ritos com esmero singular e estruturados com uma notável técnica de escrever muitas vezes sob signos e cifras para fugir aos censores.
Foi odiado pelos militares por suas insistentes cobranças de democracia. No Jornal do Brasil, enfrentou grandes crises e cobranças persistentes para aliviar os apelos democráticos. Resistiu a tudo.
Mas teve uma vida frequentada pela amargura a partir do momento em que seu primogênito Rodrigo morreu, aos 25 anos, num acidente tão suspeito quanto inexplicado. A partir daí, passou a beber para aplacar a dor.
Seu lenitivo foi dedicar-se sempre à literatura, senão como escritor, pelo menos como leitor assíduo que frequentava as páginas de Eça, Machado, Mário de Andrade e Drummond todos os dias.
Castelinho, que se explicava como “um nordestino perseguido pela adversidade”, lutou toda uma vida pela democracia mas viveu apenas quatro governos democráticos – Dutra, Juscelino, o convulsionado intervalo de Jango e o de seu amigo Sarney. Do quinto, o de Itamar Franco, não viu o fim.
Sua história se confunde com a própria História do Brasil de seu tempo, tão corajosa, persistente e brilhante quanto pode ser a história de um jornalista que foi o melhor do seu tempo.
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Apresentação de Todo aquele imenso mar de liberdade – A dura vida do jornalista Carlos Castello Branco
Merval Pereira
Acompanhar a vida de Carlos Castello Branco, o Castelinho, é acompanhar a história política recente do Brasil, e essa é a grande qualidade deste livro de Carlos Marchi. Ele soube como poucos entrelaçar a história do maior de todos os colunistas políticos que o país teve com os acontecimentos que o levaram a ser quem foi, o jornalista mais influente de sua geração.
Ao longo de cinquenta anos de jornalismo, sendo trinta deles no colunismo político diário no Jornal do Brasil, Carlos Castello Branco participou ativamente da vida política do país, mas apenas uma vez “do outro lado do balcão”, como dizemos nós, jornalistas, daqueles que atuam em governos.
Foi, a contragosto, secretário de imprensa do presidente Jânio Quadros, conseguiu passar incólume por essa aventura que lhe trouxe muitos ensinamentos, sobretudo identificar quem é que manda mesmo nos governos, aquele que tem conhecimento dos mecanismos internos e informações que não sejam apenas especulações com interesses pessoais.
Frio, pragmático, Castelinho sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter, o que sempre surpreendia seus interlocutores. Não se sentiu limitado a exercer seu poder de crítica sobre a eleição de Jânio Quadros, mesmo já tendo sido nomeado seu secretário de imprensa, e depois da renúncia continuou acompanhando a vida política de Jânio sem poupar-lhe críticas quando considerava necessário.
Também o então candidato à Presidência no Colégio Eleitoral, ministro Mário Andreazza, passou uma noite com ele em um restaurante em Brasília, certo de que estava perdendo tempo, pois Castelinho parecia bêbado e alheio às suas angústias de candidato que temia perder a eleição interna no PDS para Paulo Maluf – o que realmente aconteceu – ou para Tancredo Neves.
No dia seguinte, ao ler a famosa Coluna do Castello, surpreendeu-se ao ver registrada toda a conversa, sem reparos a fazer. De outra feita, foi o próprio presidente José Sarney, seu amigo de longa data, que lhe bateu à porta de casa sem avisar para brigar com ele devido ao tratamento injusto de que julgava estar sendo vítima. Precavido, Sarney trazia um litro de uísque para regar a discussão.
A bebida passou a ser a companheira inseparável de Castelinho depois que seu filho Rodrigo morreu num desastre de carro em Brasília. Não bastasse a dor da tragédia e a saudade, Carlos Castello Branco ainda tinha que lidar com a desconfiança de que o desastre fora premeditado pelo Serviço Nacional de Informações, uma vingança contra seus artigos e críticas que o levaram algumas vezes à cadeia depois do golpe de 1964.
A conversa que teve com Jango em um hotel em Paris, em que o presidente deposto lhe disse ter certeza de que o acidente fora forjado, é um dos pontos altos do livro, que soube pegar muito bem os traços humanos de Castelinho, suas fragilidades pessoais e seus gestos generosos, sua veleidade de tornar-se um escritor e a glória de chegar à Academia Brasileira de Letras não pelos méritos literários de seus contos, mas pela qualidade de sua coluna política, que unia bom estilo literário com análises agudas, especialmente durante o período ditatorial, em que o Congresso a certa altura funcionava mais na Coluna do Castello do que na realidade.
Não se furtou a uma atuação pública, quando um grupo de jovens jornalistas de Brasília, entre eles o autor do livro, o convidou para assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas num momento especialmente difícil da ditadura militar. E atuou nos bastidores políticos para ajudar Tancredo Neves a concretizar seu plano de derrotar o governo militar no próprio Colégio Eleitoral em que teoricamente tinha maioria.
Com o texto direto e capacidade analítica que dispensava firulas literárias, mas sabendo ser sarcástico quando necessário, Carlos Castello Branco teve que adaptar-se às dificuldades que a censura impunha durante o regime militar, e não raras vezes enviou mensagens cifradas nas suas colunas a favor de manobras políticas não apenas da oposição ao regime, mas também de setores militares que atuavam nos bastidores para a abertura democrática que acabaria chegando.
Tornou-se, por isso mesmo, um ícone da imprensa brasileira, cuja vida essa biografia de Carlos Marchi só faz exaltar, mesmo quando revela suas fraquezas. Temos assim a oportunidade de vermos o ser humano Carlos Castello Branco na sua inteireza, e entender melhor a sua grandeza.
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Carlos Marchi e Merval Pereira são jornalistas