Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livro reproduz embate havido em 2011

A nova publicação de Julian Assange, fundador e editor-chefe do WikiLeaks, não é um livro encerrado em si mesmo, mas uma réplica ou talvez tréplica ao presidente do Google, Eric Schmidt.

Reproduz na íntegra a conversa que tiveram em 2011, quando Assange já estava em prisão domiciliar, perto de Londres –um ano depois ele se asilou na embaixada do Equador, onde está até hoje.

Curiosamente, o diálogo foi gravado pelo WikiLeaks e transcrito pelo próprio Google. Era parte dos esforços de Schmidt para embasar “A Nova Era Digital”, livro lançado em 2013 nos Estados Unidos, em que o executivo preparava os leitores para aceitar que “o impacto da revolução de dados será retirar dos cidadãos muito do controle sobre a sua informação pessoal”.

O livro foi alvo de uma crítica violenta de Assange, publicada pelo jornal “The New York Times” logo após o lançamento. E, por azar do presidente do Google, dois meses depois o informante Edward Snowden revelou ao mundo que o mesmo Google havia fechado um acordo para fornecer informações de seus usuários à Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA, por meio do programa secreto Prism.

Schmidt escreveu um longo posfácio para uma edição posterior de seu livro, procurando responder às revelações de Snowden e à crítica de Assange e defendendo a empresa. Em grande parte, é a esse posfácio que Assange responde com a publicação de “Quando o Google Encontrou o WikiLeaks”, lançado em 2014 nos EUA e um mês atrás no Brasil.

Virulência

Como se percebe, é um diálogo aparentemente sem fim e cada vez mais virulento, mas essencial, entre dois protagonistas das ações e discussões em torno de transparência e privacidade na internet.

Na íntegra da conversa de 2011, que toma metade do novo livro, os dois parecem se dar bem, de início ao menos. Fazem piadas sobre os atrasos da companhia aérea Delta, sobre a importância de ter muitos gravadores para não perder momentos importantes e sobre o software de privacidade Tor, que Schmidt pronuncia como Thor, o deus nórdico.

Mas são dois “geeks” e não demora para a conversa se tornar técnica, detalhista –e com Assange falando sem parar. À luz do que o escândalo NSA revelou depois, de todo modo, o fundador do WikiLeaks sai vitorioso: sua aparente paranoia foi confirmada pela extensão da espionagem eletrônica americana. Isso fica ainda mais claro e torna a discussão mais rica com a leitura paralela do livro de Schmidt, que foi publicado no Brasil pela editora Intrínseca em 2013.

O próprio Snowden afirma, no material de divulgação, que a conversa é “fascinante” e que Assange é hoje “um dos pensadores mais perspicazes da tecnologia, sempre à frente de seu tempo”.

“Quando o Google Encontrou o WikiLeaks” serve de antídoto aos chamados “evangelistas” e outros apóstolos das corporações de internet, inclusive por aqui.

O aparato de relações públicas do Google segue firme, alerta Assange em prefácio para a edição brasileira, em que enfatiza que “os interesses do Google não estão alinhados” com os do Brasil.

Mas o Assange megalô- mano também segue firme. Por exemplo, ao mesmo tempo em que questiona as tentativas de reinterpretar a Primavera Árabe como o- bra do Google, ele trata de apresentá-la como trabalho do WikiLeaks.

As duas versões, obviamente, suprimem o fato de que foi uma revolta das populações árabes, nas ruas, a começar de Mohamed Bouazizi, o vendedor de rua que se imolou na Tunísia.

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Nelson de Sá, da Folha de S.Paulo