raro de Ruy. “A Canção Eterna” fala sobre música, enquanto a literatura e o jornalismo aparecem em “A Palavra Mágica”. São 64 textos em cada livro, escritos originalmente para a coluna que Ruy mantém nesta Folha desde 2007.
Seus leitores sabem que ele varia os assuntos de forma surpreendente. Fala, por exemplo, da canção “Peixe Vivo”, que Juscelino Kubitschek já não suportava ouvir, ou da mulher que inventou o nome para o ex-planeta Plutão, mas pouco trata de um gênero como o rock.
“O livro também não fala de ópera, nem de opereta, nem de polcas e mazurcas, nem mesmo do corta-jaca – por que falaria de rock and roll? Mas tenho rock, sim, na minha discoteca, e ouço sempre: Frank Zappa, Eric Burdon, Steely Dan, Manfred Mann, The Doors, The Police, e, claro, os velhinhos, de Screamin’ Jay Hawkins a Jerry Lee Lewis”, ele diz.
Em sua discoteca, há apenas uma lacuna a ser preenchida: o disco com a trilha sonora do filme “The Gene Krupa Story” (1959), com o baterista Gene Krupa e seu intérprete Sal Mineo na capa.
Ruy parece mesmo um homem fora desse mundo. Nunca dirigiu um carro, não dá bola para as novas tecnologias e viveu intensamente o tempo do jornal “O Pasquim”, no qual foi repórter.
Quem lê esses dois volumes de crônicas tão intensas e engraçadas pode imaginar que a música e a palavra ocupam o centro do universo do escritor. “Meu mundo é um pouco mais vasto. Dedico-me também a assistir a filmes antigos, a viajar dentro e fora do Brasil, a observar os gatos, a torcer pelo Flamengo, a flanar pelo Rio e a parar com os amigos e desconhecidos na rua para dizer besteiras. Mas, se esse mundo se resumisse à música e à palavra, já estaria muito bom.”
O tempo desse mineiro de Caratinga ( mas carioca da gema), que mora perto do mar, é escasso. Um dos grandes biógrafos brasileiros, incluindo aí perfis de movimentos como a bossa nova, cuja história contou em “Chega de Saudade” (1990), ele faz piada com a recente discussão em torno das biografias e do movimento Procure Saber.
“Até há pouco nunca tinha pensado neles, mas eu estou começando a achar que o Chico Buarque, o Caetano Veloso e o Gilberto Gil renderiam grandes biografias –não autorizadas, claro, e feitas para valer [risos]. Pena que eu já esteja comprometido com outros projetos pelos próximos anos”.
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Cadão Volpato é escritor, desenhista e músico, autor de Pessoas que Passam pelos Sonhos (ed. Cosac Naify).