Um silêncio desconfortável. Um pequeno mal-entendido. A confissão impublicável. Impertinências. O nonsense puro. Para um dos jornalistas culturais mais conhecidos dos Estados Unidos – que já entrevistou de Pink Floyd a Britney Spears a soldo de veículos como a revista Rolling Stone e o jornal The New York Times – esses bem que poderiam ser acidentes de percurso. No melhor caso, passagens desbotadas na memória de quem escreveu mais de três mil artigos em cerca de duas décadas de carreira.
Mas Neil Strauss, 40, encontrou utilidade para esses momentos em Everyone loves you when you’re dead, livro de 2011, que enfim sai no Brasil como Fama & loucura (editora BestSeller). Ele voltou a se engalfinhar com o material bruto de suas inúmeras entrevistas e, de 228 delas, pinçou o que havia de mais revelador para a obra (leia destaques abaixo), organizada em forma de comédia em dez atos. “Algumas pessoas ali são muito famosas no Brasil. Outras são obscuras até aqui nos Estados Unidos. Mas este não é um livro sobre celebridades. É sobre a natureza humana”, diz, em entrevista ao Globo, por telefone.
Strauss não pôs datas nas entrevistas publicadas (“Queria que o livro fosse atemporal, que durasse para além das entrevistas”, diz), mas deixou pistas que permitem reconhecer em que época foram feitas. E que dão a perceber sua evolução como entrevistador – e como ser humano. “Quanto você tem a chance de se sentar com alguém que é tão famoso, que vive quase numa outra realidade, há muito o que aprender com ele. Vejo isso pela minha entrevista com o Led Zeppelin. Eu era tão jovem, inexperiente, e acabei fazendo um monte de perguntas sobre sexo.”
Mais velho, entrevistando Lady Gaga, Neil Strauss quis saber como ela lidava com seus relacionamentos. “Todo mundo que eu entrevistei, seja Chuck Berry, o inventor do rock’n’roll, ou Gaga, que estava vivendo seu grande momento de fama, se sentia perseguido”, compara ele, lembrando o constante embate entre astros e imprensa. “Eles acreditavam no que de negativo era publicado sobre eles. Acho que, especialmente na cultura de hoje, deve-se viver com o que se é, não com o que dizem sobre você. Há sempre quem vai querer sua desgraça quando você faz sucesso. É por isso que o livro se chama Everyone loves you when you’re dead (Todo mundo ama você quando você está morto, em tradução livre). Quando você morre, afinal, não oferece mais competição.”
“Gosto de ser uma espécie de detetive”
Em 20 anos, muita coisa mudou no mundo e na forma como os artistas lidam com a imprensa, lembra Strauss, que chegou a passar três dias sem dormir, acompanhando as excentricidades de Courtney Love.
O que mudou muita coisa também foi o fato de o jornalista ter escrito The game (de 2005, lançado no Brasil três anos depois como O jogo – A Bíblia da sedução). Um relato de quando ele se infiltrou num grupo de especialistas na arte da conquista feminina e saiu de lá como um mestre, de codinome Style – ou seja, passou de nerd a Don Juan em um flash. O livro fez tanto sucesso que o jornalista virou celebridade, do mesmo tipo que costumava entrevistar. No fim, O jogo é uma daquelas histórias que se leem com a impressão de que se está diante de uma divertida obra de ficção.
“Em todo livro que escrevo, as pessoas perguntam algo. E em O jogo era: ‘Isso tudo é verdade?’ Pois 100% daquilo realmente aconteceu. É tão extremo que as pessoas acham que inventei. Se fosse eu lendo essa história, provavelmente ia fazer graça. Mas tendo feito parte dela… Foi a maior mudança que sofri na vida” jura ele, para quem qualquer assunto pode render uma boa história, desde que investigada a fundo. “Se você for escrever sobre pregos, você chega à fabrica onde eles foram fabricados e eventualmente descobre um caso de corrupção por trás. Uma máfia dos pregos, com gângsteres e tudo mais. O triste hoje é que a internet requer tanto conteúdo que muitas pessoas não têm mais tempo ou liberdade para passar uma, duas semanas, trabalhando num grande artigo. Todas as histórias interessantes estão por aí, mas precisam de tempo, de dedicação e de pesquisa.”
Exemplos desse pensamento estão à solta em Fama & loucura, como quando ele investigou o paradeiro de estátuas de cera do antigo Museu do Country de Nashville (a história foi parar na capa do New York Times, em 1999) e quando entrevistou Von LMO, cantor da cena no-wave de Nova York que sumiu após um show em 1981 e reapareceu, do nada, dez anos mais tarde, dirigindo um Cadillac dourado na contramão. “Adoro fazer isso. Quando o One Direction lança um álbum, todo mundo quer ler sobre eles. Eu estou mais interessado no que vai acontecer ao One Direction em 20 anos. Talvez haja algum integrante que desapareceu. Talvez porque tenha enlouquecido, virado viciado ou apenas se casado. E aí a história fica interessante. Até ali, ela é entediante”, disserta. “Gosto de ser uma espécie de detetive, descobrir pessoas que sumiram, com histórias a contar, que não façam parte da máquina promocional.”
Foi assim no Brasil, que Neil conhece de algumas visitas profissionais (ele cobriu um Rock in Rio e entrevistou nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso). O país está representado no livro por um trecho das conversas que ele teve com o DJ Marlboro e com o Mister Catra, em excursão pelo Rio, nos anos 2000, na qual passou pela Cidade de Deus e por Rio das Pedras. “Ir ao baile funk naquela época em que ele era tão polêmico foi fascinante. Pude estar no meio de uma cultura musical vendo a forma em que ela era criada e vivida. Quando aquilo chegou à América, foi já como nostalgia. Também foi muito importante ter tido a chance de ver a diferença entre a forma com que o funk era mostrado na mídia e a forma como ele é de fato experimentado”, conta.
As entrevistas com famosos, que tanto mobilizaram Strauss, hoje estão sendo deixadas de lado, em prol dos livros. Além de cuidar de um selo editorial, o Igniter, ele lança em breve dois novos volumes: a biografia daquele “que é provavelmente um dos músicos mais perigosos do mundo” e uma continuação de O jogo, chamada Game over, “que é sobre relacionamentos”. “Hoje, só entrevisto alguém se sou apaixonado pelo assunto. A Rolling Stone queria que eu fizesse um artigo sobre a Mariah Carey. Nunca fui grande fã dela, nem era o meu gênero de música. Eu teria que ouvir todos os seus discos, ver seus filmes. Talvez não houvesse dinheiro suficiente para me pagar por aquilo! Ela até tinha lido O jogo para se preparar para a entrevista. Quando o assessor de imprensa disse que não ia ser eu o repórter, ela falou: ‘Pô, li o livro à toa!’”, diverte-se Strauss.
******
Silvio Essinger, do Globo