Resisti à tentação de comprar o livro Assassinato de Reputações: um crime de Estado, de Romeu Tuma Júnior (Editora Topbooks 2013), mas acabei cedendo quando fui informado que havia menção ao meu nome. Li-o em três dias e cheguei à conclusão de que o título correto deveria ser “Como cuspir no prato que comeu”.
São mais de 500 páginas confusas e com imprecisões temporais, recheadas de acusações sem provas, chulices, deboches e bravatas, nas quais o autor chega ao cúmulo de dizer, com todas as letras, que seu pai, o Tumão, morreu de desgosto quando o autor foi defenestrado da Secretaria Nacional de Justiça. Pasmem: ele diz isso e acredita nisso.
Na sua visão obliterada, o autor foi exonerado ou por perseguir Daniel Dantas, que diz ser amigo do governo, ou por ter achado uma conta secreta nas Ilhas Cayman atribuída (mas nunca comprovada) a José Dirceu, ou por ter “peitado” o governo ao impedir a operação Satiagraha, ou por tudo isso junto. Para justificar tirá-lo do cargo, fantasia que o governo determinou à Polícia Federal que fizesse uma ultra-super-hiper-secreta investigação, interceptando conversas telefônicas do amigo do amigo do amigo dele para chegar até a sua pessoa e depois, por determinação de Lula, as gravações foram seletivamente vazadas a determinados jornalistas e panfletadas na internet, para assim “fritá-lo” perante a opinião pública e o governo, enfim, demiti-lo. Não bastava aí uma canetada do presidente? Mas é nessa chicana conspiratória que ele piamente acredita.
Centro das atenções
Encolerizado por ter sido tirado do cargo – onde se considerava a figura central da atual República – ele quer, neste cartapácio, limpar sua honra que julgou atingida por essa investigação. Para isso, dispara sua metralhadora giratória contra o ex-presidente Lula, contra os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro, contra a Polícia Federal e seu ex-diretor, contra o DHPP de São Paulo, contra “os maquiavélicos do PT e da PF”, contra o PSDB, contra o Judiciário, contra promotores e procuradores, contra delegados de polícia, contra membros da Secretaria Nacional de Justiça, contra o jornal O Estado de S. Paulo, além de outras autoridades e instituições.
Compara o governo a traficante de favelas e brada ter atrapalhado o projeto de poder do PT e os interesses “da banda”. Ofende, menospreza, ridiculariza e calunia o ex-presidente Lula, apontando-o como informante do seu pai, Tumão. Ok. O papa Francisco é ateu, sabiam?! O papel aceita tudo, até infâmias.
Você, leitor, nunca verá tamanho egocentrismo nessa resma. Recheado de “eu fiz”, “eu sei”, “eu prendi e mandei prender”, “foi por minha causa”, “eu avisei”, “eu sou o melhor”, “eu tinha razão”, “foi minha idéia”, “eu propus”, “eu baixei a criminalidade”, “eu mostrei quem eu sou”, “eu investiguei os mais clamorosos casos no Brasil e no exterior”, “eu fui o cara certo na hora certa”, “eu fiz e desfiz”, “eu sou competente”, “eu, experiente policial”, “eu tenho capacidade técnica”, só faltando mesmo ele dizer “esse cara sou eu”, tamanho ego, que não cabe nas 560 páginas.
Na defesa de sua reputação, que considera mais valiosa que a sua própria vida, elogia excessivamente a si e a seus atos querendo ser o centro de todas as atenções julgando suas opiniões e interesses mais importantes que os pensamentos dos outros. Que nome poderíamos dar a isso?…
Verdade falseada
Quando discorre sobre a morte do prefeito Celso Daniel, narra um verdadeiro filme, um thriller hollywoodiano com convicção baseada em achismos e especulações. Esquece que o crime foi duas vezes investigado pela Polícia Civil – instituição constitucionalmente investida no poder de investigação e capacitada para isso – que concluiu tratar-se de crime comum; mas para o autor, se ele tivesse investigado, teria esclarecido de forma diferente, pois tinha as melhores pistas, os melhores indícios e as melhores provas. Nessa trama, menciona “eu acho”, “provavelmente ocorreu isso”, “tive a sensação de que”, “acredito que”, “minha tese é”, “meu entendimento é”, “avalio eu”, “penso que”, ou seja, sua teoria é recheada de suposições e conjecturas diversas, chegando a afirmar que Celso Daniel morreu com expressão de sofrimento no rosto. Ora, como ensinado em Medicina Legal, cadáveres não têm expressão de sofrimento – algo talvez apregoado na Idade Média – pois é sabido que, após a morte, toda a musculatura do corpo relaxa, sendo impossível um cadáver estampar qualquer tipo de sentimento.
No mais fino exemplo de jactância, ele compara o Tumão, seu pai, ao Pelé da Polícia, talvez se enxergando como um Neymar desconvocado pelo Felipão…
Entre as afirmações mais absurdas, está a de que Lula foi “aluno de seu pai e aprendeu bem”, pois usou o “talento investigativo adquirido para propósitos inconfessáveis”. Chama o ex-presidente de vingativo e o acusa de criar um Estado policial e de fabricar dossiês. Afirma ter sido um “fraldão” do governo, eleito alvo pelo Palácio, precisando ser alvejado, transposto e abatido. Quando cheguei ao capítulo em que diz que ajudou seu pai a esclarecer o caso Joseph Mengele, confesso que pulei para o próximo, mas quase desisti de ler o resto, quando, na página 318, ele afirma ter ensinado ao jornalista Boris Casoy o bordão “Isso é uma vergonha!” Quanta pretensão.
Escrito a quatro mãos e quatro pés, é nítida a participação do coautor, digamos, no floreamento dos parágrafos, principalmente nas menções de leitmotif, “Razão Instrumental de Max Weber”, “leviatã de Thomas Hobbes”, “Politiburo”, “Soljenitsin”, “devir da filosofia”, “endoxa de Aristóteles” dentre outras. Destila ainda seu ódio à ferramenta de pesquisa do Google, chamado por ele de “Tribunal Superior do Google”. Será que ele sabe o que é e como funciona essa ferramenta de pesquisa, que faz a indexação de mais de 40 trilhões de páginas na web?
Talvez a única coisa correta nesse emaranhado de papéis seja o título, por meio do qual o autor – ou autores – tentam assassinar a reputação do ex-presidente Lula e demais autoridades e instituições que, pela sua ótica deturpada, tramaram pela sua exoneração.
A propósito, sou citado no livro em algumas passagens onde o autor falseia a verdade, inclusive atribuindo a si a minha indicação para fazer um curso fora do país. Ele mente. Nunca houve tal interferência. Minha conclusão? Ele – ou eles – vão precisar contratar bons advogados.
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Mauro Marcelo de Lima e Silva é delegado de polícia em São Paulo, foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e é ex-diretor de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo