Os suecos, tranquilos em sua segura felicidade, gostam mesmo é da França. No período em que a economia francesa está pior que apática, com gestão duramente questionada, afundando um pouco mais o moral do país, em Estocolmo uma dobradinha francesa de prêmios Nobel, em Literatura e Economia, salvou a pátria de Asterix. Com o gosto apurado pela influência de sua cultura, ciência e política no cenário global “estamos contentes que sejamos nós”, disse um orgulhoso presidente Hollande sobre o economista agraciado Jean Tirole, apesar de tê-lo como crítico da timidez das reformas do seu pífio governo. “Tanto pior para as sirenes do declínio e os amantes do denegrir nacional”, ufanou-se em editorial o normalmente sóbrio jornal “Le Monde”.
Patrick Modiano, o novo Nobel de Literatura, é pouco conhecido e muito menos ainda lido fora da França. No Brasil, por exemplo, seria somente encontrado em sebos, não fosse o badalado desenhista Jean-Jacques Sempé, que ilustra um livro infantil de Modiano — de uma série dedicada aqui à obra do ilustrador. Chega a ter tiragens iniciais de cem mil exemplares em seu país. Por isso a saia justa criada quando a ministra da Cultura da França disse semana passada, depois de haver almoçado com Modiano, não saber sequer o título de qualquer um de seus livros. O que conversaram no almoço é um mistério. A situação piorou quando a ministra se desculpou dizendo que não lia livros há dois anos por causa da política. Deve estar aí mais uma das razões para o sucesso do casamento arranjado do marqueteiro com o político. Duas cabeças vazias, seguras de que a política é tudo, não se importam com mais nada na vida.
A verdade é que o Prêmio Nobel, com suas escolhas subjetivas, escreve seu próprio script. Às vezes escuta o mundo, às vezes só quer ser escutado. O silêncio das ausências incômodas é escolha irreversível e nunca explicará, na literatura, a ausência de Leon Tolstoi, Franz Kafka,Marcel Proust e Jorge Luis Borges entre os escolhidos.
Belo exemplo
Se na literatura a escolha foi surpreendente, no principal prêmio político, o da paz, o Nobel se alinhou às expectativas do tempo atual. Consagrou a luta contra a opressão e o extremismo, especialmente a da jovem paquistanesa Malala Yousafzai.
Inesquecível a história desse prêmio. “O mercador da morte está morto.” Quando Alfred Nobel sentiu o privilégio que foi ler em vida a notícia da própria morte, não gostou de saber como andava sua reputação. O químico sueco, que fez sua fortuna ao inventar a dinamite, leu seu obituário num jornal francês que o confundiu com seu irmão, morto em Cannes dois dias antes. Disposto a não ser lembrado pelo mal que sua invenção fez à humanidade, colocou sua riqueza a serviço da mais poderosa filantropia humanitária em forma de prêmios que temos no mundo.
Nada sabe verdadeiramente da riqueza aquele que a deseja inteira para si. Com mais de um século de existência, o Nobel continua marcado por saudáveis desencontros mas também sendo um belo exemplo de afortunado homem que soube colocar no elogio aos outros sua paixão.
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Paulo Delgado é sociólogo