Em Paraty, na última Flip, viam-se estrangeiros por todo lado. Nem falo do hare krishna peruano, que abordava os que faziam o caminho da tenda principal ao centro histórico. Tampouco me refiro aos autores, porque todos os anos eles vão.
Falo dos agentes, dos editores e dos turistas, cuja razão para estar lá era o interesse, profissional ou pessoal, pela literatura brasileira.
Pelo menos em parte, esse interesse crescente que observei pode ser creditado à participação do Brasil em feiras literárias internacionais como Frankfurt, Guadalajara e Buenos Aires, nas quais o país tem, recentemente, promovido sua literatura de forma ativa e eficiente.
Essa política de promoção tem como eixo central um programa de apoio à tradução de autores brasileiros, que auxilia, por meio de bolsas, editores que tenham interesse em publicar e difundir literatura brasileira em outros países, mas que não disponham de recursos para traduzi-la. O programa foi estabelecido pelo Ministério da Cultura, em 2011, com o objetivo de manter-se até 2020.
Para padrões governamentais, trata-se de programa modesto (R$ 2,7 milhões para o período 2011-2013) e eficaz. Depois de sua implementação, o número de livros brasileiros traduzidos e publicados no exterior começou a crescer. De 37 em 2011 passou a 141 em 2012. No ano passado, chegou a 210.
Mas parece que o governo mudou de ideia.
Segundo reportagem de “O Globo”, o Ministério da Cultura teria cortado o orçamento do programa em 30%. Em 2014, apenas 68 projetos teriam sido aprovados até agora. Mesmo na hipótese remotíssima de que esse número venha a triplicar até o final do ano, ficaremos abaixo dos níveis de 2013.
Saramago
Tradução não é apenas uma questão de palavras ou de livros, mas de tornar compreensível um universo cultural inteiro. A melhor explicação de nosso povo, de nossa sociedade, é dada pela literatura. São retratos por escrito de quem somos. É uma forma de nos apresentarmos ao mundo.
A decisão do governo de mutilar o orçamento do programa de tradução interrompeu um ciclo virtuoso da difusão da literatura brasileira no mundo. O prejuízo é histórico. Não pode se agravar.
O processo de afirmação de uma literatura é longo. Se não continuarmos a marcar presença no mercado internacional, o trabalho feito se perde. Aí, quem acaba traduzido é o autor argentino, sueco ou japonês, que tem apoio para apresentar-se em outras línguas.
A decisão de corte orçamentário representa um preocupante ponto de inflexão. Tem de ser revista.
Expressamo-nos em uma língua nobre, mas isolante. A quinta mais falada no mundo, mas de alcance limitado, em que 85% dos falantes se concentram entre Brasil e Portugal. Fora dos países lusófonos, nossa expressão é restrita.
José Saramago, que escrevia em português e ganhou o Nobel de literatura, dizia que os autores fazem as literaturas nacionais, mas que os tradutores fazem a literatura universal. Ele está certo. O resto do mundo precisa conhecer melhor o Brasil. Precisamos de mais tradução, não menos.
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Alexandre Vidal Porto é colunista da Folha de S.Paulo