O português, a língua mais falada no Hemisfério Sul, a terceira mais usada no Facebook e a quinta na internet, completa oito séculos. Os 800 anos foram estabelecidos com base em alguns dos documentos mais antigos redigidos no idioma de Camões, entre os quais foi eleito o testamento de dom Afonso II, datado de 27 de junho de 1214. Atualmente, o português é falado em cinco continentes por mais de 250 milhões de pessoas e as previsões indicam que em 2050 atingirá 300 milhões. Pelos dados do Internet World Stats, é um dos idiomas que mais cresceram na rede entre 2000 e 2010, perdendo apenas para russo e árabe. Mesmo assim, ainda representa só 3,9% dos usuários ante 26,8% do inglês.
Ainda que seja idioma oficial dos oito países que pertencem à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), apenas no Brasil e em Portugal toda a população é contabilizada como falante. Nas demais ex-colônias portuguesas, a língua convive com outros dialetos. No entanto, a pujança econômica de Angola e o fato de o Brasil ser a sétima economia do mundo fazem que já tenha sido classificada como a nova língua do poder e do comércio. Em seu Relatório de Línguas para o Futuro (2013), o British Council considera que o português será um dos dez idiomas estrangeiros mais importantes nos próximos 20 anos no Reino Unido.
Todos esses números, relacionados pelos promotores do idioma, não escondem as dificuldades que existem para sua propagação. “A reforma ortográfica foi apenas a ponta do iceberg. Nossa missão, agora, é criar uma normatização convergente que reconheça heranças e diferenças”, diz Gilvan Oliveira, diretor-executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa e professor de política linguística na Universidade Federal de Santa Catarina. “Temos uma normatização divergente, consequência de uma gestão nacional da língua, uma feita pelo Brasil e outra por Portugal, desde o início do século XX [os demais países ainda não eram independentes]. Temos tudo em dobro: dicionários, gramáticas, nomenclaturas, corretores ortográficos, geradores de voz [como no caso do GPS].”
Oliveira é um dos coordenadores do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que está sendo preparado por todos os países da CPLP. Trata-se de uma base de dados digital, que poderá ser ampliada e reformulada sempre que necessário. Neste mês, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, a primeira versão do VOC, feita por Portugal e Brasil, terá o acréscimo de Moçambique e Timor Leste, que vão entregar seus vocabulários nacionais. A ideia é desenvolver instrumentos comuns para uma gestão multilateral da língua. O que não significa eliminar diferenças.
No futuro, expressões como café da manhã, pequeno-almoço ou mata-bicho estarão no VOC. As três significam exatamente a mesma coisa. Tudo depende se a refeição é feita no Brasil, em Portugal ou Moçambique. “Queremos as variedades de todas as nacionalidades. No século XXI não se pensa mais em termos de um país, um povo, uma língua. A tendência é que os países queiram dispor de mais línguas como instrumento de relação, contrariamente ao ideal de Estado monolíngue dos séculos XIX e XX”, diz Oliveira.
Valor agregado
A iniciativa de criar a data é de um grupo da sociedade civil, sem fins lucrativos, que reúne gente de diversas formações: literatura, comunicação, história, economia, arquitetura e artes plásticas. Nossa língua “é o som presente deste mar futuro”, afirma a presidente da 8 Séculos da Língua Portuguesa-Associação, Maria José Maya, citando o verso de Fernando Pessoa. Com ele, convida pessoas e instituições “de todas as geografias” a participar.
“Nosso trabalho é comemorar a língua 365 dias no ano. Preservar o idioma, valorizá-lo e contribuir para sua ampliação”, diz o diretor do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, Antonio Sartini. Em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian, formata um evento no Brasil que ocorrerá em novembro, para não coincidir com a Copa.
Sartini informa que o interesse pelo aprendizado do português no mundo é crescente. E cita as demandas cada vez mais frequentes que o museu paulistano tem recebido de universidades americanas. Além do aspecto econômico, que é relevante, atribui a isso o interesse pela nossa cultura: “A cultura brasileira, especialmente a música, é apreciada no mundo todo. O português é uma língua que se adapta bem às influências de outras. Hoje temos verbos como clicar e deletar com todas as declinações. Todas essas coisas agregam valor à língua, que é a forma que temos de exprimir ideias.”
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Maria da Paz Trefaut, para o Valor Econômico