É missão impossível separar joio de trigo entre os supostos 40 mil livros sobre a vida e a morte de John Kennedy, mas a maioria absoluta deve ser de baixa qualidade.
Mesmo um trabalho sério, bem pesquisado e bem escrito, com algumas informações novas potencialmente relevantes para a improvável elucidação dos mistérios de 1963, pode servir apenas como lenha na fogueira de fantasias.
É o caso de “Anatomia de um Assassinato”, do excelente jornalista Philip Shenon. No caso da edição brasileira, já o título é enganoso: a linha da narrativa de Shenon não é a reconstrução do crime, mas dos trabalhos da Comissão Warren, que o investigou oficialmente.
A abordagem é original. Alguns resultados são instigantes. O autor é esperto e cauteloso, e não faz denúncias conspiratórias, como tantos.
O saldo ao final da leitura, apesar do prazer que ela proporciona pela boa qualidade do texto, frustra quem esperava grandes revelações. Mas é esclarecedor pelas suas próprias limitações, embora Shenon –compreensivelmente– sugira que tenha de fato trazido ao assunto dados fundamentais para resolvê-lo.
Olho na reeleição
Shenon conta a história da Comissão Warren reconstruída pelos que eram os jovens assessores dos personagens principais do drama. Eles se convertem em seus heróis.
Os vilões são o establishment do governo e do sistema de inteligência americanos, que colocaram obstáculos às linhas de investigação pretendidas pelos “mocinhos”.
Mas os motivos para a obstrução de seu trabalho e até de destruição de documentos e provas, como o próprio livro revela, foram, em geral banais, mesquinhos, egoístas, mas imensamente humanos, não parte de um plano maquiavélico para ocultar a verdade do público.
A família Kennedy não queria autópsia detalhada do corpo para que não fossem conhecidos detalhes de doenças do presidente. A CIA impediu que se ouvissem gravações clandestinas de conversas de Lee Oswald para não abrir flancos que prejudicassem outras ações ilegais suas no exterior.
Lyndon Johnson restringiu o escopo e apressou o cronograma da Comissão para não atrapalhar sua campanha pela reeleição em 1964. E assim por diante.
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Carlos Eduardo Lins da Silva é editor da revista Política Externa