No contexto da comunicação, a edição jornalística de imagens [venho me detendo neste assunto e publiquei um capítulo específico sobre o tema no livro Aprender telejornalismo – Produção e técnica, São Paulo: Editora Brasiliense, 1989, que já mereceu uma 2ª edição (1993) e 2ª reimpressão (2004)] é um tema extremamente importante. Neste sentido, a construção de conteúdos com imagens – e sons – vem recebendo a atenção dos teóricos e pesquisadores, que a definem como um dos mais significativos recursos de informação disponibilizados na cena moderna. Muitos olham a imagem em sua forma unitária, outros focam alvos nas suas correlações nos processos narrativos cinéticos, justamente quando estas estão agrupadas no processo de significância dos meios eletrônicos.
Depois de muita convivência com as mesmas, aprendi que, de fato, as imagens em movimento têm força monumental fazendo com que a edição audiovisual se configure com a ‘alma do processo’ da comunicação em movimento, especialmente no (tele) jornalismo [abordei tal tema no texto ‘A esgrimia da edição em telejornalismo’, que está em capítulo do livro Edição em Jornalismo Eletrônico, de José Coelho Sobrinho e Dirceu Fernandes Lopes, São Paulo, Edicon, 2000, p.69-80].
‘Um ato de criação’
Tomada individualmente, a imagem estática recorta valores empíricos, isolados e perenes, onde significados complementares se manifestam a partir do estímulo dos valores sociais e culturais pessoalmente implícitos em cada observador. Do seu lado, as imagens em movimento se caracterizam por reproduzir a plenitude da experiência humana na observação da vida e na absorção dos valores presentes na convivência social e na pluralidade imagética da natureza. Tanto uma como outra ‘recortam’ o cenário observado e condicionam a consciência humana na formatação cultural a que todos os seres humanos são submetidos continuamente. As imagens são, como se vê, fortemente importantes, merecendo estudos profusos, robustos e competentes para seu perfeito entendimento quanto às aplicações editoriais e também para seu desmascaramento, quando mal usadas.
Como obra de expressão, as imagens (isoladas ou coletivas) representam narrativas estéticas e denotam as opções sociais de seus autores nos seus intentos – claros ou disfarçados – de comunicar atos e fatos de relevância para a sociedade. Por isto tudo, vêm sendo destacadas desde seu surgimento pelos primeiros fotógrafos, cineastas e estudiosos. Nesta linha e pelas enormes possibilidades de expressão das imagens. [No livro O processo de criação no cinema, John Howard Lawson conclui que na edição ‘uma tomada considerada separadamente, é como uma `natureza morta´, pois enquanto não entra em movimento permanece inanimada. Assemelha-se a um substantivo isolado numa frase visual’.].
O grande cineasta russo Sergei Eisenstein certa feita afirmou que ‘a justaposição de duas cenas distintas, interligando-as, não significa apenas a simples soma de duas cenas, e sim, um ato de criação’. Com este estímulo imersivo, somos convidados a adentrar a arte da edição cinética que, no cinema, é definida como montagem.
Construção e conteúdos
Pela sua potencialidade e por se constituir como eixo principal no processo seletivo de significados nas mídias digitais, a edição, no telejornalismo, pode ser aplicada em direção editorial que distorça radical ou sutilmente a realidade observada, ter enfoques que acomodem um único e definido (e nem sempre conhecido) modelo de opinião, descontextualizar depoimentos, alterando o significado original (sem consultar os depoentes), acolher intenções manipuladoras discretas (e dificilmente perceptíveis pela audiência) e, sobretudo, expressar recortes da realidade com posições [que embutem posições políticas, culturais, de grupos etc. aprioristicamente assumidas e que valorizam específicos aspectos da realidade, distorcendo a estrutura dos fatos em favor de visões sectárias] enviesadas de grupos políticos, empresas, governos, órgãos públicos e privados etc.
Assim, e assumindo estas premissas como possibilidades concretas, destaca-se que a ‘justaposição de duas cenas distintas’ pode representar não somente um ato de criação, mas significar a mais pura e intencional deturpação dos fatos. Por isso, a edição deve ser exaustivamente estudada, uma vez que sua capacidade de convencimento é avassaladora, sobretudo quando difundida em meios de comunicação massivos como é o caso da televisão.
Objetivamente falando, aponto que a edição, no telejornal, nunca é isenta. Concluo dessa forma após constatar que ela possibilita infinitos modelos de intenção construtiva e seleção de conteúdos. Quer seja pela formação cultural e política do codificador (o repórter), ou ainda pelo perfil empresarial da emissora e de seu proprietário, o momento editorial da emissora frente aos entes públicos (políticos, empresas, governos, atores etc.), os compromissos empresariais do grupo que controla a emissora, a força regional e nacional de empresas e representantes do povo etc.
Hibridizações da expressão digital
Escapar dessa enorme força de pressão editorial é um exercício de difícil concretização e isto precisa ser destacado aos estudantes. Estes precisam ser advertidos que nos meios de comunicação as notícias podem facilmente ser manipuladas, encurtadas, distorcidas, fracionadas, invertidas, tiradas do seu contexto original etc., alterando a essência dos relatos e, por conseqüência, seus significados. Na forma e velocidade do (tele) webjornalismo, isto é crucial.
Na TV, a edição de matérias jornalísticas apresenta relatos formatados em blocos com imagens seriadas, onde os fotogramas revelam sua força e potência, se organizados adequadamente e em dinamismo que reflita a verdade, a isenção, o respeito pelo ser humano, a ética, o contexto original etc. E, ainda, se espelham a grande experiência humana da vida em sociedade e os valores culturais de cada povo, recusando o uso antiético, deturpador e enviesado de tais recursos comunicacionais. É justamente isto que propõem os autores dos capítulos desta obra, componentes de grupo gaúcho de pesquisadores da comunicação.
A partir de sua tese de doutorado, Fabiana Piccinin aborda a importância da existência de múltiplos olhares na edição telejornalística, indo do processo editorial tradicional ao universo das hibridizações da expressão digital, centrando-se em bibliografia de autores pátrios e de origem européia.
A importância da montagem
De seu lado, Elson Sempé Pedroso apresenta reflexão sobre o papel da fotografia e sua edição no jornalismo impresso, enfocando as características e dificuldades do exercício profissional.
Adair Peruzzolo leva este enfoque um pouco mais adiante, analisando imagens publicadas em periódicos do Rio Grande do Sul, a partir de pesquisa apoiada pelo CNPq.
Recortando o universo das Assessorias de Imprensa, Ângela Felippi apresenta estudo interessante, apontando a fantástica mobilidade das imagens e sentidos na sociedade contemporânea, o que afeta pessoas e empresas de forma brutal, comprometendo suas imagens públicas.
O universo do jornalismo online é o assunto de Demétrio de Azeredo Soster, baseando-se em experiências didáticas desenvolvidas com seus alunos.
Fernando Firmino da Silva continua nesta linha, introduzindo a Web 2.0 e a comunicação móvel, assuntos que já dominam a atenção do mercado nos cenários da tecnologia digital.
Os infográficos são o tema de Tattiana Teixeira, revelando como, na sociedade da velocidade, este tipo de recurso comunicacional assume importância destacada.
Gilmar Hermes enfoca o mundo das ilustrações nos jornais e seus percalços e Rudinei Kopp se encarrega da tarefa de analisar as características das capas de revistas, realizando estudo comparativo de edições nacionais e internacionais de revistas de forte penetração mercadológica.
Por último, Ary Moraes apresenta texto objetivo sobre o papel do design na forma da notícia.
O conjunto deste material representa expressivo esforço deste grupo, sediado na Universidade Santa Cruz do Sul (no Rio Grande do Sul), exemplo que deveria ser seguido por docentes de outras instituições de ensino superior. Reforço que tais iniciativas devem ser aplaudidas, pois os maiores beneficiários são nossos estudantes e pesquisadores. O ensino do uso correto e equilibrado da edição de imagens, centrado na preparação competente para a construção das narrativas específicas com a aplicação dos equipamentos pertinentes deve sempre ser louvado, pois como disse Eisenstein ‘você pode salvar um filme mal feito com uma boa montagem, mas poderá estragar um bom filme na montagem’.
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No ritmo da narrativa contemporânea
Fabiana Piccinin # Introdução de Edição de imagens em jornalismo
Uma das razões que tentam explicar a ascendência da imagem na contemporaneidade diz respeito à sua própria natureza e adequação a esse novo tempo. A imagem está em sintonia com a velocidade e o ritmo atuais porque ‘ver é compreender’, diz Jameson (1997).
Ainda que a afirmação do autor permita contemporizações, a nova valoração dos recursos imagéticos é um fato dado e muito presente nas formas de apresentação das notícias, em recursos de computação gráfica usados em imagens para TV, na edição das fotos para jornais e revistas, nos infográficos continuamente sofisticados e usados tanto em materiais impressos como na internet. Tão presentes que se tornam uma marca do jornalismo contemporâneo e que, justamente por isso, impelem a falar sobre.
Na verdade, ao reconhecer a importância da dimensão imagética na narrativa da notícia, a questão que se coloca avança no sentido de buscar entender, diante disso, como viabilizar editorialmente as possibilidades visuais para que, por meio delas, possa-se alcançar a melhor forma do dizer jornalístico. Ou seja, uma vez que os recursos se sofisticam continuamente e, por isso mesmo, podem ajudar a contar as histórias jornalisticamente, quais são os caminhos que podem garantir essa narrativa com eficácia?
Este livro surge a partir dessas reflexões, que, por sua vez, integram a proposta de discussões sobre a prática jornalística iniciadas pelo grupo há três anos. Tomada a condição de mutação do jornalismo, iniciou-se um caminho que possibilitasse a necessária sistematização desse conhecimento, muitas vezes presente na mídia e pouco presente na teoria.
Questões cotidianas
O início desse processo deu-se em 2006, com a publicação do primeiro volume da série intitulado Edição em Jornalismo: Ensino, Teoria e Prática. A obra voltou seu olhar para a perspectiva da edição, atendo-se às questões geradas tanto na prática da edição nas redações quanto no ensino da mesma nos cursos de jornalismo. Os capítulos foram então configurados a partir dos suportes (impresso, rádio, TV, web e assessoria), inaugurando as discussões sobre os desafios de contar histórias a partir da formatação jornalística.
A seqüência, um ano depois, em 2007, deu-se com a publicação de Metamorfoses Jornalísticas: Formas, Processos e Sistemas que, em suas discussões, procurou manter o foco da preocupação com as transformações no fazer jornalístico. Mais uma vez buscou-se sistematizar questões provenientes das mudanças geradas na prática de captar, produzir e veicular notícias que, por sua vez, raramente faziam parte das publicações acadêmicas.
O terceiro livro, em 2008, intitulado Edição de imagens em jornalismo, apresenta-se como a perpetuação das ‘heranças reflexivas’ das duas primeiras publicações. Ou seja, mantém a busca pelo entendimento de processos, sistemas e desafios da edição, agora focado na dimensão especificamente da imagem, esta, por sua vez, inserida no contexto das metamorfoses pelas quais o jornalismo contemporâneo está passando nos seus mais diferentes suportes. E, novamente, buscou-se o aprofundamento de questões que se colocam cotidianamente em nossas vidas – seja na sala de aula, seja na pesquisa acadêmica ou, ainda, na prática jornalística – que, apesar de suscitarem o debate, não estão sendo ditos, pensados, e/ou elaborados sob a forma de artigos e teorizações para que se possa fazer seu melhor uso.
Precisão e elegância
Assim, juntou-se a experiência pragmática a reflexões que pudessem dar uma visão bastante consistente sobre o papel da imagem no processo de edição contemporâneo no planejamento gráfico de revistas e jornais, na fotografia e na infografia, na arte usada no telejornalismo e no jornalismo de web e no fluxo e distribuição do material visual pelas assessorias de imprensa.
Buscou-se saber como essas práticas e linguagens se vêem diante desta demanda – a imagem –, que se impõe gradativamente mais e mais e que, exatamente por isso, exige um cuidado e uma competência dos jornalistas para tal, fundamentando, em última análise, a preocupação constante com o bom jornalismo.
Portanto, a todos os jornalistas e pesquisadores da área que se preocupam em saber mais sobre as melhores formas de refletir e de fazer jornalismo, bem como do papel da imagem nesse processo, este livro é um convite especial à reflexão. Sintam-se todos convidados a pensar o lugar e o papel do ícone imagético na arte de contar com precisão e elegância as notícias. A todas estas pessoas que se identificam com esta causa, uma boa leitura.
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Professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação (Mestrado e Doutorado) e diretor da Faculdade de Comunicação Multimídia da Universidade Metodista de São Paulo