Nelson Rockefeller era neto do homem mais rico do mundo, fora governador (eleito) de Nova York e vice-presidente (nomeado) dos Estados Unidos. Na noite da sexta-feira, 26 de janeiro de 1976, ele morreu fulminado por um ataque cardíaco. Tinha 71 anos e andava mal de saúde. No dia seguinte, James Reston, o mais respeitado colunista político do país, escreveu em sua coluna do “New York Times”:
“Ele morreu na sua mesa de trabalho numa hora em que muita gente já havia saído para o fim de semana.” Enfartara no escritório, trabalhando na catalogação de seus livros de arte.
Lorota. Nelson Rockefeller morreu “na sela”, nas palavras de um assessor da família, anos depois. A moça chamava-se Megan Marshack, tinha 25 anos e muitas curvas. A viúva, Happy, sabia de tudo e quando um amigo perguntou-lhe, no hospital, se ele sofrera o ataque em casa, respondeu: “Não, estava com ela”, e apontou para Megan. Nessa hora, entraram em cena áulicos e administradores de crise, sumindo com a moça e espalhando a lorota que enganou Reston.
Fazer a imprensa de boba numa noite de sexta-feira é fácil, mas isso pode ser um mau negócio até mesmo para a família Rockefeller.
Em poucos dias um enxame de repórteres foi atrás da história. O “New York Times” designou cinco. O primeiro paramédico dizia que encontrou Rockefeller vestido. Já o primeiro policial a chegar à cena disse que o achou nu, o que pode ser mentira.
Último capítulo
As duas versões coincidiam num ponto: ele estava sem os sapatos. Surgiu mais uma questão: o primeiro telefonema para o serviço de emergência deu-se às 11h16, mas Nelson Rockefeller morrera uma hora antes. Pior: o “Times” comprovou que não foi Marshack quem ligou, mas uma amiga, vizinha do apartamento em que ela vivia, muito próximo ao lugar onde Rockefeller teria morrido.
O ex-vice-presidente morreu nos braços de Megan e ela não conseguiu calçar-lhe os sapatos porque o ataque cardíaco provocara um inchaço dos pés. Onde ele teve o colapso, não se sabe. Pode ter sido no apartamento da jovem ou na casa onde o acharam. No gabinete de trabalho é que não foi. Trabalhando num livro, nem pensar.
Até hoje Megan Marshack guarda absoluto silêncio. Ela casou-se e vive na Califórnia.
Happy Rockefeller, a única pessoa que cresce na crise, permitiu que Megan se despedisse de Nelson na casa funerária, desde que fosse numa hora em que não houvesse familiares por perto.
Todos os lençóis envolvidos nessa história são mais ou menos conhecidos há tempos. Passadas quase quatro décadas, o episódio torna-se didático porque acaba de ser publicada uma biografia do falecido, “On His Own Terms – A Life of Nelson Rockefeller, do historiador Richard Norton Smith.
Seu personagem viveu 71 anos. Sendo bilionário, dedicou-se ao bem comum, foi um patrono das artes, o último republicano moderado da história americana e chegou a vice-presidente da República. Com todo esse cabedal, 30 páginas do último capítulo de sua vida acabaram tomadas pela trapalhada construída pelos áulicos e gerenciadores de crise que saem em campo para espalhar patranhas, fazendo a imprensa de boba.
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Elio Gaspari é colunista da Folha de S.Paulo