Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ética na relação entre mídia e poder

Uma das boas definições para jornalismo é aquela que o descreve como uma atividade que procura jogar luz sobre fatos, buscar a verdade factual.

Essa verdade, porém, não é tão simples quanto possa parecer. Ela não existe em algum lugar, à espera de um iluminado que venha desvendá-la, mas adquire existência no próprio relato jornalístico. É, portanto, uma construção social.

E é bom que assim seja. Em A Imprensa e o Dever da Liberdade, Eugênio Bucci nota que é esse processo que desautoriza mentiras e falsificações.

A independência, do veículo e do jornalista, é o pré-requisito; a liberdade é o resultado.

Bucci defende a liberdade como o primeiro entre todos os deveres do jornalismo, mais importante até do que o apartidarismo. ‘Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito’, resume.

O autor tem toda a autoridade para tratar do assunto. Não apenas porque tem dado contribuição acadêmica relevante ao debate sobre a ética na imprensa, mas sobretudo por ter oxigenado a Radiobrás no período em que presidiu a instituição, entre 2003 e 2007.

O livro promete polêmica. Bucci considera um ‘disparate demagógico’ que intelectuais acreditem que possa haver imprensa livre comandada por funcionários do governo. ‘O governo, quando se associa à imprensa, tende a sequestrar-lhe a alma.’

Também adverte para o relacionamento entre jornalistas e ONGs (Organizações Não Governamentais), ‘que hoje se articulam em redes capazes de cooptar e instrumentalizar parte da cobertura’. Alguns, diz Bucci, chamam de responsabilidade social o engajamento do jornalista nas reivindicações dos movimentos populares.

Mas o resultado de tal atitude não é uma imprensa livre, ‘mas submissa ao discurso desses setores organizados’.

Corporativismo

O autor também enfrenta o corporativismo ao criticar o Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas, que ‘repousa sobre um conflito de interesses’, ao tratar ofícios diferentes, o do jornalista e o do assessor de imprensa, como se fossem um só, sem vetar ao profissional a possibilidade de estar, ao mesmo tempo, dos dois lados do balcão.

O problema é que eles têm clientes diferentes: o do assessor é a empresa que o contrata, o do jornalista é o cidadão. Seria necessário, portanto, defende Bucci, que se submetessem a códigos de ética específicos.

A separação dos ofícios, em geral criticada apenas da perspectiva corporativa, decorre da percepção, não abordada no livro, de que o jornalismo, como a diplomacia, é mais uma carreira do que uma profissão.

A ameaça do governo, a sedução das ONGs, a confusão da Fenaj, tudo são pedras no caminho da liberdade de imprensa. Como evitá-las? Basta ao jornalista não responder a outros senhores por baixo do pano, diz Bucci, ‘estejam esses senhores escondidos numa conta bancária ou em sua consciência’.

Interessados em imprensa, jornalistas e leitores, têm o dever (prazeroso) de ler Bucci.

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Jornalista, autor de A História do Brasil no Século 20 e A Aventura do Dinheiro, entre outros livros