Nessa discussão sobre baixarias na TV e a má qualidade generalizada do que vai ao ar, ninguém se lembra que toda casa brasileira – pelo menos toda casa brasileira com TV – tem uma arma eficaz de autodefesa. É uma arma poderosa. Com ela se cala a boca do político embromador e do apresentador gritão, se elimina o programa que choca ou desagrada e o troca por outro, se chega até, em casos extremos, a cortar a força do aparelho ofensivo e silenciá-lo, para sempre ou por algum tempo, para aprender. E tudo isto sem sair da poltrona.
O nome da arma é controle remoto. É movida a pilhas e cabe na palma da mão. Não é uma invenção muito antiga. (Sim, crianças, houve um tempo em que para ligar e desligar a TV ou mudar de canal você precisava sair do sofá e ir até lá. Inconcebível, eu sei.) Mas minha neta começou a usar o controle remoto antes de começar a andar, e pelo menos duas gerações se criaram usando-o sem se dar conta da mágica que tinham nas mãos. O poder de mover as coisas à distância e comandar o mundo sem precisar sair do lugar é uma ambição humana desde as primeiras bruxas, mas as gerações que se criaram com ele usam o CR com a inconsciência de um cachorro brincando com uma bola de césio.
Se não se dão conta do seu poder mágico, muito menos se dão conta de que o CR é uma arma. Porque o CR também representa essa outra coisa potente que temos para nos defender das agressões da TV: o livre arbítrio. A capacidade de decidir por nós mesmos. De procurar uma alternativa, outro canal, ou o silêncio. Em vez de dizer “isto deveria ser proibido” e incentivar, indiretamente, a censura, e negar o direito dos outros de gostarem de porcaria, deveríamos exercer, soberanamente, a liberdade de escolha do nosso dedão.
Tatuagem
Já que falei na neta: ela gosta de me tatuar. Fica rabiscando meu braço com uma caneta e descrevendo o que está desenhando. “Uma bailarina… Um copo… Um foguete…” Todos os rabiscos são iguais. Só ela vê a bailarina, o copo, o foguete. E eu também, claro.
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[Luis Fernando Verissimo é jornalista e escritor]