O recém-lançado livro Tudo ou Nada – Eike Batista e a verdadeira história do grupo X, da jornalista Malu Gaspar, é um relato bem feito da trajetória de um grande oportunista, que me deixou deprimida do início ao fim. Minha dúvida é… teria sido ele escrito se o empresário em questão tivesse sido bem sucedido por mais tempo, a despeito dos seus métodos ou da falta deles? Por que cargas d’água ninguém, absolutamente ninguém publicou uma linha sobre a malfadada TVX, empresa que o Eike faliu em 2001 no Canadá, quando ele estava para lançar ações da OGX e EBX em 2008 no Brasil? Seria por que não temos um jornalismo econômico suficientemente maduro no país? Seria por que estamos sempre incensando os que estão por cima e batendo nos que estão caídos?
De acordo com este grande livro-reportagem, de mais de 500 páginas, a megalomania e a falta de princípios estavam presentes desde os primeiros empreendimentos do filho de Eliezer Batista, que foi presidente da Vale durante vários anos e é responsável por torná-la uma das maiores mineradoras do mundo.
Eike abandonou a faculdade de Engenharia na Alemanha para se dedicar a ficar rico. Isso depois de se endividar ao se meter na venda de uniformes para o Exército de Angola, enquanto ainda estudava. No Brasil, teria começado sua carreira “investindo” em garimpos na Amazônia, com o transporte e negociação de ouro nada legais nos anos 1980. Ao ser assaltado numa dessas viagens, chegou a penhorar o apartamento da família na Bélgica para evitar problemas com os comerciantes judeus com os quais negociava. São informações que, se hoje não parecem detalhes, garanto que teriam feito muita gente pensar duas vezes antes de investir nas ações do Grupo X se divulgadas na época das IPOs (da sigla em inglês para oferta inicial de ações).
Quarentena necessária
Lembro-me muito bem do tempo em que as empresas X e seu Messias explodiam de sucesso no Brasil e se preparavam para abrir o capital. Eu trabalhava no site de um grande jornal, na editoria de Economia. Eventualmente, cobria o noticiário sobre o mercado financeiro, mas era uma iniciante nesse assunto e não tinha qualquer dinheiro para investir. Em meados de 2008, acompanhei com olhares invejosos dois coleguinhas setoristas entrarem nos IPOs das companhias do Eike e engordarem suas contas bancárias em 25% do valor investido, fazendo o famoso day-trade, vendendo as ações no mesmo dia em que as adquiriram. Tudo era permitido… o jornal não tinha ainda uma política sobre esse tipo de atuação dos seus profissionais, ao contrário do que já acontecia nos grandes grupos americanos de notícias.
No site do jornal, a palavra “Eike” era considerada mágica, assim como no mercado financeiro. Bastava publicar algo relacionado ao empresário para que as notícias da editoria de Economia, não muito atrativas para a maior parte dos leitores, terem espaço garantido na lista das 10 mais lidas. Era garantia também de que a audiência da editoria ultrapassaria o modesto patamar das 80 mil visualizações de páginas no dia.
Até aí, nada demais. Estávamos só respondendo ao interesse do público. O problema era que nunca questionávamos as atividades do empresário. Sempre louvávamos os seus atributos, contribuindo para o culto que levaria milhares de pessoas a investirem em suas ações, que virariam pó cinco anos depois.
Naquela época, apenas um coleguinha erguia a voz para falar que Eike Batista era uma falácia, um grande mágico da autopromoção. Ele não se cansava de afirmar que o empresário tinha apenas dois ativos reais: o barco Pink Fleet e o restaurante Mr. Lam. Não me esqueço de uma viagem que fizemos para cobrir o Seminário de Derivativos da ainda BM&F em Campos de Jordão (SP), em que meu amigo comentou revoltado que só no Brasil alguém da família do presidente da maior empresa do setor de mineração, que na época era pública, podia fazer negócios na área enquanto este ainda exercia o cargo. Mas escrever sobre os empresários sob esse viés nunca entrou na pauta. Ministros viram consultores ou executivos de empresas da área em que acabaram de atuar e nunca questionamos a necessidade de uma quarentena para que esse tipo de transição aconteça.
Lição que fica
Depois de meia década dos IPOs das empresas X, revisitar esse monte de histórias dúbias sobre o empresário no livro da jornalista Malu Gaspar e em outras obras como Ascensão e queda do império X, do também jornalista Sérgio Leo, deixa a impressão de que perdemos a chance de fazer matérias sobre o assunto quando realmente importava, quando teria feito a diferença para os investidores que acreditaram em Eike Batista.
Fica a impressão de que jogar pedra em cachorro morto é fácil… não é jornalismo de verdade. A quem estamos ajudando? De que servem agora essas informações? Está certo que não temos bola de cristal, não podemos prever o futuro. Mas não poderíamos ter revelado o passado? Não seria nossa obrigação como jornalistas fazer isso, investigar as figuras públicas que estão em busca de investimentos, vindos do governo ou do cidadão comum? Só nos resta então torcer para que nós jornalistas econômicos tenhamos aprendido a lição, para que no próximo ciclo de bonança estejamos menos ávidos por bajular o novo Midas do mercado e mais empenhados em descobrir quem ele de fato é e o que tem a oferecer de verdade.
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Vivian Pereira Nunes é jornalista