Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cidade da poesia

Só pode ser coisa do poeta gaúcho Ademir Bacca, conhecido na República das Letras por iniciativas criativas, organizando congressos nacionais e internacionais de poesia e correndo Brasil afora para produzir leitores. Passei rapidamente em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, mas a viagem foi inesquecível por muitos motivos, um dos quais os versos desenhados em vitrines e portas de lojas.

Um outro Brasil é possível, distante dos terríveis problemas das grandes aglomerações urbanas. Precisamos desconcentrar-nos. Afinal, o povo está concentrado, mais do que suco de tomate, em pouco mais de treze cidades, algumas delas abarcando vários municípios em suas áreas metropolitanas, como é o caso do Rio e de São Paulo, as duas maiores megalópoles do país.

Não sei como os telespectadores entenderam os debates dos candidatos a prefeito nas grandes cidades, mas a Suma Teológica sempre me pareceu de mais fácil compreensão. Agora que as eleições municipais se foram, perguntemos: tirando a cor dos partidos, em São Paulo, em que José Serra e Marta Suplicy se parecem? E Raul Pont e José Fogaça, em Porto Alegre?

Não há mais direita no Brasil. Agora todos são de esquerda. Mas que esquerda? A esquerda sempre se pautou, nas propostas e no governo, por cuidadosa gestão da cultura, da educação e da saúde. Contudo, por que não se aproveita essa imensa criatividade do brasileiro, como a de desenhar versos nas vitrines e portas das lojas, em locais públicos? A pessoa lê quase à força de uma doce e leve coação. Os versos, sempre curtos, estão ali, lado a lado com os anúncios. E aqueles autores já são muitos lidos e logo serão best-sellers!

Desvios insuportáveis

Há alguns anos estive em Nova Roma (RS) e testemunhei coisa semelhante. Debates candentes sobre poesia com alguns dos grandes nomes, nacionais e regionais. E havia mais. Na praça havia uma pipa pública. Determinados dias do ano o povo ia lá beber vinho. De graça. Que maravilha! Não sei se ainda vai. Aquele prefeito, não sei o nome, ele, sim, pensou no povo!

Porque em geral só se pensa no povo como doente, faminto, precisando de remédio, essas terríveis carências. Ele, não. Pensou que povo também gosta de beber vinho. Na mesma região, está a cidade de Veranópolis, campeã de longevidade! Falei com um velhinho de lá, que estava em Bento Gonçalves a passeio. Não aparentava os 85 anos que disse ter. Mas os têm e é conhecido da cidade vizinha. O segredo? ‘Todo dia um copo de vinho’. Claro! E polenta, leite, queijo, ovos, verdura, mel, melado, frutas. E esforço físico, pois a região é cheia de montes.

Todas essas cidades estão ausentes da imprensa, excessivamente preocupada com os políticos, a quem ostenta, com uma obsessão incrível, todos os dias nas primeiras páginas. Como o povo vai ler se não se reconhece nessas publicações? Talvez os nossos políticos, muitos dos quais comportam-se como vice-reis, condes, viscondes, príncipes e princesas, estejam empenhados todos os dias em percorrer caminho semelhante aos seus modelos.

Nem sempre a transição é tranqüila. De repente, não é apenas uma pedra no meio do caminho. É uma pedreira. É às vezes uma guilhotina. De todo modo, é preciso informá-los de que ameaçam, por seus gestos e práticas, tomar desvios insuportáveis. Em Bento Gonçalves, o viajante nota que não apenas um outro Brasil é possível, como os políticos pouco têm feito para ajudar o povo brasileiro a construir ou reconstruir o país.