Quando a Lote 42 foi idealizada, havia dinheiro para publicar três livros e o plano era de que eles fossem mais ou menos iguais: capa padronizada e texto. Mas logo os autores foram chegando, os editores perceberam que o conceito de livro era mais amplo do que eles imaginavam no princípio, que cada lançamento pedia uma atenção especial, e a editora foi criando sua identidade. Hoje, dois anos e oito livros depois, João Varella, Cecilia Arbolave e Thiago Blumenthal continuam inventando moda –, mas para além de inovações gráficas e editoriais. A partir das 16 horas deste sábado, dia 6, eles estarão a postos no número 275 da Rua Barão de Tatuí para a inauguração da Banca Tatuí.
Editoras independentes como a do trio dificilmente conseguem ver seus títulos nas prateleiras das grandes livrarias e acabam tendo apenas seus sites e suas feiras – também independentes – para vender a produção. A Banca da Tatuí até funcionava, mas minimamente para que os donos não perdessem o ponto. João e Cecilia são vizinhos dela, e um dia, passando na frente, ele leu numa folha de sulfite colada na porta que ela estava à venda. “É mesmo muito difícil conseguir espaço nas livrarias e víamos a necessidade de ter um ponto de venda e um lugar que fosse uma espécie de referência para esse movimento”, diz.
Pelo preço equivalente ao de um carro popular, ele fechou o negócio no início do semestre. Na última semana, um mutirão se dedicou à reforma, modernização e transformação do espaço. Na quinta-feira, por exemplo, dia do aniversário da editora, enquanto funcionários da Casa Rex, de design, trabalhavam nas paredes da banca, marceneiros instalavam as prateleiras e moradores olhavam curiosos. Quem passar por ali no sábado, verá o espaço renascido. E poderá participar da festa. A partir das 18 horas, o duo Bela e Mica apresenta repertório de música francesa. Um detalhe: o palco será o teto da banca. Num futuro, quando os sócios se refizerem dessa reforma toda, esse palquinho será arborizado – há um projeto de transformá-lo num jardim suspenso para refrescar dentro da banca.
E mais: enquanto não estiver rolando o show, a Jack Records estará lá, com o porta-malas de seu Ford Galaxie aberto e a vitrola ligada. A loja móvel venderá discos durante a festa. A vizinha Conceição Discos, que também vende LPs, mas é mais famosa pelo pão de queijo recheado com pernil, também vai dar apoio, vendendo suas comidinhas.
A inauguração vai marcar, ainda, o lançamento de 47 Haicais e 7 Ilustrações, de João Varella com desenhos de FP Rodrigues. “Eu estava com mania de fazer haicais no celular. Um dia, chegando em casa, fiz um à mão e foi um estalo”, comenta com o autor. Faria, então, um livro que reproduziria um caderno de haicais. Cecilia foi contra: ninguém entenderia a letra dele. Com a ajuda de vídeos do YouTube dedicado a pessoas em alfabetização, fez exercícios de caligrafia e o resultado ficou interessante. Varella, que lançou o romance A Agenda, em 2013, pela Novo Conceito, diz que o livro que sai agora é uma espécie de ‘work in progress’. Ele se parece mesmo com um caderno escrito a lápis e até as correções da revisora foram mantidas. Vale dizer que cada capa é única – elas foram pintadas manualmente.
Acervo
Neste primeiro momento, estarão à venda jornais tradicionais e publicações de editoras e artistas como a própria Lote 42 e ainda Confeitaria, A Zica, AleKalko, Prólogo, Suplemento e D.W. Ribastky. E em breve, Empíreo e Beleléu. “Não desistimos das livrarias”, conta João Varella. “Mas não vemos mais com tanto ímpeto. Nosso e-commerce está forte e agora tem a banca. Se não nos quiserem, não vamos ficar magoados”, completa Cecilia.
A banca vai funcionar, inicialmente, das 7 horas às 19 horas, com algumas variações. No domingo, ela não abre. No sábado, o horário de funcionamento será das 10 horas às 18h30. E na segunda, fecha às 15 h.
7 a 1
A Lote 42 já circulava bem na cena independente, tinha lá seus seis mil seguidores no Facebook, mas ficou realmente famosa na Copa do Mundo. Foi quando teve a inocente ideia de dar 10% de desconto para cada gol sofrido pelo Brasil, mas não imaginava a goleada desastrosa de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil. Foi um caos. Foram iniciados mais de dois mil processos de compra – um pouco mais da metade foi finalizada. O estoque da loja virtual esgotou. O número de seguidores do Facebook saltou para 36 mil no dia. O site saiu do ar e as pessoas começaram a duvidar de que eles cumpririam a promessa. “Tivemos que aprender a lidar com o ódio. Havia gente querendo que a editora fechasse”, comenta Thiago Blumenthal. “Não entendíamos de onde vinha tanta raiva”, completa Varella. Ainda não há consenso entre os sócios sobre o resultado da traumática iniciativa, que deu prejuízo e publicidade à editora. “Foi marcante e muito positiva”, avalia Cecilia. “Foi meio termo”, diz Varella. “Foi um divisor de águas”, finaliza Blumenthal.
Conceito
A ideia da editora é explorar a dimensão física do livro e dialogar com seu público que, acreditam, vem da internet com a criação de sites com conteúdo extra, como trailers e making of dos livros. “Vejo a editora mais como uma plataforma de coisas bacanas”, comenta Varella, que cita a adaptação para o teatro de Seu Azul, livro de Gustavo Piqueira que a Lote 42 lançou em 2013.
Os três editores estão na casa dos 30 e ainda não imaginam quando a empresa começará a dar retorno. João é repórter da Isto É Dinheiro e editor do El Economista America. Thiago faz doutorado em literatura e frilas de tradução e revisão para editoras. Cecilia é a única que se dedica exclusivamente à editora.
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Maria Fernanda Rodrigues, do Estado de S.Paulo