No dia 14 de maio, uma garota de 13 anos encontrou-se com um amigo num shopping de Florianópolis e foi ao seu apartamento, onde vive com a mãe e o padrasto. Ele tem 14 anos e é filho de Sérgio Sirotsky, diretor do Grupo RBS de comunicação em Santa Catarina. A empresa, pertencente à sua família, controla 46 emissoras de televisão e rádio e oito jornais diários no Sul do país.
O que aconteceu no apartamento do garoto não se sabe com precisão, pois o inquérito policial e o processo correm em segredo de Justiça. Durante a investigação, quem devia preservar o sigilo permitiu que ele vazasse.
A jovem contou em seu depoimento que foi estuprada por um ou dois rapazes, ambos menores. Além do dono do apartamento, denunciou o filho de um delegado. Medicada num hospital, deu queixa à polícia e submeteu-se a um exame de corpo de delito. Nos últimos dez dias, o caso explodiu na internet.
A família Sirotsky publicou um comunicado informando a ocorrência do ‘lamentável episódio’, lembrando que ‘confia integralmente nas autoridades policiais’.
Silêncio de ouro
Para que se possa confiar mais nessas autoridades, o secretário de Segurança de Santa Catarina deve exonerar o delegado Nivaldo Rodrigues, diretor da Polícia Civil de Florianópolis. Numa entrevista gravada, ele disse o seguinte:
‘Eu não posso dizer que houve estupro. Houve conjunção carnal. Houve o ato. Agora, se foi consentido ou não, se foi na marra, ou não, eu não posso fazer esse comentário, porque eu não estava presente’.
A declaração do delegado é uma repetição da protofonia das operetas que começam investigando casos de estupro e terminam desgraçando quem os denuncia.
Noutra entrevista, com o inquérito concluído, o doutor informou que ‘o caso investigado é de estupro’, mas ao especular (indevidamente) sobre a motivação do ocorrido informou: ‘Amizade, se encontraram, resolveram fazer uma festa. Se foi na marra, não sei’.
Falta o delegado definir ‘marra’. É crime manter relações sexuais com menores. Se isso fosse pouco, segundo a denúncia, podem ter sido dois os rapazes que usufruíram a ‘conjunção carnal’. Se o delegado não podia dizer se o ato foi ‘consentido ou não’, devia ter ficado calado. Afirmar que não pode opinar porque ‘eu não estava presente’ beira o deboche.
Racionalização do crime
Existe uma razoável literatura sobre estupros de grupo. Em geral, ocorrem quando a vítima está alcoolizada ou drogada, o que torna despicienda a questão do consentimento.
Se o doutor Nivaldo sair virgem do episódio, os catarinenses perderão um pouco de sua segurança, triunfarão as teorias conspirativas sobre a impunidade do andar de cima e prevalecerá uma racionalização do crime: não há estupros, há mulheres que não sabem se comportar. (Exceção feita às mães dos defensores dessa doutrina, e que Santa Maria Goretti proteja suas filhas.)
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Jornalista