Enquanto o governo decide se concede aos e-books as mesmas isenções tributárias dadas ao livro de papel e resolve se os aparelhos de leitura de livros digitais devem ou não receber o mesmo incentivo, as obras virtuais são cercadas por outra discussão: como os editores chegam a seus valores e por que há tanta discrepância entre eles? Enquanto grandes editoras optam por praticar uma política de preços padronizada, ainda que haja exceções, pequenas editoras chegam ao mercado com o objetivo de trabalhar com o livro digital a um valor reduzido.
A política de editoras como a Companhia das Letras e a Record é clara: o livro digital custa aproximadamente 30% menos do que sua versão física. Essa redução corresponde à economia das empresas ao eliminar do processo editorial o papel, a gráfica e a logística de distribuição. “O grande trabalho editorial não muda tanto. Precisamos encontrar os melhores autores, textos, lapidá-los e alcançar os leitores. Às vezes esse trabalho até cresce pela especificidade dos formatos”, diz Fabio Uehara, supervisor da área digital da Companhia das Letras, editora que verte para e-book 90% dos seus lançamentos. Já Sergio Machado, presidente do Grupo Record, aponta que a baixa escala de vendas ainda é problema: “Para um editor, o livro digital representa o mesmo trabalho, mas com vendas bastante baixas, que ainda não trazem valores significativos”.
Por outro lado, editoras que trabalham apenas com livros virtuais possuem política diferente na hora de formar o preço de seus produtos. Sem precisar se preocupar com os custos que envolvem uma obra feita em papel, as atenções se voltam para outros fatores. “A questão para a gente é ganhar o leitor por impulso. É difícil você decidir fazer o download de algo caro na internet. Você tem de olhar, comprar e pronto”, diz Schneider Carpeggiani, editor da Cesárea, cujos primeiros títulos lançados foram “Polaróides – E Negativos das Mesmas Imagens”, de Adelaide Ivánova (R$ 7,00) e “Aspades ETs Etc”, de Fernando Monteiro (R$ 6,50). “Talvez a diferença no preço tenha relação ao trabalho maior que tivemos com o ‘Polaróides’, que não existia antes. Nesse momento inicial de editoras independentes de e-books no Brasil, o mais importante é dizer que existimos. É dizer que somos possíveis.”
Editora que segue caminho semelhante é a e-galáxia. “Para chegar ao preço de uma obra, levamos em conta o investimento feito, a projeção de vendas e as expectativas de lucro. Assim como no impresso, os livros devem passar por edição, revisão, projeto gráfico, paginação e, conforme a estratégia, marketing e assessoria de imprensa”, afirma o editor Tiago Ferro, que aponta outros dois fatores a favor do e-book. “O livro digital nunca esgota e as redes sociais fazem a diferença para novas formas de divulgação. Cada autor passa a ter relação direta com seus leitores, e a obra está a apenas alguns cliques deles.”
É da e-galáxia o selo Formas Breves, comandado pelo escritor Carlos Henrique Schroeder, que publica semanalmente contos de autores como José Luiz Passos, Elvira Vigna e Nuno Ramos. Com média de 16 páginas, esses textos custam R$ 1,99. “É algo simbólico, para mostrar a viabilidade de uma coleção de contos portátil. Trabalhamos com o preço fixo para que o único juízo seja realmente o de valor literário, não o mercadológico, pois nossa intenção sempre foi defender e difundir o conto”, diz Schroeder. Pelo visto, o projeto vem dando bons resultados. Os contos da Formas Breves já apareceram nove vezes dentre as dez obras mais vendidas da loja virtual da Apple.
Preço adequado
Algumas grandes editoras também têm iniciativas semelhantes. A própria Companhia possui o selo Breve Companhia, exclusivamente digital, com títulos entre R$ 1,99 e R$ 5,99, e já fez a experiência de lançar uma obra de forma seriada exclusivamente no formato virtual: “Por Que Você É Minha”, de Beth Kery, foi dividida em oito partes, cada uma ao preço de R$ 2,99. A editora também possui a “Trilogia dos Guardiões”, de L.M. Martins, lançada exclusivamente em e-book a R$ 9,99 cada título.
Esses preços mais acessíveis, se não trazem cifras que sustentem um grande grupo editorial, podem ser uma estratégia para a divulgação. “É interessante e, se conseguir atingir uma quantidade grande de pessoas, o livro pode ter uma boa recepção e detonar um favorável processo de boca a boca. Dependendo da maneira que essas editoras trabalham, os custos são bastante baixos. Então, se o objetivo for mais a divulgação da obra, não vejo por que não possam sobreviver com isso. É um jogo de tostões, medido em valores pequenos. Mas não é uma estratégia vantajosa para uma editora grande, com custos altos”, diz Machado.
Uehara e Machado garantem que na Companhia e na Record os escritores recebem o mesmo valor tanto pelo livro físico quanto pelo digital vendidos. O selo Formas Breves prevê 20% das vendas dos contos para os autores – “o dobro do que paga uma editora convencional em royalties de livros físicos”, diz Schroeder. Já a política da Cesárea é mais agressiva: 50% das vendas vão para o autor e os outros 50% para editora.
As livrarias também têm interesse direto na questão. Na Cultura, as vendas de e-books correspondem a 5% do total de comércio de livros e cada cliente costuma gastar cerca de R$ 25,00 nas compras de obras virtuais. “O preço está de acordo com o que tem de qualidade para se ler, e o leitor identifica isso. Temos títulos baratos e eles não estão entre os mais vendidos”, diz Jonas Antonio Ferreira, diretor de negócios digitais da livraria. “Chegamos a notar que, quando há um grande lançamento, o livro digital corresponde a até 40% das vendas que ocorrem pela internet.”
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Rodrigo Casarin, para o Valor Econômico