Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Criação das narrativas sobre São Paulo

O complexo conjunto de conhecimentos acumulados ao longo do tempo a respeito da formação histórica da cidade de São Paulo – sobre a qual já se debruçaram inúmeros pesquisadores de áreas como História, Arquitetura e mesmo Medicina – costuma trazer à tona aspectos e problemáticas que, por sua vez, exigem novas releituras, interpretações e revisões.

Ao se deparar com essa realidade, em particular durante trabalhos de campo em sítios de ocupação colonial no planalto paulista, o historiador Rodrigo Silva percebeu ser necessário investigar os percursos culturais das narrativas – de que forma elas foram criadas, ganharam força, foram reproduzidas e se consolidaram, em diferentes momentos históricos e sob aparências diversas, como referências e guias para o estudo sobre São Paulo.

Tal investigação foi tema da dissertação de mestrado de Silva, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) sob a orientação da historiadora Cecilia Helena Lorenzini de Salles Oliveira, e resultou no livro Sobre taipas e textos, publicado com apoio da FAPESP.

“Acima de tudo é um trabalho que se propôs ser uma estrutura de suporte, uma ferramenta de trabalho, mais do que uma obra que se encerra em si”, diz o autor na introdução da obra.

Para cumprir esse objetivo, Silva tematiza a escrita da história, seus fundamentos e as relações dos escritores com suas fontes, questionando em que medida o historiador não se vê induzido a reconhecer, nos registros históricos, certezas e fatos projetados pelas motivações dos agentes que os elaboraram.

Épocas e situações

A pesquisa abrange desde a segunda metade do século 18 até a primeira metade do século 19, um período, segundo o autor, ainda pouco estudado, marcado por transformações significativas tanto na cidade de São Paulo como na América Portuguesa de modo geral e cujas interpretações são variadas e complexas.

Dentro desse intervalo de tempo, o autor enxerga três movimentos. O primeiro foi iniciado com escritores do final do século 18, como Pedro Taques, Frei Gaspar da Madre de Deus e estrangeiros que estiveram na cidade no começo do século 19.

“O sentido dessa organização foi o de unir tanto os primeiros textos que interpretam a situação de São Paulo no século 18 quanto os autores – os estrangeiros – cujos textos se tornaram um imenso manancial de informações a respeito do início do século 19, nos quais gerações e gerações de escritores foram buscar matéria-prima para suas obras”, descreve o autor.

O segundo movimento começa em meados do século 19 e busca ver a construção das interpretações a respeito da história de São Paulo por meio de elementos-chave que passaram pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), como Capistrano de Abreu, e por outros relativamente distantes do universo dos institutos, caso de Azevedo Marques.

Por fim, o terceiro movimento trata da pluralização de contextos em que certas narrativas foram produzidas – as de autoria de Afonso Taunay e Ernani da Silva Bruno, por exemplo. A respeito desse último, Silva aponta que ele “agrega em seu texto uma quantidade formidável de ideias criadas em épocas e situações distintas, oferecendo uma interpretação que as organiza – e lapida em busca de uma suposta coerência narrativa, expressão de uma história em acontecimento, processo – e que se tornou muito difundida”.

Ao longo dos capítulos, o leitor encontra citações e ainda anotações sobre a formação e a trajetória dos autores, incluídas com o intuito de contribuir com o entendimento sobre suas escolhas.

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Noêmia Lopes é repórter da Agência Fapesp