Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma história real e 66mil quilômetros

Este livro é o resultado de um trabalho jornalístico que começou em julho de 2009, quando a Folha de S.Paulome enviou a um fórum econômico e de turismo na Indonésia. Foi nessa viagem que me inteirei da história de Marco Archer Cardoso Moreira, um esportista carioca que enveredara pelo mundo do crime e fora condenado à morte pela Justiça do país asiático.

A despeito de insistentes tentativas, não consegui entrevistá-lo na ocasião. Ouvi de representantes do governo indonésio que seria muito difícil isso acontecer, e inicialmente me conformei com a explicação.

Porém, já de volta, graças à ajuda de Carolina Archer Pinto, mãe de Marco, abriu-se para mim a possibilidade de falar com o brasileiro. A primeira conversa ocorreu em janeiro de 2010, por telefone, e resultou em uma entrevista para o caderno “Cotidiano”, da Folha de S.Paulo, na qual Marco contou sobre sua vida na prisão e lamentou ter sido esquecido por todos no corredor da morte.

A entrevista tornou evidente que sua história conturbada e repleta de aspectos intrincados não poderia se resumir às reportagens do jornal. Nos contatos subsequentes a essa primeira conversa, o próprio Marco me sugeriu transformar sua desventura em livro.

Anos de indecisão

Entre a ideia e o início do projeto, apenas sete meses se passaram. Em agosto daquele mesmo ano, embarquei para a Indonésia novamente, a fim de entrevistá-lo em uma prisão de “supersegurança máxima” (assim mesmo, no superlativo) na qual nenhum jornalista brasileiro jamais havia pisado. Foram quatro sessões de conversas, das dez da manhã às duas da tarde, o horário reservado para visitas, de segunda a quinta-feira. Voltaria a conversar várias vezes com Marco por telefone nos anos seguintes.

Percorri mais de 66 mil quilômetros para contar a história real que o leitor encontrará nas páginas seguintes: além da Indonésia, viajei a Cingapura, Amsterdã, Manaus e Rio de Janeiro. Também entrevistei dezenas de pessoas, entre amigos, conhecidos e familiares do brasileiro, diplomatas e integrantes de organizações não governamentais. Neste livro, algumas dessas pessoas são identificadas com nomes fictícios.

Documentos pessoais, bases de dados públicas, sites governamentais, mensagens trocadas entre o Itamaraty e a Embaixada do Brasil em Jacarta, capital da Indonésia, além de jornais e revistas, foram usados por mim como fontes de pesquisa.

Meu objetivo era publicar este livro enquanto Marco Archer ainda vivia. Intimamente, eu acreditava que minha reportagem poderia contribuir para evitar que fosse cumprida a pena capital. Marco deveria pagar pelos crimes que cometera, mas a condenação à morte é uma forma de punição arcaica e ineficaz, como comprovam estudos e estatísticas.

Quis o destino, porém, que, após mais de dez anos de indecisão do governo indonésio e poucos dias antes da finalização do livro, fosse anunciada a data da execução. E assim, em janeiro de 2015, retornei à Ásia para cobrir para a Folha de S.Paulo o brutal fuzilamento e escrever o epílogo desta história sobre o primeiro brasileiro nato a ser executado em um país estrangeiro.

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Ricardo Gallo é repórter da Folha de S.Paulo