Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A estética da dominação

Em entrevista a Ubiratan Brasil, do jornal O Estado de S. Paulo, em 2004 [‘Saramago quer escandalizar’, O Estado de S. Paulo, ‘Caderno 2’, 20/3/2004, pág. E1], o escritor José Saramago comentou seu livro Ensaio sobre a lucidez. Essa obra, de acordo com a entrevista, é uma crítica à mídia e ao poder. Em outras palavras, é a crítica às épocas: moderna e pós-moderna. Tempos em que o poder descobriu de forma mais explícita, a função dos meios de comunicação em auxiliar o establishment, sua manutenção e sua estética.

Diga-se de passagem que desde a Antigüidade os reis sabiam da importância da informação. Um déspota poderoso seria aquele que dominasse as vias de informação, conduzindo e manipulando tais vias. Um império só o é com rede sofisticada de comunicação, se não ele morre antes mesmo de nascer. Império funciona com boca, olhos e ouvidos atentos.

A revolução burguesa foi a tomada do poder por uma classe social inteligente e esclarecida. Desde o início, essa classe social soube da mecânica quase onipotente dos meios de informação. Ela expandiu seu domínio e seu modo de pensar, convenceu e persuadiu em seu benefício. Ao chegar ao poder, a prioridade dos governos burgueses foi o controle dos meios de informação – a burguesia sabia, desde o princípio, da força dessa arma ideológica.

Uma redundância econômica

Dessa maneira, uma idéia, um conceito como democracia, por exemplo, mantém-se por conta do controle da informação e da sua produção. Hoje, grosso modo, a informação é restrita em favor dos privilegiados, de sua classe social. E há um exército de profissionais submissos e muito bem pagos, mentes brilhantes, pessoas bem relacionadas, guardiões da situação secular que produz as informações, segundo a visão do patrão, do empresário. Eles, profissionais da comunicação, tecem conceitos, escondem e ridicularizam visões de mundo que não se alinham ao seu consenso. De forma eficiente, muito bem fundamentadas em teorias e ciências, essas pessoas divulgam o que convém e omitem o que interessa. Tudo com muita consciência, num discurso sofisticado e analiticamente superficial. Incluem-se aqui profissões como jornalistas, publicitários, comunicadores em geral e muitos intelectuais da grande mídia que se arrogam o título de opinião pública, quando, na verdade são formadores de algumas opiniões sem contextualização e realidade histórica.

Por aqui, no Brasil, o controle também se faz pelo fluxo econômico que ‘dirige’ os pensamentos, as ‘ações’ e limita o ‘livre agir’, e o ‘livre pensar’. ‘O poder econômico governa o mundo, e governa-o para que sirvamos aos seus interesses e aumentemos os seus lucros’, lembra Saramago em sua entrevista. A prioridade de quem domina é o controle das informações e o combate aos inimigos, os desalinhados. A forma mais inteligente para isso é minar a veia espiritual, suas formas de comunicação, sua mercantilização. Propagar, divulgar e informar se tornou rapidamente um ato econômico, uma redundância econômica.

Estratégia de controle

Informar, por aqui, é transmitir o editorial da empresa, inculcando valores e despertando forças em prol de quem controla os meios de produção. Não é à toa que Marilena Chauí, em seu livro O que é Ideologia?, classifica os meios de transmissão de informações como tentáculo da burguesia. Eles são uma espécie de transmissores do valor, da ética e da estética dos dominadores. A informação tal como está é considerada valor burguês, mercadoria, e serve aos interesses do mercado. Desafiar tal perspectiva é ser calado e desmoralizado pelos mecanismos de controle ideológico. Hugo Chávez que o diga! O fetiche de muitos canais de informação é transmitir valores econômicos neoliberais. É sabido que a empresa de informação só transmite notícia sob o crivo do departamento financeiro, dos executivos que possuem o password para liberar a informação.

O fluxo de informação e o jornalismo fazem parte da plasticidade dominante. Infelizmente, por aqui, pouco e marginal é o jornalismo ilustrativo, emancipador e esclarecedor. Reclama-se a liberdade, à qual pertence a forma do jornalismo e seu desenvolvimento. Entretanto, conscientizar e persuadir é um papel bem arranjado para a transmissão da informação dentro da sociedade atual brasileira. Mas não se conhece até hoje uma sociedade justa e democrática o suficiente que comporte um autêntico e salutar jornalismo livre, incapaz de ser apenas o porta-voz dos descarados do poder. O jornalismo, para sua própria frustração intelectual, é conseqüência do contexto em que está inserido. Assim sendo, informar é estratégia de controle, é estética de poder.

Injustiça e desumanidade

Saramago, numa visão realista do problema comunicacional, relata que a ação e a idéia do jornalismo, hoje, é a visão da empresa que age sem pestanejar para manter o status quo: ‘A lógica empresarial das tiragens e das audiências convida inevitavelmente ao sensacionalismo, à manobra rasteira, ao compadrio, aos pactos ocultos.’ Até parece que o escritor português ouviu antecipadamente a voz da burguesia patética de São Paulo gritando ‘Cansei’. O futurista Saramago parece ler, ouvir, assistir antecipadamente ao jornalismo brasileiro de 2006-2007. Acho que não! Aqui, o enfadonho e repetitivo discurso burguês é a principal fonte enunciativa para composição da fala jornalística. Basta pensar um pouco! Fazer uma análise mais profunda.

No entanto, sendo pessimista, almejar para o presente um jornalismo melhor na grande mídia é querer mudanças estruturais na sociedade, que retroage cada vez mais para a injustiça e a desumanidade. Os grandes meios de informação, que hoje atingem a maior parte da população, têm seu lugar no mundo rentes ao processo econômico do capitalismo neoliberal dominador e implacável para com quem não o venera como deus.

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Itapetinga, BA