Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Não vai ter proibição a livro importado

O deputado paulista Vicentinho, líder da bancada do PT, finalmente retirou ontem (10.jun) seu projeto de lei 7.299, protocolado por ele na Câmara dos Deputados, e ironicamente em 1º de abril deste ano. A iniciativa propunha a proibição “aos órgãos públicos federal, estaduais e municipais, a aquisição de publicações gráficas de procedência estrangeira para utilização de qualquer espécie e natureza da administração pública”.

A proposta foi feita pelo deputado em atendimento a reivindicações de sindicalistas do setor gráfico, que já haviam dado à iniciativa a denominação de “PL do Livro”. Sua justificativa se limitava aos dois seguintes parágrafos.

A necessidade de crescimento da economia nacional obriga-nos a voltar as atenções aos produtos produzidos internamente. É impressionante o número de publicações gráficas que são utilizados nas administrações de órgãos públicos brasileiros, de forma que tais órgãos constituem-se em potenciais compradores, não devendo o poder público favorecer o mercado externo em detrimento das produções nacionais. 

Objetivando minimizar a constante evasão de divisas, este projeto vem contribuir para que haja o compromisso do poder público para com a economia nacional. Necessitamos de adoção de restrições à importação de livros e demais publicações gráficas comumente adquiridas.

O líder da bancada petista já havia anunciado na sexta-feira (6.jun), por meio de nota, que retiraria o projeto porque seu texto deixara margem para interpretações que não seriam condizentes com seu propósito de “defesa dos empregos e da indústria nacional do setor gráfico brasileiro”.

A nota destaca que as alíquotas de PIS e COFINS não incidem sobre os livros importados, mas que, no entanto, seus 9,25% são recolhidos de gráficas nacionais, “caracterizando um benefício fiscal ao importador e uma concorrência desigual, desleal e injusta às indústrias brasileiras”.

Confusão e reclamação

A vedação proposta continha uma ressalva com redação confusa:

Parágrafo único. Excetuam-se da utilização das publicações gráficas referidas neste artigo, as de natureza especial sem similaridade com produtos fabricados no país.

Por via das dúvidas, antes que isso fosse mais adiante, na segunda-feira (9.jun), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) afirmaram em carta ao deputado que a proibição que ele pretendia instituir prejudicaria a pesquisa científica no país e que não havia como emendar ou apresentar texto substitutivo ao projeto porque seu conceito era equivocado. Foram didáticos, como mostra o trecho a seguir.

No mundo globalizado em que vivemos a geração de conhecimento cada vez mais é internacionalizada. As pesquisas são desenvolvidas por meio de redes nas quais participam cientistas de várias nacionalidades. A cooperação internacional em ciência, tecnologia e inovação se torna condição básica para o desenvolvimento de qualquer país e instituição de ensino e pesquisa. E para que isto ocorra são pré-requisitos o acesso a publicações científicas e livros de várias nacionalidades, não só a brasileira, e o conhecimento da língua inglesa para tornar possível que os cientistas brasileiros entrem na era da internacionalização.

Distorções

O site do Sindigraf-PE (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Gráficas de Pernambuco) mostra o horizonte de referências da reivindicação, formulação e apresentação desse praticamente natimorto projeto de lei. Logo após o intertítulo “Triste realidade”, no texto que noticiou a ação do deputado, estava o seguinte parágrafo.

Apenas em 10 meses do ano passado (de janeiro a outubro), o Brasil já havia importado 18,7 mil toneladas de livros. O quantitativo corresponde a uma elevação de 9,3% quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria Gráfica. O órgão patronal também foi importante na construção do PL do Livro, de autoria do deputado federal Vicentinho.

Realmente, existe uma “triste realidade”, e ela pode ser verificada em diversos níveis. A começar pela ideia de corrigir uma desigualdade tributária por meio da mera proibição de importar os produtos, em vez de mudar a forma de aplicação dos tributos. Na verdade, dentro do próprio PT já crescia o receio de o “PL do Livro” ser considerado uma forma de censura.

Mas talvez o pior de tudo seja uma iniciativa tão mal formulada de autoria do líder do partido do governo conseguir chegar a se tornar um projeto de lei.

******

Maurício Tuffani é jornalista especializado em ciência, educação e meio ambiente