Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A carroça na frente dos burros

Barrigada ou matéria encomendada? Acostumados com a velha linha água com açúcar, os leitores de A Tribuna, de Santos, ficaram com a pulga atrás da orelha com o estardalhaço com que o jornal festejou o nome do deputado estadual Luciano Batista, do PSB-SP, como candidato em potencial à sucessão de Marcelo Teixeira na presidência do Santos FC (9/6). Surpresa que rapidamente se transformou em mais uma constrangedora mancada do jornal, que no dia seguinte foi obrigado a reconhecer, em nota de rodapé, que o notório deputado é simplesmente inelegível por não se enquadrar nas normas estatutárias do clube, que estabelece que para ser candidato é preciso ter no mínimo dez anos de sócio e dois como conselheiro.

Tudo bem que derrapadas acontecem mesmo nas melhores famílias, mas o que torna este episódio especialmente embaraçoso é a negação de tudo que se entende como bom jornalismo. Da inobservância de informações básicas de sustentação da matéria ao destaque desproporcional tanto do assunto como do personagem, o resultado foi um desfile de tolices que excedem até a impressão de mera barrigada, parecendo mais coisa encomendada, já que o jornal voltou a insistir na versão nos dias posteriores.

O difícil é encontrar justificativas para tamanha gafe. A começar pela promoção de um nome sem antecedentes que justificasse a pretensão de chegar assim, sem mais nem menos, à presidência de um clube do peso do Santos. Afinal, há trâmites, requisitos, enfim, um protocolo a seguir para conseguir um lugar ao sol no concorrido universo futebolístico, seja qual for o segmento. Vai daí que muito mais sensato seria se o ilustre deputado fosse mais humilde e se dispusesse a começar por baixo, nas categorias de base, por exemplo, meio longe dos holofotes, é verdade, mas onde poderia colocar em prática as idéias que diz ter para transformar o clube numa fábrica de jogadores e, o mais importante, livre do jugo dos empresários.

Um suposto convite nunca cogitado

Segundo o jornal, o nome de Batista veio à baila por iniciativa do próprio Marcelo Teixeira, que o teria convidado para trocar figurinhas num almoço. Pode ser, mas quem conhece o ladino presidente santista sabe que ele não costuma dar ponto sem nó e que o mais provável é que queira apenas silenciar um dos poucos – justiça seja feita – que tem mostrado coragem para criticar abertamente o verdadeiro feudo em que o Santos se transformou sob o controle do clã Teixeira. Mais duvidoso ainda é que o czar santista esteja disposto a largar o osso às vésperas de uma data marcante como o centenário do clube, em 2012.

Elogiei, ainda outro dia, o esforço do jornal para recuperar a credibilidade abalada nas últimas décadas, mas patacoadas deste naipe evidenciam que sem mão-de-obra capacitada, não há muito o quer esperar. Normalmente, ninguém se liga muito em qualidade em se tratando de jornalismo esportivo, mas se as deficiências extrapolam num setor do qual normalmente não se exige tanto, imagine-se o resto. Ainda mais que a seção de esportes sempre gozou de uma certa liberalidade em meio ao conservadorismo da casa, contrastando com a linha acrítica e o baixo nível de hoje em dia. A ponto de o exercício da crítica, como já apontei outro dia, ficar por conta do tal Tainha, torcedor fictício que dá seus pitacos numa das insossas colunas diárias.

O curioso é que, não bastasse o vexame de uma barrigada destas proporções, daquelas de congestionar os telefones da redação, conforme a nota divulgada no dia seguinte, nas edições subsequentes o tema continuou em pauta. E o que é pior, com o jornal forçando a barra para transformar a monumental bola fora num gol de placa, ou seja, sugerindo que se os estatutos do clube já foram alterados uma vez, para permitir a continuidade de Marcelo Teixeira no poder, por que isso não poderia acontecer novamente? Hipótese que, colocada em discussão na reunião do Conselho Deliberativo realizada na segunda-feira à noite (15/6), esteve longe de despertar a empolgação que o jornal gostaria, com o próprio presidente santista dizendo-se surpreso com o alarde em torno de um suposto convite que garante nunca ter cogitado.

Apelação para factóides

Com as cartas aparentemente na mesa, resta saber se a história vai acabar por aí ou se confirmará a versão de um possível balaio de ensaio, segundo o qual o jornal estaria disposto a bancar um nome de peso para acabar com a dinastia da família Teixeira no Santos. Coisa de que eu particularmente duvido, embora não seja segredo o estado pré-falimentar do clube, com uma dívida de mais de cem milhões e um déficit mensal de dois milhões – uma verdadeira bomba de efeito retardado que só a sorte de surgir uma nova geração craques pode desativar. Situação para a qual o grupo A Tribuna contribuiu decisivamente, com o jornalismo omisso e parcimonioso que vem praticando a longa data.

Nesse sentido, seria bom que a ficha tivesse caído, mas nem por isso é preciso apelar para factóides como forjar um candidato na marra, pois, como todo mundo sabe, não se põe a carroça na frente dos burros.

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Jornalista, Santos, SP