Um grupo de amigos se reúne no Vale do Silício, na Califórnia, e monta uma inovadora empresa digital. À medida que a companhia cresce em sucesso, egos inflam, aliados se tornam adversários, brigas pelo poder ocorrem e cofundadores são afastados. A empresa, no entanto, se torna um fenômeno mundial e passa a valer bilhões de dólares. A história pode soar familiar, lembrando trajetórias como a do Facebook, mas é inédita, e seus detalhes, mais escabrosos: trata-se da ascensão do Twitter, a rede social que realizou sua estreia na Bolsa de Valores de Nova York no último dia 7, agora vale mais de US$ 24 bilhões e cujos verdadeiros bastidores repletos de intrigas são revelados pelo jornalista Nick Bilton em A eclosão do Twitter – Uma aventura de dinheiro, poder, amizade e traição (Portfolio-Penguin), que chega às livrarias brasileiras este mês.
Criado em março de 2006, o Twitter redefiniu em 140 caracteres o modo como as pessoas se comunicam e se informam na internet. Com mais de 200 milhões de usuários mensais ativos, entre líderes mundiais, como o presidente dos EUA, Barack Obama, e o papa Francisco, e astros, como a cantora Lady Gaga e o ator Ashton Kutcher, o site é uma das mais importantes plataformas digitais da atualidade, tendo servido, inclusive, como ferramenta de mobilização nas revoltas populares que sacudiram diversos países do Oriente Médio nos últimos anos e os recentes protestos no Brasil.
Inicialmente, foi justamente essa importância que atraiu Bilton, colunista e repórter de tecnologia do New York Times, a mergulhar por um ano e meio no passado do site. No entanto, ao se aprofundar nos bastidores da companhia, ele encontrou não só uma história de empreendedorismo e sucesso, mas também um drama sobre como amizades podem ruir em meio à construção de uma plataforma que visa justamente a aproximar pessoas. “O fato de o Twitter ter mudado o modo como fazemos tudo, como realizamos negócios, como religiões são discutidas, como a política e revoluções acontecem, sempre me fascinou e me atraiu a escrever sobre ele. Mas, quando comecei a pesquisar para o livro, o que encontrei foi também a história de quatro caras que eram amigos, se uniram para construir essa empresa, mudar o mundo, e o resultado acabou destruindo suas amizades”, afirma o jornalista, em entrevista por telefone.
Outros protagonistas
Ainda que seja mais comumente associado como um produto exclusivo da mente criativa de seu cofundador Jack Dorsey – conforme este sempre sugeriu em suas aparições na mídia –, o Twitter tem outros protagonistas em sua história. E é exatamente isso que Bilton procura mostrar em seu livro ao jogar luz sobre acontecimentos e, principalmente, a importância dos outros três cofundadores do site: Evan “Ev” Williams, também criador da popular plataforma de blogs Blogger; o ex-funcionário da Google Biz Stone; e o desenvolvedor de software Noah Glass. “No Vale do Silício temos algo chamado “mito da criação”, que é a história inventada para contar a história de uma empresa. E não há mito da criação maior que a história do Twitter: a versão que Jack Dorsey contou ao mundo de que ele inventou o conceito do site sozinho quando ainda era jovem e que tem sido a sua meta de vida trabalhar nele. A realidade é que o Twitter foi concebido em uma conversa entre Jack e Noah Glass e, depois, com a ajuda de dezenas de pessoas sem as quais o site não existiria”, afirma ele. “Então, o que tentei mostrar no livro é como outras pessoas também foram responsáveis pelo que a empresa se tornou, e dar crédito a elas.”
Conforme Bilton mostra, a criação do Twitter tem início a partir do encontro de seus quatro cofundadores na Odeo, uma startup de podcasts idealizada por Glass, mas financiada e dirigida por Williams e que contava com Dorsey e Stone em sua equipe. Certa noite, em fevereiro de 2006, Dorsey revelou a Glass uma antiga ideia sua para uma plataforma digital inspirada em outros sites e baseada no conceito de compartilhamento de status (atualizações sucintas de usuários a respeito de si mesmos). Mas onde ele via apenas uma ferramenta de expressão pessoal, Glass viu uma oportunidade para ajudar pessoas a se conectarem umas com as outras. No dia seguinte, entusiasmados com a conversa, os dois apresentaram a ideia a Williams e Stone, dando início ao processo que transformaria a Odeo no Twitter e mudaria as suas vidas para sempre.
A partir daí, nas cerca de 300 páginas de A eclosão do Twitter o jornalista do New York Times detalha como as tensões entre os quatro amigos foram aumentando à medida que o Twitter crescia em meio ao caos e à inexperiência de seus cofundadores – o que levou a empresa a ter três diretores executivos em menos de seis anos. Glass foi afastado da companhia ainda em seu início, por exigência de Dorsey. Este, por sua vez, se tornou o primeiro diretor executivo da empresa, mas, devido à sua inabilidade no comando, foi substituído por Williams e assumiu um papel meramente representativo no conselho da companhia. Esse fato, no entanto, não impediu que Dorsey se vendesse para a mídia como a grande figura por trás do site, uma espécie de herdeiro espiritual de Steve Jobs e, secretamente, orquestrasse a sua volta para o dia-a-dia da empresa – o que aconteceu quando o atual diretor executivo do Twitter, Dick Costolo, substituiu Williams no cargo, em 2010. Hoje, no entanto, nenhum dos cofundadores tem um papel ativo nas decisões da empresa e alguns deles raramente se falam.
Pesquisa extensa
Chegar a esses detalhes até então desconhecidos não foi fácil, Bilton afirma. Foram necessárias exaustivas pesquisas, acesso a e-mails e documentos internos da empresa a partir de fontes não oficiais, a recuperação de registros em redes sociais, e centenas de horas de entrevistas com funcionários, investidores e cofundadores – alguns deles, inclusive, reticentes em falar ao jornalista e revelar os detalhes sórdidos da história: “No início, alguns relutaram em falar comigo, mas depois perceberam que não tinham muita opção, por causa do material que reuni e que mostrava os verdadeiros fatos na trajetória da empresa. Além disso, eles estavam em uma posição em que precisavam falar comigo, porque, no pior cenário, se só seus desafetos contassem determinadas histórias, fariam parecer muito pior para eles.”
Para o jornalista, trajetórias como a do Twitter e a do Facebook (também descrita em livro e já transformada em filme), que começam a partir da amizade entre jovens e se desenvolvem para brigas de ego, disputas de poder e empreendimentos bilionários, são típicas do Vale do Silício e de suas dinâmicas. “É algo curioso que ocorre muito por lá, porque você tem amigos empreendendo em projetos que passam a render milhões de dólares rapidamente e isso faz com que as pessoas comecem a ter uma sede de poder e controle muito grande. São pessoas socialmente desconfortáveis, mas que se reafirmam na tecnologia, e, que, quando chegam num ponto em que ficam famosas por essa razão não querem perder isso. Sem falar na questão da idade: a maioria dos empreendedores de lá é jovem, de 20 e poucos anos ou menos, e não sabe direito as consequências de seus atos”, explica.
Curiosidades twitteiras
Mas, para além das intrigas, A eclosão do Twitter também passeia por episódios curiosos na história do site do passarinho azul, como o processo de escolha do nome Twitter – ideia de Glass e que significa “piar”, “agitação” –; as dificuldades da equipe em definir um foco para o serviço e mantê-lo no ar; as propostas de compra por empresas como Yahoo! e Facebook; a “guerra” por um milhão de seguidores no site entre o ator Ashton Kutcher e a rede CNN; o primeiro tuite da apresentadora Oprah Winfrey, feito ao vivo, em seu programa, com a participação de Williams; e a visita, em 2010, do então presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, à sede da empresa para estrear sua conta, enquanto o site passava por problemas técnicos.
Diante da caótica trajetória apresentada por Bilton, por vezes tem-se a impressão que o Twitter sobreviveu a si mesmo e chegou ao seu valor bilionário por um milagre. Para o jornalista, no entanto, o site sobreviveu apesar de seu caos, mas também a partir dele, o que torna a sua história singular. “Um dos fundadores do site me disse certa vez que o Twitter teve sucesso apesar dele mesmo. Eu acho que isso é absolutamente verdade. Mas, ao mesmo tempo, acho que o caos também ajudou nesse crescimento, impedindo que o site tomasse um rumo diferente do seu atual. E cada fundador pareceu agregar algo adequado ao site em cada época da empresa, mesmo que eles tenham expulsado uns aos outros dela”, afirma Bilton, que diz acreditar que a empresa continuará a fazer sucesso e vencerá o desafio de gerar lucro após o seu IPO. “Eu só espero que, após ter se tornado pública, ela não se esqueça de manter o foco em ser uma plataforma revolucionária.”
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Thiago Jansen, Globo