O lançamento na segunda [15/12] do site Rio: Passagens, projeto que reúne contos, poemas e vídeos sobre a cidade, foi cercado de polêmica. Dois dos autores convidados, o jornalista e escritor Fernando Molica e o escritor Marcelo Moutinho acusaram os responsáveis pelo projeto de censura. De acordo com os dois, a produtora Arrastão de Ideias, que captou R$ 149 mil junto à Secretaria Municipal de Cultura, cortou trechos dos contos enviados por eles a pedido dos organizadores. Além dos dois, participaram nomes como José Eduardo Agualusa, Nei Lopes, Paulo Scott, Silviano Santiago, Alice Sant’Anna e Armando Freitas Filho.
Descontentes com as alterações, feitas sem aviso, segundo eles, Molica e Moutinho acabaram saindo do projeto. “Eu e o Marcelo Moutinho descobrimos que, sem nossa autorização, nossos contos haviam sofrido cortes e mudanças (…). Entreguei a versão definitiva de Tamborim há quatro meses, no dia 13 de agosto. Desde então, não fui procurado para tratar de eventuais modificações ou adaptações. Ontem, contei 36 alterações: foram cortadas diversas palavras ou expressões; sete frases inteiras e trechos importantes de outras oito”, disse Molica, em um longo desabafo publicado em seu perfil no Facebook.
No texto, Molica alega não ter sido avisado que o projeto era voltado para formação de leitores, mas que aceitaria a supressão de palavrões em seu conto. “Isso, apesar de rejeitar e repudiar qualquer censura. Como escritor, não discrimino palavras. Além disso, a densidade dos contos praticamente inviabiliza sua leitura por crianças (…) A frase seguinte está entre as cortadas: ‘Pelo peso, menos de quilo, não deveria ser outro daqueles livros parrudos, cheios de fotos, produzidos por empreiteiras que se valem de leis de incentivos fiscais.’ Não há qualquer palavrão aqui, mas suspeito que os organizadores não gostaram da referência a leis de incentivo. Empreiteiras e incentivos fiscais devem ter sido considerados danosos à formação de nossos jovens. Houve cortes em brincadeiras com o sotaque paulistano, houve muitos cortes. Todos afetam e desrespeitam o trabalho do autor.”
Moutinho, em sua reclamação, citou questões parecidas. “(…) Percebi que uma frase havia sido suprimida do meu texto original. O que ocorreu, viria a atestar, foi simplesmente a mutilação do texto, sem que eu tivesse conhecimento. Ante minha pronta reclamação sobre a sentença cortada, os organizadores ponderaram que havia, nela, um palavrão, e o site precisava ter censura livre. Respondi que entendia a justificativa, mas sem deixar de sublinhar o absurdo de se mexer no conto de um autor e lançar uma versão final sem que este seja consultado. Inclusive porque o texto fora entregue no dia 22 de agosto – portanto, há quase quatro meses – e houve tempo suficiente para tal”, escreveu.
Produtor justifica edições
De acordo com o escritor e crítico literário Vinícius Jatobá, produtor do Rio: Passagens, os autores foram comunicados previamente sobre as restrições do projeto, que consiste em um site com material multimídia sobre o Rio de Janeiro produzido em português, com traduções para inglês, espanhol e francês, voltado para formação de leitores e uso em escolas. “O convite foi bem específico, a encomenda foi específica e os autores teriam que seguir. Esse projeto tem um recorte, as edições foram feitas para adequar os textos. Eu tenho a obrigação de entregar o que prometi à prefeitura, que era um projeto de formação de leitores”, explica Jatobá.
Dizendo-se “arrasado” com a repercussão entre os autores, o produtor justificou as edições: “O conto do Molica se passa em Moema, em São Paulo. Ele passou por um processo editorial para se tornar mais carioca. Quanto ao Moutinho… ele me entregou um conto perfeito, mas tinha uma parte que falava de prostituição na Lapa. Eu disse a ele que eu não gostaria de ter esse trecho no conto. Ele aceitou o corte na época, mas às vésperas do lançamento ele leu o corte e pediu para sair do projeto”, conta Jatobá.
Jatobá garante ter conversado sobre as alterações com os autores por telefone em agosto, quando os textos foram fechados para a tradução, e que eles não se lembrariam. “Eles falam em censura, eu falo em edição. Editor edita. Sou grande admirador do trabalho dos dois, mas não posso descaracterizar o projeto por isso. Sinto que falhei com os dois, me comuniquei mal e fui um péssimo editor para esses dois autores, mas eu fiz o melhor para o projeto. Não poderia incluir um texto que se passa em São Paulo, não poderia voltar com o texto do Moutinho com piadas sobre prostituição.”
A história, segundo Moutinho, tem uma conclusão diferente daquela relatada por Jatobá: “Vinícius está mentindo”, acusa Moutinho. “Ele fala que entreguei um conto perfeito, mas que falava de prostituição na Lapa, que não seria um assunto adequado. Isso não aconteceu. Eu falei a ele que queria escrever sobre isso e ele disse que não era legal, então entreguei um conto totalmente diferente, sobre um casal que se apaixona num ônibus, não fala nada de prostituição, nem tem nada forte. Tenho as provas todas. Ele recebeu o meu conto e não falamos sobre o conteúdo. Em nenhum momento ele disse que o conto seria censurado, que tinha qualquer problema. Ele está tentando justificar o injustificável. Há outros autores que estão tendo seus contos reescritos, mas que estão preferindo não falar.”
Ainda de acordo com Jatobá, diferentemente do que falou Molica, todos os participantes do projeto serão pagos, mesmo os que não tiveram seus contos publicados, caso dele e de Moutinho. O produtor diz ainda que a opção dada por Molica e Moutinho, de utilizar os textos originais ou com menos alterações, não seria possível por questões técnicas (“os textos teriam que ser retraduzidos e regravados, não teríamos tempo e verba para isso”).
O secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, se manifestou sobre o imbróglio: “Vou pedir uma explicação aos responsáveis. Mas desde já me posiciono contra qualquer tipo de censura ou de mutilação e intervenção sobre obras de arte. Não há orientação ou intervenção da Prefeitura em relação ao conteúdo dos projetos que patrocinamos.”
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Produtores do projeto “Rio: Passagens” decidem publicar sem cortes os contos de escritores [16/12/2014]
Os produtores do Rio: Passagens – site que reúne contos, poemas e vídeos sobre a cidade – concordaram em publicar as versões originais e sem cortes dos contos de autores que participam do projeto, entre eles o jornalista e escritor Fernando Molica e o escritor Marcelo Moutinho.
Na segunda-feira [15/12], os dois autores acusaram os responsáveis pelo projeto de censurar os seus textos. De acordo com os escritores, a produtora Arrastão de Ideias, que captou R$ 149 mil junto à Secretaria Municipal de Cultura (SMC), cortou trechos dos contos enviados por eles.
A decisão de relançar o site com os contos completos aconteceu na terça-feira [16] numa reunião entre os produtores Vitor Jatobá e Evaristo Sánchez e a SMC. A nova versão da página, que terá um novo público-alvo, ainda não tem data para entrar no ar.
O escritor e crítico literário Vinícius Jatobá havia justificado a edição dos contos com base no público-alvo do projeto, originalmente voltado para formação de leitores e uso em escolas. Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura reiterou “sua firme posição contrária a qualquer tipo de censura ou ingerência sobre conteúdos culturais e em defesa da plena liberdade de criação e de expressão, posição com a qual os responsáveis pelo projeto afirmam concordar”.