Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A breve vida da Cosac Naify

Diariamente, a mídia cultural dá sinais de que está ruindo. Ninguém parece se importar.

A Cosac Naify [1] nutria páginas de cadernos culturais com suas edições impecáveis. Sempre encontrávamos um texto sobre algum livro que eles iriam lançar. Quando morre uma editora desse porte, morre também um pouquinho do discurso cultural.
A Cosac, apesar de seu foco nas artes plásticas, cobria as áreas de arquitetura, design, cinema e literatura de maneira ímpar. Seus livros eram caros, sim, mas valiam o que ofereciam. Sua edição de Contos completos de Tosltoi é uma verdadeira obra de arte. Seu vasto catálogo é recheado de cultura com uma qualidade excelsa.

Segundo o último Ipea divulgado, o 1% mais rico da sociedade brasileira comporta mais de 2 milhões de pessoas. As tiragens da maioria dos livros publicados pela Cosac não passavam o marco de 2.000. Até quem tem, historicamente e em sua maioria, contato com as artes e poder aquisitivo para consumir esse tipo de conteúdo, não tem usado seu dinheiro em cultura.

A mídia como causadora de desinformação

A educação neste país é falha e todos sabemos. Escolas de elite formam bem e a grande maioria das demais instituições de ensino, com raras exceções, tem uma formação pífia. Esquece-se, porém, que além dos portões da escola, muito do que é consumido forma a visão de estudantes. E não sei se você sabe, mas eles são o futuro da nação.

Uma televisão aberta que é recheada de sensacionalismo, novelas ruins, programas policiais idem e mediocridade, vai formar que tipo de cidadão? Depois reclamam do sertanejo universitário (com razão). Todavia, esquece-se que a indústria de massa oferece e oferta o que quer, mas também o que o público deseja. Um espectador medíocre não espera nada que não seja mediocridade.

As TVs abertas têm uma culpa enorme nesse processo. Só exibem filmes ruins e blockbusters. Quando passam algo de um cinema mais independente e crítico na TV aberta é esporádico e não contribui muito. Resultado? Veja os tweets malcriados e abobalhados durante a exibição de O Som ao Redor na Globo. Esse filme, de Kleber Mendonça Filho, além de ótimo, foi eleito pelo New York Times um dos melhores filmes de 2012, ao lado de um filme do Tarantino, por exemplo. A grande maioria no Brasil nem sequer ouviu falar da película.

O que vai acontecer no futuro? Se os sustentáculos da mídia cultural estão caindo – como bem comprova meu artigo sobre suplementos culturais – qual a quantidade de pessoas que irá consumir teatro, cinema de arte, literatura e artes plásticas daqui uns anos? Vamos deixar o minúsculo 1% ter acesso a isso e ignorar o resto?

Com uma formação irrisória e bombardeado de malhações da vida, música ruim e bagagem cultural nula, será que o brasileiro médio irá comprar um livro de uma editora como a Cosac? Pergunta retórica. É óbvio que não. E daí, com pouco público, as portas de editoras fecham. Até quando?

Em busca do tempo perdido

Sugiro que – acompanhado por nosso sempre presente complexo de vira-lata e amor por estrangeirismos – lancemos a campanha “Nous sommes tous Cosac Naify”. Muitos brasileiros aderiram ao “Nous sommes tous Charlie”…

Ademais, precisamos ocupar nossas bibliotecas. Várias bibliotecas públicas estão fechadas. Outras, sempre vazias. Existe uma exceção aqui e outra ali. No entanto, a realidade é pesada e lamentável. Por que não ocupar esses espaços? Bibliotecas públicas na Finlândia disponibilizam internet grátis, mesas de jogos, espaços de convivência, locais para exposições em suas instalações. A partir disso, é comprovado que as pessoas, ao ocuparem e frequentarem esses lugares, passam a se interessar por um livro aqui e outro ali. A Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo ratifica isso.

Assim sendo, se tivéssemos uma formação sólida e uma mídia de massa de qualidade, seria melhor para todos. Observe a televisão na França por exemplo. À noite, em canais abertos, há debates de filósofos sobre temas importantes e contemporâneos. Existem discussões sobre livros. A maior parte da população é bem informada e leitora assídua.
Por conseguinte, os veículos de imprensa custam muito mais barato lá, já que são reproduzidos em larga escala. Além disso, os livros na Europa, via de regra, são muito mais baratos e de ótima qualidade. Milhões de livros hardcover (capa dura + jaqueta) custam 270 reais na Inglaterra. No Brasil tudo isso custa caríssimo, já que além dos custos operacionais, há a questão do público que é ínfimo.

A Cosac Naify durou 20 anos com contas no vermelho. Seria melhor, não só para editores e trabalhadores do ramo editorial, mas para todos nós, que a população fosse menos inculta. Logo, os livros, os jornais e derivados custariam menos. Quem lia uma revista como a Bravo!, ou quem lê uma revista como a piauí, a Cult e a Revista de História da Biblioteca Nacional provavelmente irá ter vontade de ir ao teatro, ir a um concerto, ir a uma exposição. Essas revistas contribuem e muito para a indústria cultural ao criar e influenciar um público consumidor de arte.

Por que o resto da mídia não tem essa vontade? Será que o mesmo pessoal que diz que aeroporto virou rodoviária se incomodaria se a maior parte da população tivesse estudado história da arte? Quanta infantilização. Seria melhor para todos viver em um país que leva a cultura a sério.
Monteiro Lobato dizia que um país se faz com homens e livros. Que tipo de país estamos construindo? Um país em que as pessoas não se importam com livros. Um Brasil em que se fecham veículos com a indiferença do público. Uma nação em que a classe média alta, geralmente, só sabe consumir bobagens e gastar, mas pouco se importa com a cultura nacional. Que país é este?

N.R. Cosac Naify foi uma editora brasileira fundada por Charles Cosac e Michael Naify em 1997 em São Paulo, que publica livros de arte, arquitetura, cinema, dança, design, fotografia, infantojuvenil, literatura, moda, música e teatro.

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Pedro Soares é estudante