A exclusão profissional começa cedo. Inicia-se, fatal, no primeiro dia de trabalho. Às vezes, realiza-se na véspera do Natal. A narrativa adiante é autobiográfica e ao largo da crítica, mas dentro do algo a dizer.
‘Professor Paulo? Aqui é da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). Temos uma má notícia. O senhor foi desligado. É obrigatório passar ainda hoje, aqui, para assinar os papéis!’
Foram 33 anos de dedicação à Faculdade de Comunicações, acumulando centenas de alunos, para não dizer milhares. Entre eles, os que encontro ocasionalmente, sem exceção, transmitem gratidão e reconhecimento, enquanto contenho a umidade que atravessa involuntariamente os olhos.
Foram anos em que fiz doações de centenas de publicações à biblioteca da escola. Doei coleções valiosíssimas: da extinta revista Expansão (absorvida pela Exame); da revista São Paulo Energia (da qual fui editor-chefe), órgão da fusão da CESP, Eletropaulo e CPFL, na gestão do governador Montoro… Assim por diante; uma longa série da revista Mundo Elétrico (extinta no governo Collor, da qual fui colunista); e, da revista Eletricidade Moderna (na qual escrevo desde 1989). Naturalmente, ali estão os meus quinze livros – que escrevi e publiquei no período.
Quando o MEC (Ministério da Educação) vistoriava a escola, então me telefonavam: ‘Professor, o senhor pode atualizar nossas revistas?’ Então, de prontidão, carregava um veículo, procedente da escola, com muitos exemplares, de meu escritório para o prédio respeitoso da rua Alagoas, Higienópolis.
Um bom veneno?
Em 1976, a convite de Marco Antônio Rocha, do Jornal da Tarde, comecei dando aula de Jornalismo Setorial III. Os alunos? Márcia Raposo (diretora do DCI); Serginho Groisman (TV Globo); Carlos Tramontina (TV Globo); Vera Brandimarte (diretora do Valor); Serginho B. (sócio do Meio & Mensagem); Eduardo Ribeiro (sócio da Mega Brasil); Rubens Fernandes (diretor da FAAP-Comunicações) e dezenas de celebridades jornalísticas que aqui não cabe listar. Atualmente, muitos deles já são avôs e avós. Posteriormente, Fernanda Young ou então as filhas e filhos de Luiz Nassif, Lilian Wite Fibe; Gilberto Dimenstein; Leda Catunda; Eduardo Muylaert; Regina Braga etc. etc. etc., o universo dos famosos e célebres.
Neste dezembro de 2008, não houve tempo sequer para uma conversação, tampouco lembrança para devolver a chave do meu antigo armário: o de número 91. Não houve possibilidade sequer de copiar o conteúdo do meu endereço eletrônico na escola: em horas, meus arquivos internautas ficaram inacessíveis: ‘Professor, o senhor deve fazer imediatamente o exame médico demissional, devolver o crachá (sem o qual se perde totalmente o acesso fluente à edificação) e comparecer no dia X ao Sindicato para homologação.’
Por várias vezes me perguntei se a avaliação formal semestral que os alunos vieram grafando sobre meu trabalho – com uma preponderante mensuração entre Bom e Ótimo – não poderiam desestimular a demissão. Meu grau de freqüência e pontualidade se aproximou de 100%, anos a fio. O que houve?
Depois de Jornalismo Econômico, lecionei Estudos de Problemas Brasileiros, Ética na Comunicação, Antropologia Cultural e, nos anos recentes, Criatividade: ‘Professor, a grade de ensino mudou e Criatividade não nos pertence.’
Critérios são critérios. Houve algum que apenas eu ignoro e perdi a motivação para saber qual tenha sido. Escrevo este artigo-crônica principalmente dedicado aos mais jovens, às suas consciências e noções de história e recursos humanos. Um bom emprego, um bom veneno?
Nas encruzilhadas e de tocaia
Há anos venho lecionando como professor convidado na Universidade Mackenzie, na Faculdade de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica e, aleatoriamente, na Universidade de São Paulo, na condição de professor convidado em cursos de pós-graduação. Dirijo-me a adultos, profissionais seniores.
No dia 31 de março de 2008, pela segunda vez dei uma aula na London Business School para 170 CEOs (executivos chefes), depois do que meus artigos regulares são traduzidos e ali distribuídos concomitantemente à sua disseminação no Brasil. Por três décadas venho fazendo palestras, umas 40 por ano, em todos os continentes: desde o Woodrow Wilson Center, em Washington, até Santa Maria (RS) ou Bauru (SP). Uma apresentação minha em Mineápolis (EUA), Paris, Santiago ou Aukland (Nova Zelândia), custa para os anfitriões o equivalente a um ano de meu último salário na FAAP. E, eles entendem que o conteúdo atrai. Porque será que não valho o interesse de meninos e meninas com menos de vinte anos?
Por que o MEC deprecia a dedicação parcial? Por que o MEC entende que um mestrado, de um jovem de 25 anos, recém-formado, que leu quinze livros, é mais relevante? Por que, mesmo sendo convidado para participar de bancas examinadoras de mestrandos, é pecado não ter este título? Ou por que a idade constitui um estorvo para quem teme o olhar da senioridade?
Tanto faz? Importa que a noção de exclusão, de fato, se situa no primeiro momento do primeiro trabalho. Suave ou não, áspera ou sutil, ela está nas encruzilhadas e de tocaia. E simploriamente nos resta a principal razão de viver que é apenas e mesmo viver.
Feliz 2009!
******
Jornalista, professor, engenheiro, consultor e escritor