“A Prática do Super 8”; “Alongue-se”; “Releasemania”.
Com títulos inusitados, que deixavam os livreiros desconfiadísimos quanto à viabilidade comercial, Raul Wassermann erguia a Summus quatro décadas atrás, atendendo a leitores que descobriam campos do conhecimento então novos no país.
O perfil multidisciplinar da casa editorial, voltada para o que havia de novo em ciências e humanidades, desde o começo refletia o estilo do seu dono. Um descendente de judeus migrados da antiga Bessarábia, hoje Moldávia, ele nasceu em Santos e herdou da mãe, leitora compulsiva, o gosto por livros. Formou-se em engenheira, estudou também matemática e jornalismo, enveredou pela publicidade e turismo, mas sempre quis ser mesmo administrador de empresas, um empresário. Na época da faculdade, passou pela metalurgia e fez política, depois entrou como sócio de uma gráfica, a Planinpress, que se tornaria uma das maiores produtoras de house organs no país, publicações empresariais que então proliferavam, na virada dos anos 1960 para 1970. “Era já o início da Summus”, diz Wassermann em entrevista ao Valor, na sede atual da editora, em Perdizes, São Paulo.
O primeiro sucesso foi o livro que ensinava a filmar com Super 8. Escrito por P. Dargy e N. Bau, teve adaptação de Abrão Berman para a edição brasileira. A ideia de lançá-lo surgia de um interesse pessoal: o jovem editor acabara de comprar seu próprio equipamento e pretendia filmar duas festas caseiras: os três anos da filha mais velha e os 70 anos do pai. “Como fuçador de livros, fui atrás de bibliografia que não existia. Esse, encontrei em francês.” Berman era uma das figuras mais proeminentes do movimento “superoitista” na capital paulista, criador de filmes experimentais independentes. “Foi um estouro, os livreiros passaram a vir nos procurar”, recorda-se. Um estouro, para uma editora estreante naqueles dias, era vender rapidamente 20 mil exemplares, quando se costumava comemorar quando se esgotavam apenas 3.000 de uma única edição.
Com a ajuda de psicólogos, pedagogos, comunicólogos e especialistas das diversas áreas nas quais passava a atuar, Wassermann descobria tendências, indicação de bibliografia, autores para atender a um público que buscava especialização. Desbravou, assim, campos como a psicoterapia corporal encontrando livros na Califórnia, lançou a neurolinguística que chama de “séria” muitos anos antes de virar moda, aproveitou o boom de relações públicas – foi assim que saiu outro dos best-sellers da casa, “Releasemania”, de Gerson Moreira Lima. Não raro convidava amigos que se destacavam nas universidades para escrever títulos e dirigir coleções, como Fanny Abramovich, à frente da coleção de educação.
Outro dos estouros, “Alongue-se”, de Bob Anderson, introduziu o alongamento no Brasil. Wassermann recorda que as vendas foram surpreendentemente impulsionadas com a propaganda gratuita de um preparador físico do Palmeiras. De início, ninguém poderia prever que estouraria. “Com esse título você acha que vai vender?” – foi a pergunta que o editor escutou de um amigo livreiro. Para tornar a previsão de prejuízo ainda mais certa, não se tratava de uma obra barata – o preço era um pouco acima da média. Outro dono de livraria teria dispensado o vendedor da Summus, alertando-lhe que a edição americana estava encalhada na loja fazia tempo. Desde que foi lançado, já ultrapassou os 200 mil exemplares.
Experiência e feeling
Quando ainda estava em seus primeiros anos, a Summus também viu vendas alavancadas por causa de um programa de TV. Ocorreu com “Minha Profissão É Andar”, de João Carlos Pecci, irmão de Toquinho e apadrinhado por Vinicius de Moraes. Eis que o apresentador Flavio Cavalcanti, numa sexta-feira, véspera de Carnaval, lê um dos trechos mais emocionantes no ar e leva um dos jurados às lágrimas. Cavalcanti deu nome e endereço da editora. Na Quarta-Feira de Cinzas os pedidos explodiram. “Era a época do reembolso postal preenchido à mão. A família inteira teve de participar. Até grandes redes que geralmente não abriam as portas para nossos livros vieram nos procurar.” Imprimiu 3.000 atrás de 3.000 exemplares.
Em quatro décadas Wassermann lançou cerca de 1.500 livros. Para melhor defini-los, melhor o termo “long-sellers”. No catálogo, mantém 1.200. “Tenho livros com mais de 30 anos. Continuam a ser editados se vendem 500 ou 5.000 exemplares por ano. Muitos deles são hoje clássicos em suas áreas.”
A certa altura a Summus investiu em literatura brasileira – ficção, ensaios e infantojuvenil. Entre os autores, incluía Affonso Ávila (1928-2012), Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Angelo e Osman Lins (1924-1978). Refere-se ao período como o do “boom que não houve para os autores brasileiros”. Interrompeu essa vertente para concentrar-se na não ficção. Nessa época de ditadura, arriscou-se com lançamentos como “Circo dos Cavalões” (1978), de Lourenço Diaféria (1933-2008), cronista paulista que mexia com o brio dos generais fazendo piadas sobre Duque de Caxias e outros símbolos patrióticos. “Era a nossa primeira vez numa Bienal do Livro, e a resposta que tivemos foi uma fila enorme para pegar autógrafos. Assim fomos fortalecendo nossa identidade.” Apesar de discretos, seus livros eram sobretudo intelectualmente subversivos.
Na busca por nichos, constata que dois dos que considera os mais prósperos em mercados como o americano não tiveram ainda o mesmo resultado no Brasil: o GLS e o Selo Negro. “O selo GLS se sustenta, mas diminuímos muito os lançamentos. Quanto ao Selo Negro, vendemos alguma coisa, mas considero minha contribuição para a cultura nacional.” Um dos que mais se orgulha é “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana”, de Nei Lopes, que levou mais de uma década para ser concluída. Wassermann conta que foram outros cinco anos para tentar publicar, sem apoio, apesar de ter procurado em ministérios relacionados. Seus investimentos na cultura afrobrasileira são anteriores à lei de 2003 que determina o ensino desses conteúdos nas escolas.
Editora que apostou em leitores das faculdades antes do boom das editoras universitárias, a Summus procurava manter a seriedade na escolha dos títulos – sem deixar de, por vezes, fazer alguma graça sutil, até para alcançar público maior. “Às vezes a gente fazia títulos mais leves, mais jocosos.” Sem apelar, no entanto. “Existe limite estreito entre fazer coisa séria e cair na picaretagem.” Também resistiram à tentação de fazer algo mais comercial. “Aconteceu em algumas ocasiões de avaliarmos mal um título e o público cair de pau. Então recebemos carta de leitor que achou absurdo nossa editora ter publicado livro que não era tão respeitado.”
Mantendo a linha, ainda assim foi uma das primeiras editoras numa extravagante aventura de marketing: colocar anúncio em outdoor. Operação que costuma ser caríssima para uma casa editorial, teve custo zero porque o autor era publicitário e tinha créditos com a agência. Um telejornal mostrou no ar os anúncios espalhados pela cidade. “Gastar em publicidade para recuperar não é fácil. Qualquer centavo repercute no preço de capa, ainda mais para uma editora com nosso perfil.”
Com público segmentado e fiel, logo Wassermann se deu conta do valor dos congressos das áreas. “Por vezes são mil de nossos compradores reunidos no mesmo local. Há livros que vendem pouco durante o ano mas saem bem em eventos como esses.” É por isso que, como diz, desistiu já das Bienais e permanece nos congressos.
Ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro por duas gestões, é hoje, em artigos e entrevistas, uma das vozes mais ativas no debate sobre o formato atual das Bienais. Acredita que se constituem hoje em iniciativas dispendiosas e de pouco resultado. “Sempre defendi uma versão mais light, [voltada] para o desenvolvimento do mercado. Eu me preocupava com sua transformação em feirão”, escreveu em artigo para a “Folha de S. Paulo” em 2012.
Como costuma repetir, o charme hoje foi para Paraty, referindo-se à Flip, neste ano a se realizar no começo de agosto. “O público que nos conhecia na Bienal agora está comprando pela internet. As feiras setoriais valem hoje mais a pena.” Lamenta que a classe não seja mais unida para encontrar soluções. “Tanto que há umas 30 entidades, quando não precisava nem de metade delas. Só falta criar uma Câmara Brasileira de Editores da Perdizes”, brinca. Argumenta que, em vez de entidades paralelas, era preciso ocupar a CBL.
Com tanto para ser feito até a década de 1980, Wassermann diz que as editoras eram bem-sucedidas comercialmente. “Ganhava-se dinheiro com livro nessa época, e quem veio antes ganhou muito mais”, avalia. “Tínhamos muitas livrarias, muito menos editoras que hoje.” As condições atuais são muito distintas. “Editar é cada vez mais fácil, o problema é colocar o livro nas mãos do leitor. Antes havia mais pontos de venda e as redes hoje funcionam como supermercados. Girou, o livro aparece. Senão está fora.” Em contrapartida, o “mailing” constitui instrumento poderoso para uma editora como a Summus. “Sabemos onde mora cada leitor. O ‘e-commerce’, no nosso caso, responde por cerca de 30% a 40% do faturamento. Às vezes até mais.” Ainda assim, com condições distintas, repete. O correio hoje custa mais caro que antes. “Os custos aumentam, mas as tiragens, não.” Para acompanhar a mudança digital, estão refazendo contratos para incluir o formato – já são quase 200 “e-books”, menos de 2% de faturamento, mas crescendo.
Quanto às tiragens, depois de décadas de experiência, diz que “ainda é ‘feeling’, e tem muita aposta”. Avalia que a impressão sob demanda, introduzida há pouco no país, funciona mais para autopublicação. “Se o autor paga R$ 15 por exemplar, pode vender por R$ 30. Mas uma editora que faz um livro a R$ 15 tem de vendê-lo por R$ 120.” Este ano considera quase como sabático: estão sendo lançados três títulos por mês, quando a média são seis ou sete. “Com o tempo, vamos entendendo melhor do estoque. A gente tem permanentemente 1 milhão de exemplares no depósito. Não dá mil por título.” Por ano, são vendidos aproximadamente 400 mil exemplares. A Summus não divulga o faturamento.
História e ficção
Wassermann então interrompe para perguntar à reportagem se conhece a famosa piada sobre como se suicida um editor. “Não? Atirando-se do alto dos estoques”, sorri.
O atual movimento de consolidação do mercado editorial brasileiro deve ser visto com cautela. “Pode vir a significar domínio do conteúdo nacional”, pondera. “Gostaria que acontecesse na forma de grandes comprarem pequenos nacionais.” Teve oferta de um fundo de investimento, que descartou. “A concentração é um problema sério para pequenas e mais ainda para médias, como nosso caso, que é pequena em resultado e grande em custos operacionais.”
Aos 70 anos, Wassermann brinca dizendo que a melhor maneira de desenvolver o mercado editorial é mesmo comprando livros – o que faz particularmente quando o assunto é história contemporânea ou a ficção de Amos Oz ou Philip Roth. De todo modo, não se arrepende por não ter continuado com o Super 8.
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Joselia Aguiar, para o Valor Econômico