“Latitudes” é a coleção de e-books que estreou recentemente para apresentar a ficção brasileira de fora dos grandes centros. De escritores pouco conhecidos, alguns ainda inéditos, os títulos chegam aos leitores em formato digital, adquiridos via e-galáxia para todas as plataformas.
O novo selo “busca superar barreiras geográficas, distâncias, complicações da logística de distribuição de livros físicos, apostando no crescimento evidente da leitura digital no Brasil e no mundo, para trazer à luz a literatura de grande qualidade produzida por todo o país, longe dos holofotes mais potentes”. As editoras são Mirna Queiroz, à frente da Mombak, que edita a revista “Pessoa”, de literatura lusófona; e a escritora Maria Valéria Rezende, santista radicada em João Pessoa, do recente “Quarenta Dias” (Objetiva), convidada para a curadoria.
Os cinco primeiros escolhidos sairão em sequência: “Aqui as Noites São Mais Longas”, de Geraldo Maciel, “A Paixão Insone”, de Ronaldo Monte, “O Beijo de Deus”, de Dôra Limeira, “Já não Há Golfinhos no Tejo”, de Joana Belarmino, “Palavras Que Devoram Lágrimas”, de Beto Menezes. Três são da Paraíba, um de Alagoas, outro de Pernambuco.
O que caracteriza esses novos textos está longe de poder ser chamado, como no passado, de “regionalista”. Como explica a curadora, a velha etiqueta hoje é redutora. As temáticas e os estilos são dos mais variados e abertos. “A diferença está no talento de cada autor, matizado por um ponto de vista próprio que absorve, certamente, muita coisa do contexto em que vive e por isso mesmo revela um Brasil mais amplo e em acelerada transformação, para o bem ou para o mal. Outra diferença, a meu ver importantíssima, é que voltamos a poder apreciar a imensa riqueza de nossa língua, que corre o risco de ficar esquecida e só se recupera ‘ouvindo’ outros modos de dizer que não apenas o que impera numa ou outra região restrita.”
Não foi difícil encontrar os talentos que iria incluir na estreia. “Num primeiro momento, nem tive de me esforçar”, conta Maria Valéria. “Tenho inúmeros amigos aqui pelas redondezas, ou mais além, que considero escritores excepcionais, e tinha a certeza de que guardavam originais valiosos nas gavetas, porque escrevem constantemente, por gosto e necessidade interior. Vários com belos livros publicados apenas em pequenas tiragens locais, já esgotados e pouco conhecidos fora de suas regiões, pelas razões que podemos facilmente imaginar, dado que a ampla distribuição do livro de papel e a divulgação pela dita ‘grande imprensa’ ou ‘nacional’ é quase inacessível para o que se produz e edita fora do suposto centro do país.”
Se por ora inclui gente de suas redondezas, a curadora informa que não será uma coleção só de escritores do Nordeste. A pesquisa em outras regiões já começou. Como diz, “o melhor de tudo é ver confirmada a minha intuição de que a literatura brasileira pode ser muito mais ampla do que se crê”.
Na Mombak, Mirna anuncia que já se desenha para 2015 uma coleção com escritoras contemporâneas de língua portuguesa. “Achamos que elas também não têm recebido o destaque que merecem.” Esse tipo de projeto não requer investimentos vultuosos, explica a editora, para quem o papel de uma iniciativa independente como a sua é “arriscar, parir o diferente, o desconhecido.”
Redes sociais
Para a literatura brasileira, ainda na busca por leitores em meio à dificuldade de circular, os selos digitais são a mais nova – e potencialmente próspera – possibilidade de edição.
Antes do “Latitudes”, esse território vinha sendo conquistado nos últimos meses pelo selo Formas Breves, comandado por Tiago Ferro, da e-galáxia – a mesma que faz a distribuição do “Latitudes” –, com curadoria de Carlos Henrique Schroeder, catarinense que está lançando “As Fantasias Eletivas” (Record). No Formas Breves, privilegia-se o conto: um por semana, ao preço de R$ 1,99. Alternam-se os mais importantes e os jovens estreantes brasileiros.
“A expectativa era dar espaço para bons contistas, iniciantes ou experientes. A repercussão superou as expectativas”, comemora Ferro. “Vários títulos figuraram entre os mais vendidos da Apple Store na categoria ficção e literatura, ao lado de nomes como John Green e E.L. James. Um feito para contistas nacionais”, completa. “Averrós”, de José Luiz Passos, pernambucano radicado nos EUA, é o mais vendido, seguido por “Onde um Bicho Cabe”, do paulista Nuno Ramos, e “Lígia”, do jovem autor carioca Victor Heringer. Estreantes chegaram a vender mais do que em um lançamento tradicional.
Sem tiragem estipulada, os títulos estão sempre à disposição. “É importante mencionar que como os livros não esgotam e estão sempre a alguns cliques de distância dos leitores, acontece muito de alguém comprar o último conto lançado e voltar até o primeiro para comprar a coleção completa”, conta o editor. “Essa agilidade de acesso só é possível no formato digital.”
Ferro acredita que há uma nova dinâmica surgindo para a literatura nos meios digitais. “Uma série de restrições ‘impostas’ pelo modelo impresso somem: não há o problemático cálculo de tiragem que tanto interfere no preço de capa do livro; os custos de produção são muito baixos, já que não há gráfica, distribuição e armazenagem; jovens autores são distribuídos nas melhores lojas, e seus livros são um link tanto quanto os maiores best-sellers; o número de páginas não é mais um grande limitador: é possível publicar um único conto de 10 páginas ou uma coleção de 7 volumes de 500 páginas cada um, ambos por preços acessíveis”.
Como lembra, quando se fala em formato digital e jovens autores, há que considerar o papel das redes sociais para a divulgação. “Sem elas, o livro de um jovem autor seria um link perdido nos algoritmos do Google. Não é mais. As possibilidades de produção e acesso são muito estimulantes para autores e leitores.” De tão entusiasmado com o resultado, a e-galáxia lança novo selo em breve, “Jota”, de jovens e autores consagrados, com curadoria de Noemi Jaffe, escritora e crítica literária. Como prévia, ela lançou na Bienal do Livro de São Paulo seu novo livro de contos, o e-book “Comum de Dois” – diálogos, entre melancólicos e engraçados, de um casal.
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Joselia Aguiar, para Valor Econômico