D. Pedro 2º já passou por duas recauchutagens desde que a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz resolveu, para obter o grau de livre-docente pela USP, nos anos 1990, estudar a construção de sua imagem como monarca.
Na primeira renovação, livre de academicismos e detalhes teóricos, a tese se transformou no livro “As Barbas do Imperador”, que saiu pela Companhia das Letras em 1998, venceu o Prêmio Jabuti de ensaio e biografia e teve 50 mil cópias vendidas.
Agora, com 500 páginas a menos e ilustrada pelo cartunista Spacca, a pesquisa volta na forma de HQ, dirigida, segundo a pesquisadora, a um público mais jovem.
“O Barbas’ é centrado no simbolismo em torno da monarquia. Isso está mantido e, pode-se dizer, até ampliado, porque um livro em quadrinhos permite introduzir elementos visuais que deem essa dimensão. Não foi preciso simplificar as ideias, apenas a linguagem”, diz Lilia.
Uma intenção é apresentar ao público um imperador mais jovem do que aquele que entrou para a história.
Quando dava aulas em colégios, Lilia percebia que os estudantes com frequência pensavam em d. Pedro 2º como pai do 1º, já que este morreu novo, enquanto aquele aparece sempre velho em representações históricas.
Para a estudiosa, a imagem de d. Pedro 2º de barbas brancas faz parte de um trabalho de construção da memória que se estendeu por décadas.
“A barba foi usada como iconografia política. D. Pedro 2º começa a aparecer de barba em obras de pintores do Estado já no chamado golpe da maioridade, quando, aos 14 anos, vira rei”, conta Lilia.
No traço de Spacca, que dedicou quatro anos à adaptação, essa caracterização ganha força irônica, com uma penugem loura destacada no rosto infantil do imperador.
Parceria
Spacca e Lilia já tinham trabalhado juntos na HQ “D. João Carioca”, que teve 65 mil cópias vendidas desde 2007.
Embora parte daquele livro fosse baseada em “A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis” (2002), de Lilia, Angela Marques da Costa e Paulo Cesar de Azevedo, o processo desta vez foi diferente, já que “As Barbas do Imperador”, o livro de 1998, serviu como roteiro do início ao fim.
“Procurei manter a estrutura do livro dela. Há muitas frases literais mantidas”, diz Spacca, que fez extensa pesquisa iconográfica para reproduzir imagens históricas –como a coroação do imperador, a partir de tela de 1843 de Araújo Porto-Alegre, ou a visita da comitiva imperial ao Egito, conforme retrato de 1872 de O. Schoeff.
A parceria da antropóloga com o cartunista está garantida para pelo menos mais uma HQ. A dupla agora pretende retratar a Primeira República, em história que teria como “anfitrião” o escritor Lima Barreto (1881-1922).
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Raquel Cozer é colunista da Folha de S.Paulo