Quem se der ao trabalho de ler os textos que se publicam nas seções de cultura na imprensa sentirá um grande logro. Eles não cumprem o que anunciam no título, nem cumprem, quando realizam algum nexo, algo que nos informe, que nos pague o tempo que perdemos em percorrer suas linhas. Sim, claro, isto é uma característica geral de todas as seções da imprensa, das capas que nos enganam à seção de esportes, dos programas de televisão ao abuso nos ouvidos, mais conhecido pelo nome de rádio – ‘o seu companheiro de todas as horas’. Mas o logro e o malogro das notícias culturais têm um quê de específico, uma especialização nesse logro geral.
Em seus melhores momentos, os textos na seção de cultura conseguem um voyeurismo, uma indiscrição da vida privada dos famosos. ‘Isto também é cultura’, dizem os editores, sem atentar para o significado particular dado a essa palavra, confundida com os exames nos laboratórios de análises clínicas. Em seus piores momentos, nem entre os resultados da matéria dos laboratórios tal cultura é digna de aparecer. Falta-lhe um quê de justeza, de adequação, de confiança e crédito no papel que estampam. Em lugar de um ‘Ácido úrico – 8,4 mg/dl, Método uricase-PAP ‘, seguido do diálogo:
– Doutora, li no resultado que o referencial desse exame para homem é no máximo 7,0 mg/dl… 8,4 já não é um número sombrio?
– Não… Isto pode ser o seu estilo. Sossegue. É o seu way.
Em lugar desses números e diálogo que alenta e consola, os cadernos culturais estampam:
‘O rei do pop sofisticado vira escritor’, e o escritor é Sting, o músico Sting. Sabedores da literatura da guitarra podemos ir a…
‘O Fantasma, das selvas para a cultura pop
Ontem, o herói mascarado conhecido como O Fantasma completou 70 anos. No dia 17 de fevereiro de 1936 foi publicada nos EUA a primeira tira diária. Kit Walker pertence…’ (O Globo, Segundo Caderno, 18/2/06).
Ou, então, na revista IstoÉ (15/2/06): ‘Vilão Chique – Dos ternos claros para os de estilo ‘poderoso chefão’, André muda na telenovela Belíssima‘, e, se temos um espírito de maior indiscrição, ‘Nos bastidores do Big Brother Brasil’.
Prosa & quimera
Os cadernos culturais, as seções de cultura julgam que arte, literatura, são uma coisa muito chata, aborrecida ao extremo, e por isso têm que ser tornadas atraentes, que a poesia de Gabriela Mistral, por hipótese, se algum dia tiverem de falar nessa coisa antiga e tediosa, somente seria compreensível, vendável, se o texto adentrasse a sexualidade da poetisa, algo como os seios de Gabriela ocultos em Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga.
Daí que se vendam nas revistas semanais Veja e IstoÉ como ‘Artes e Espetáculos’, em que nem são artes nem espetáculo, pelo menos a que se assista com a inteligência. Na Época, ‘Artes’ aparecem com o digno apelido de ‘Cultura’, C maiúsculo, mas o que aparece é televisão, cinema, DVD, games e ‘A volta do poderoso chefão’, pelo menos na edição datada de 20/2/06. Vê-se que a arte e o pensamento estão banidos para bem longe, porque são artigos liquidados, sem interesse no mercado.
A salvação poderia estar nos jornais, nos cadernos semanais, de fim de semana. No Globo, temos o ‘Prosa & Verso’, no Jornal do Brasil, o ‘Idéias’, na Folha de S.Paulo, o ‘Mais!’. No entanto, o que se vê comentado em resenhas muito longe está da criação do Brasil. Os ‘críticos’ fazem uma linha de transmissão da indústria editorial. Não há, na grande imprensa, um sujeito de fibra que se diga: ‘Vamos ler isto, sem olhar para o selo editorial’.
O resultado disso não é bom, e nada de bom vem daí. Quem quiser saber o novo do Brasil, há de alcançá-lo por meios marginais, pela web, por exemplo, porque a criação está fora do circuito. O lugar insubstituível da literatura, como o lugar da reflexão sobre o destino humano, na grande imprensa está fechado. Para a mídia, a criação está morta. É impossível, tornou-se quimera acordar um dia e ler nas páginas de qualquer jornal ou revista do Brasil algo como estas linhas de Manuel Bandeira:
Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da
noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei.
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e
fiquei pensando…
– Humildemente pensando na vida e nas mulheres
que amei.
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Jornalista e escritor