Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um olhar privilegiado

Quando Evandro Teixeira conseguiu seu primeiro estágio, no fim de 1957, no “Diário da Noite”, deram-lhe uma lista de igrejas do Rio e a missão de trazer fotos de casamentos, para uma seção de página inteira no jornal dedicada aos matrimônios na cidade. Evandro fotografou um casamento misto, de uma alemã com um negro, única restrição de uma orientação racista da publicação, e quase acabou ali a sua chance de se tornar um dos maiores fotojornalistas do Brasil.

A segunda chance, no mesmo jornal, ele também deixou escapar: não conseguiu chegar ao terceiro andar do Teatro Municipal onde, no baile de carnaval de 1958, se realizava o desfile de fantasias. Na terceira e derradeira oportunidade do “baiano burro” – o politicamente correto, ou, no mínimo, a elegância passava longe das redações naquela época –, fotografou com beleza e criatividade as escolas de samba na Avenida Rio Branco. Começava ali uma carreira que completa agora 50 anos e é contada no livro “Evando Teixeira – Um certo olhar”, de Silvana Costa Moreira, com lançamento nesta quarta-feira, às 19h, na Livraria da Travessa do Leblon.

O volume é o primeiro sobre Evandro, que já tem sete livros de fotografia publicados, entre eles o contundente “Canudos – 100 anos”, em que registrou, em 1997, as transformações na cidade e os sobreviventes e descendentes do massacre de 1897, e “Vou viver” (2005), com imagens de Pablo Neruda morto, a comoção em seu enterro e raros flagrantes no interior do Estádio Nacional de Santiago, em 1973. Desta vez, o fotógrafo virou o foco, numa inversão de papéis que traz muitas histórias deliciosas, acumuladas principalmente nos 47 anos em que trabalhou no “Jornal do Brasil” – de 1963 a 2010, quando acabou a edição impressa do diário.

Foco no humano

Nesse período, conviveu com dezenas de profissionais, jornalistas e escritores como João Saldanha, Carlos Drummond de Andrade (que lhe dedicou o poema “Diante das fotos de Evandro Teixeira”), Otto Lara Resende e Antonio Callado. E, principalmente, fez fotos que marcaram época.

Como as do período do regime militar no Brasil. São famosos seus registros do confronto entre estudantes em 1968, dos protestos contra a morte de Edson Luiz, com a cavalaria avançando no entorno da Igreja da Candelária durante a missa do estudante assassinado pela polícia. Assim como a das libélulas pousadas sobre baionetas, numa exposição de armas usadas na Guerra do Paraguai (1966).

– Se você me perguntar como a fotografia chegou na minha vida, eu não sei responder. Em Irajuba (onde nasceu, a 300 quilômetros de Salvador) não tinha nada, só rádio – diz ele, aos 78 anos.

Para escrever o livro e contar o percurso do jovem que pensava em se tornar escultor até seu encontro com a fotografia, Silvana entrevistou vários profissionais que trabalharam com Evandro, recuperou histórias da sua infância, na Bahia, pesquisou suas imagens. O caderno de fotos do volume privilegia aquelas em que seu personagem aparece – com Oscar Niemeyer, Sebastião Salgado ou Fidel Castro, trabalhando ou em família. Evandro fotografou de tudo: esporte, moda, comportamento. Além de Canudos, tem apreço especial pelo trabalho sobre o suicídio coletivo de 952 pessoas liderado pelo pastor americano Jim Jones na Guiana (1978). Como diz Luis Fernando Verissimo na orelha do livro, “sua maior arte é a de retratar o humano, seus dramas e alegrias, com sensibilidade rara”.

Veja também

Fotos de Evandro Teixeira ao longo dos 50 anos de carreira

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Nani Rubin, do Globo